quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Despertar de Ariano Suassuna para a Cultura Brasileira.

Trecho de uma entrevista com Ariano Suassuna, em que discorre sobre a alienação cultural imposta a nossa juventude.

ENTREVISTADOR: O senhor acha que hoje em dia um jovem, uma criança, que cresce navegando na internet, sob uma avalanche de filmes americanos, comendo na McDonald’s e indo a shopping centers, tem condições de ter essa visão que o senhor teve da cultura brasileira quando menino? É possível que esse menino de hoje possa ver isso?

ARIANO: Eu acho que não. Agora, isso vai depender muito do menino. Porque, veja bem, eu não fui imune a esse tipo de coisa. Eu não sei se você viu, como eu, um filme chamado Gunga Din, dos anos 40 ou 50. Esse filme é baseado num poema de Kipling, um poeta inglês da era vitoriana, um poeta do imperialismo inglês. Kipling era inclusive nascido na Índia, filho de um oficial inglês que servia na Índia. Pois, meu amigo, foi preciso um esforço de reflexão muito grande de minha parte para eu ver como aquele filme é imoral, indecente, é um filme inimigo do terceiro mundo, inimigo de todos nós, inimigo do Brasil. E eu não via isso, eu chorava...

Ficou envolvido...

Claro, como qualquer menino hoje, diante de Rambo ou de qualquer outra coisa. Aí você lembre bem, o vilão do filme é um líder nacionalista, religioso. É apresentado como um fanático. É o que eles estão fazendo com Bin Laden. Então, ele é apresentado como um bandido. O herói é o indiano traidor, Gunga Din, cuja vontade era entrar no exército inglês e eles não deixavam porque ele era negro. Eles preparam uma emboscada, o exército inglês vem por um desfiladeiro e quando Gunga Din vê que o exército inglês vai cair na emboscada dos indianos, pega uma corneta, sobe numa torre e dá o toque de alarma. Os indianos atiram nele e ele morre, mas o exército inglês escapa da emboscada e vence... No fim do filme, é recitado o poema do Kipling: “Durante o tempo em que eu fui soldado de sua majestade, a Rainha, nunca conheci herói maior do que Gunga Din, Din, Din”. E eu chorava emocionado com pena de Gunga Din, com a cena final do enterro de Gunga Din, admitido post mortem como soldado e promovido a cabo (risos). Então, eu passei por uma lavagem cerebral e tive de refletir que eu, ficando com aquela visão que eles queriam, eu estaria contra Ghandi, Nehru e todos aqueles que fizeram a libertação da Índia.