sexta-feira, 3 de julho de 2020

A Presidência de Afonso Pena & A Escola Positivista Mineira


Presidente Afonso Pena

O governo de Afonso Pena (1906-09) foi cheio de realizações, sob influência positivista, o presidente trazia planos arrojados: queria um Brasil industrializado, rico e militarmente forte. Seu ministro Davi Campista, ousou atacar os velhos princípios da economia liberal, proclamando-se intervencionista. Afonso Pena iniciou a via férrea para Mato Grosso, levou o telégrafo aos confins da Amazonia a que incubiu o positivista Cândido Rondon (Expedição Rondon). Adepto das teses evolucionistas, incrementou vivamente a imigração, buscando o povamento das terras interiores, integrando-as ao Brasil. Estima-se em 100 mil o números de imigrantes que adentraram no Brasil, em especial, com a criação de colônias para produção de vinho e trigo no sul do Brasil. Criou também o serviço Geológico e Mineralógico, confiado a Orvile Derby, visando à pesquisa e aproveitamento das riquezas minerais do país, como primeiro passo para uma ulterior implantação de uma indústria siderúrgica. Tendo ainda fortalecido as Forças Armadas por intermédio de Hermes da Fonseca, que atualizou os armamentos da infantarias, a compra de novos navios para marinha, bem como a instituição do serviço militar obrigatório. Sintetizou seu governo em dois pontos: sanear e colonizar.

É dele a iniciativa, quando ainda era governador de Minas Gerais, de fundar Belo Horizonte (1894) como nova capital do Estado, tendo a frente, uma das mentes mais brilhantes do Brasil, o engenheiro também positivista Aarão Reis. É nesse influxo, que posteriormente se fundará, já no governo Vargas, nos esforços da Marcha para o Oeste: Goiania, e posteriormente Brasília.

Belo Horizonte, cidade planejada por Aarão Reis

No que pese ter sido conselheiro do Império, agirá com energia e inflexibilidade na defesa da legalidade, condenando o movimento revolucionário contra Floriano Peixoto, se pondo ao seu lado.

Afonso Pena foi eleito em 01 de março de 1906, pela articulação do senador riograndense Pinheiro Machado. Sua escolha resultara das combinações em torno do convênio de Taubaté (1905), impondo a política de valorização do café, entrosada com as leis, criando a Caixa de Conversão e estabelecendo tarífas alfandegárias protecionistas, ambas sancionadas já em 1906.

Durante o seu governo se cercou de um grupo de "moços" mineiros intelectualizados de ideais positivistas, e daí, ironicamente chamado: "Jardim da Infância" alcunhado, pelos seus adversários.

Com eles, se sobrepôs a administração científica à politica. Em carta a Rui Barbosa, a cerca de seu ministério, justificou-se o presidente: "Na distribuição das pastas não me preocupei com a política, pois essa direção me cabe, segundo as boas normas do regime. Os ministros executarão meu pensamento".

Afonso Pena por intermédio de seu ministro da Fazenda Davi Campista logo dar início a uma política nacionalista, só intentada antes por Floriano Peixoto, aumentando as tarífas alfandegárias de importação e criando a Caixa de Conversão. A majoração das tarífas de importação visavam proteger a indústria nacional, ao mesmo tempo, fomentá-las para maior industrialização do Brasil.  Já a Caixa de Conversão tinha por objetivo impedir a oscilação do câmbio, recebendo ouro dos particulares e do Governo, oque na prática implicava na adoção de um padrão ouro. Oque resultou numa rápida estabilização da moeda, como poucas vezes se viu no Brasil.

A fórmula inicial da Caixa de conversão, segundo o modelo adotado pela Argentina, no governo de Carlos Pelegrini, não seria do agrado do Senado Mineiro, vindo a ser modificado no pacto adicional de Belo Horizonte. Tampouco o projeto João Luis Alves agradaria aos financiadores estrangeiros da exportação do café.

O Times, de Londres, chegaria a insinuar que os representantes diplomáticos deveriam agir coletivamente junto ao Governo brasileiro no sentido de forçar o Congresso a manter as tarifas até então em vigor. O bloco mineiro, liderado por Afonso Pena e João Pinheiro, sairia vitorioso, não apenas pela habilidade com que a questão foi conduzida, mas por uma assombrosa intuição que o levava a prestigiar a corrente industrialista manufatureira, mesmo contrariando o patriciado cafeeiro, representado pelos interesses conjugados de exportadores e importadores, ligados ao capital estrangeiro, em detrimento do capital nacional.
"A tentativa de criação de uma Caixa de Conversão no Brasil, para a defesa do nosso dinheiro, tem suas raízes no projeto de Bernardo Pereira de Vasconcelos, visando a melhoria do meio circulante, apresentado em 1846. "O projeto mandava receber nas estações públicas as moedas de ouro pelo preço que lhes dava o mercado de cambio de 2 pence por mil réis, isto é, 4$000 de papel por cada oitava de ouro fino de 22 quilates, autorizava a fazer operações de crédito para retirar da circulação a soma de papel-moeda necessária para elevar esse papel ao valor anteriormente indicado, fixava em mil contos de réis a soma que o Governo deveria anualmente retirar do pappel-moeda em circulação, mantinha todos os contratos feitos antes da reforma e conservava o padrão monetário fixado pela Lei de 8 de outubro de 1833."
O que se objetivava, em 1906, sessenta anos depois do projeto Vasconcelos, oque evidencia todo o descaso do Império, era impedir as repentinas e grandes oscilações do câmbio, assegurando a estabilidade da taxa cambial, com a Caixa de Conversão, destinada a receber moeda de ouro dos particulares ou do Governo, emitindo a Caixa, na proporção exata das somas recebidas, bilhetes convertíveis à taxa cambial de 15 dinheiros, valendo a libra 16$000 desses bilhetes. Era mais uma lição a ser aproveitada.

No que pese o projeto de Vaconcelos, ter sofrido muitas modificações, a ação parlamentar de Davi Campista, relator do convenio cafeeiro na câmara dos deputados, realizou prodígios para não desvirtuar totalmente a iniciativa de Afonso Pena, conciliando os pontos de vista divergentes. Afonso Pena tiraria assim do encontro de Taubaté o feito de obrar uma solução nacional e não regionalista.


A Escola Positivista Mineira

O ministério de Afonso Pena, apelidado por seus opositores de "Jardim da Infância" representou uma retomada dos valores republicanos perdidos ao longo da República pelos vícios herdados do Império de fisiologismo e patrimonialismo. Esse corpo intelectual republicano incorporava em si, uma sólida formação humanista, cientificista, e evolucionista como solução para os problemas nacionais.

Nesse clima de idéias novas, destaca-se um jovem montanhês, filho de um imigrante italiano, completaria sua formação nos cinco anos do curso jurídico (1883-87), oportunidade que o aproximou de outros dois montanheses Pedro Lessa e Edmundo Lins, todos os três identificados pelo mesmas convicções e o mesmo comportamento austero que terão na vida pública. 

Pedro Lessa, veio a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, e era entusiásta das idéias socialistas, dizia: 
"a regulamentação do salário; a discriminação e fixação das horas de trabalho; a fundação das sociedades cooperativas, estipendiadas ou auxiliadas pelo Estado; a supressão do trabalho das crianças ou mulheres casadas; a criação das corporações de artes e ofícios; o estabelecimento de caixas de socorro para os inválidos do trabalho, e para as viúvas e órfãos dos operários; um imposto progressivo, ou de ualquer modo pesado sobre a herança e o luxo". De modo que Pedro Lessa arrematava: "o socialismo há de triunfar parcialmente. O seu triunfo é infalível, necessário". 
Governador João Pinheiro da Silva
João Pinheiro em 1890 exerceu interinamente o Governo de Minas, como vice-presidente, sendo logo depois nomeado efetivo. Foi eleito deputado federal à Constituinte de 1891, recolhendo-se depois ao trabalho na indústria de cerâmica, que possuía com a família em Caeté, decepcionado com os rumos da política. Em 1903, coordena o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial. Voltou novamente à vida política, sendo eleito senador da República em 1905 e Presidente de Minas Gerais em 1906. Na presidência estadual, empreende a primeira grande reforma do ensino no estado (onde, durante dois séculos, "nunca existiu método algum de ensino primário"), lança as bases de uma sólida política de desenvolvimento e funda o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

O quadro da economia brasileira no começo do século era a seguinte, descrita por João Pinheiro:
"o comércio desnacionalizado, os gêneros de primeira necessidade importados em país agrícola; os principais gêneros de exportação sem poder pagar o custo da produção; o próprio trabalho desta, feito pelo braço estrangeiro alugado, que não procuramos fixar no solo; abalado o patrimônio das famílias; a terra se desvalorizando; retomado, de novo, o recurso dos empréstimso externos, cujo principal defeito é o de encobrir, momentaneamente, a miséria da situação atual, que surgirá, depois, muitíssimo mais agravada, desde que eles não sejam empregados em despesas reprodutivas". 
João Pinheiro, retornando à atividade política, pouco depois, tendo como aliado a um antigo conselheiro do império, Afonso Pena, colocou, desde logo a questão agrícola, como fundamental: "O problema agrícola abrange duas questões essenciais: a fixação do trabalhador ao solo, começando pelo trabalhador nacional e a esducação profissional do agricultor. No primeiro caso, uma das soluções é facilitar a divisão do solo possuído em comum, visto que a agricultura nos terrenos pro indiviso é perfeitamente nômade e trás consigo  todas as más conseqüências desta situação". Fixar o agricultor ao solo, tal como fizeram os Estados Unidos, a lei do homestead, que datava de meados do século XIX, cujo sentido foi bem apreendido por João Pinheiro através da leitura de Leroy-Beaulie, no seu Os Estado Unidos no Século XX, livro que tivera no Brasil grande repercussão.

Inclinava-se em política para aqueles que seguiam as normas comteanas, os chamados científicos, do tipo de Júlio de Castilhos, que não escondia seu desprezo pelos liberais. João Pinheiro admirava Castilhos, que havia conhecido no Congresso Constituinte.

Não era um positivista ortodoxo, muito menos um positivista religioso, posto ter se casado na Igreja Católica Apostólica Romana, batizou todos os seus filhos e educou-os em escolas católicas. Ao mesmo tempo que quando governador, determinou ao chefe de polícia que a banda da força pública do Estado, não participa-se de festejos religiosos, não vacilou em comparecer ao Seminário de Mariana e ali prestar comovida homenagem ao velho mestre, Dom Silvério Gomes Pimenta, como exemplo da dedicação ao serviço da religião católica: "religião que foi a de meus pais e é a de meus filhos, e que rejuvenesce dentro do regime republicano".

A morte de João Pinheiro antes de concluir o seu mandato em 25 de outubro de 1908 aos 47 anos, em Belo Horizonte-MG, foi fatal ao Jardim da Infãncia e por extensão ao próprio movimento de renovação da política nacional. Seria ele o candidato natural à sucessão de Afonso Pena, desde que assegurada a unidade mineira. 

A morte quase simutânea de João Pinheiro (1908) e Afonso Pena (1909), aliada ao ostracismo de Carlos Peixoto e Davi Campista, frustraram a tentativa de modificações renovadoras do processo político. O desaparecimento de João Pinheiro, a primeira peça a se desprender do mecanismo que vinha sendo armado, com o jardim de Infância, chegou a ser glosado na época como uma degraça nacional:
"quantas e quantas coisas teriam amanhecido mais cedo, e sob clima melhor, se os destinos nacionais tivessem então em mãos do incomparável animador, daquele que se orgulhava ter vindo das mais profundas raízes populares".