sexta-feira, 8 de abril de 2016

Carta aos Moços - Darcy Ribeiro.

Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando, como um cruzado, pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isto não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que nos venceram nessas batalhas. 
 
Tudo que diz respeito ao humano, suas vidas, suas criações, me importam supremamente. Dentro do humano, o povo brasileiro, seu destino é o que mais me mobiliza. Nele, a ínvia indianidade brasileira, que consegue milagrosamente sobreviver. Mas, sobretudo, a massa de gente nossa, ainda em fusão, esforçando-se para florescer numa nova civilização tropical, mestiça e alegre.

Acho que aprendi isso, ainda muito jovem, com os antigos comunistas. Imbatíveis em sua predisposição generosa de se oferecerem à luta, por qualquer causa justa, sem mais querer que o bem geral. Estou certo de que a dignidade, e até o gozo de viver que tenho, me vêm dessa atitude básica de combatente de causas impessoais. Tanto, que me atrevo a recomendar duas coisas aos jovens de hoje.

Primeiro, que não respeitem seus pais, porque estão recebendo, como herança, um Brasil muito feio e injusto, por culpa deles. Minha também, é claro. Segundo, que não se deixem subornar por pequenas vantagens em carreirinhas burocráticas ou empresariais pelo dinheirinho ou dinheirão que poderiam render. Mais vale ser um militante cruzado, acho eu.

Vejo os jovens de hoje esvaziados de juventude, enquanto flama, combatividade e indignação. Deserdados do sentimento juvenil de solidariedade humana e de patriotismo e de orgulho por nosso povo.   

Incapacitados para assumir as carências dos brasileiros como defeitos próprios e sanáveis de todos nós. Ignorantes de que o atraso, a fome e a pobreza só existem e persistem, entre nós, porque são lucrativos para uma elite infecunda e cobiçosa de patrões medíocres e de políticos corruptos.

Afortunadamente, podemos nos orgulhar de muitos jovens brasileiros que são o sémen de nosso povo sofredor. Sem eles, nossa Pátria estaria perdida. É indispensável, porém, ganhar a totalidade da juventude brasileira para si mesma e para o Brasil. O dano maior que nos fez a ditadura militar, perseguindo, torturando e assassinando aos jovens mais ardentemente combativos da última geração, foi difundir o medo, promover a indiferença e a apatia. 

Aquilo de que o Brasil mais necessita, hoje, é de uma juventude iracunda, que se encha de indignação contra tanta dor e tanta miséria. Uma juventude que não abdique de sua missão política de cidadãos responsáveis pelo destino do Brasil, porque sua ausência é imediatamente ocupada pela canalha.

Talvez eu veja tanto desencantamento, onde o que há é apenas o normal das coisas ou o sentimento do mundo que corresponde às novas gerações. Talvez seja assim, mas isso me desgosta muito. Desgosta, principalmente, porque sinto no fundo do peito que é obra da ditadura militar tamanha juventude abúlica, despolitizada e desinteressada de qualquer coisa que não corresponda ao imediatismo de seus interesses pessoais. É por isso que não me canso de praguejar e xingar, exaltado, dizendo e repetindo obviedades.
Sobretudo, quando falo à gente jovem em pregações sobre valores que considero fundamentais e que não ressoam neles como eu quisera.

Primeiro de tudo, o sentimento profundo de que esse nosso paísão descomunal e esse povão multitudinário, que temos e somos, não nos caiu ao acaso, nem nos veio de graça. É fruto e produto de séculos de lutas e sacrifícios de incontáveis gerações. O território brasileiro é do tamanho que é graças à obsessão portuguesa de fronteira, impressa neles por um milênio de resistência, para não serem absorvidos pela Espanha, como ocorreu com todos os outros povos ibéricos. Desde os primeiros dias de nosso fazimento estava o lusitano preocupadíssimo em marcar posses, gastando nesse esforço gerações de índios e caboclos que nem podiam compreender que nos faziam.

Meu apego apaixonado pela unidade nacional começa pela preservação desse território como a base física em que nosso povo viverá seu destino. Encho-me da mais furiosa indignação contra quem quer que manifeste qualquer tendência separatista. Acho até que não poderia nunca ser um ditador, porque mandaria fuzilar quem revelasse tais pendores.

Outro valor supremo, e até sagrado, que quero comunicar à juventude, é o sentimento de responsabilidade pelo atroz processo de fazimento de nosso povo, que custou a vida e a felicidade de tantos milhões de índios caçados nas matas e de negros trazidos de África, para serem desgastados no moinho brasileiro de gastar gente. Nós viemos dos zés-ninguém gerados pela índia prenhada pelo invasor ou pela negra coberta pelo amo ou pelo feitor. Aqueles caboclos e mulatos, já não sendo índios nem africanos e não sendo também admitidos como europeus, caíram na ninguendade. A partir desta carência de identificação étnica é que plasmaram nossa identidade de brasileiros.

Fizeram-no um século depois, quando, através dos insurgentes mineiros, tomamos consciência de nós brasileiros como um povo em si, aspirando existir para si.

Surgimos, portanto, como um produto "inesperado e indesejado do empreendimento colonial que só pretendia ser uma feitoria. A empresa Brasil se destinava era a prover o açúcar de adoçar boca de europeu, o ouro de enricá-los e, depois, minerais e quantidades de gêneros de exportação.

Éramos, ainda somos, um proletariado externo aqui posto para servir ao mercado mundial. Criá-lo foi a façanha e a glória das classes dominantes brasileiras, cujo empenho maior consistia, e ainda consiste, em nos manter nessa condição.

Foi sobre esse Povo-Nação, já constituído e levado à independência com milhões de caboclos e mulatos, que se derramou a avalancha européia quando seus trabalhadores se tornaram descartáveis e disponíveis para a exportação como imigrantes. Os melhores deles se identificaram com o povo antigo da terra e até se tornaram indistinguíveis de nós, por sua mentalidade, língua, cultura e identificação nacional. Ajudaram substancialmente a modernizar o país e a fazê-lo progredir, gerando uma prosperidade ampliada, a inda que muito restrita, e que beneficiou principalmente aos recém-vindos.

É de lamentar, porém, que vez por outra surja, entre eles, uns idiotinhas alegando orgulhos de estrangeiridade. O fazem como se isso fosse um valor, mas principalmente porque estão predispostos seja a quebrar a unidade nacional em razão de eventuais vantagens regionais, seja a retornarem eles mesmos para outras terras, como fizeram seus avós. Afortunadamente, são uns poucos. Com um pito se acomodam e se comportam.

Compreendem, afinal, que não há nesse mundo glória maior que participar da criação, aqui, da civilização bela e justa que havemos de ser.

Tal como ocorreu com nossos antepassados, hoje, o Brasil é nossa tarefa, essencialmente de vocês, meus jovens. A história está a exigir de nós que enfrentemos alguns desafios cruciais que, em vão, tentamos superar há décadas. Primeiro que tudo, reformar nossa institucionalidade para criar aqui uma sociedade de economia nacional e socialmente responsável, a fim de alcançarmos uma prosperidade generalizada a todos os brasileiros. O caminho para isso é desmonopolizar a propriedade da terra, tirando-a das mãos de uma minoria estéril de latifundiários que não plantam nem deixam plantar. Eles são responsáveis pelo êxodo rural e o crescimento caótico de nossas cidades e, conseqüentemente, pela Fome do povo brasileiro. Fome absolutamente desnecessária, que só existe e só se amplia porque se mantém uma ordem social e um modelo econômico compostos para enriquecer os ricos, com total desprezo pelos direitos e necessidades do povo.

Simultaneamente, teremos de derrubar o corpo de interesses que nos quer manter atados, servilmente, ao mercado mundial, exigindo privilégios aos estrangeiros e a privatização das empresas que dão ser e substância à economia nacional, para manter o Brasil como o paraíso dos banqueiros. Não se trata de criar aqui nenhuma economia autárquica, mesmo porque nascemos no mercado mundial e só nele sobreviveremos.

Trata-se é de deixar de ser um reles proletariado externo para ser um povo que exista para si mesmo, ocupado primacialmente em promover sua própria felicidade.

Essas lutas só podem ser travadas com chance de vitória desmontando a ordem política e o sistema econômico vigentes. Seu objetivo expresso é preservar o latifúndio improdutivo e aprofundar a dependência externa para manter uma elite rural esfomeadora e enriquecer um empresariado urbano servil a interesses alheios. Todos eles estão contentes com o Brasil tal qual é. Se não anularmos seu poderio, eles farão do Brasil do futuro o país que corresponda aos interesses dos países que nos exploram.

Nestas singelas proposições se condensa para mim o que é substancial da ideologia política que faz dos brasileiros, brasileiros dignos. Tais são o zelo pela unidade nacional, o orgulho de nossa identidade de povo que se fez a si mesmo pela mestiçagem da carne e do espírito; a implantação de uma sociedade democrática onde imperem o direito e a justiça para todos; a democratização do acesso à terra para quem nela queira morar ou cultivar; a criação de uma economia industrial autônoma como o são todas as nações desenvolvidas.

Eis o que peço a cada jovem brasileiro: repense estas idéias, reavalie estes sentimentos e assuma, afinal, uma posição clara e agressiva no quadro político brasileiro.

5 comentários:

  1. Faça artigos sobre o Segundo Reinado. Uma página nacionalista tem o dever de enobrecer as figuras de D. Pedro II, Caxias, Herval, Tamandaré, Porto Alegre, Visconde de Porto Seguro, Rio Branco (pai e filho), Almirante Barroso e etc...
    OBS: Apesar disso, sou contra restaurar a monarquia.

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  2. A monarquia foi um período liberal, responsável pelo atraso do Brasil em mais de um século de industrialização.

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  3. Discordo. O que atrasou o Brasil foi a escravidão. Nomes como Mauá nunca conseguiram progredir devido aos ruralistas (Cotegipe, Itaboraí). O Brasil Imperial era maior potência da América Latina, tinha o melhor exército e a melhor marinha. Já com a república (1894-1930) qualquer revolta (como a de 24) foi suficiente pra provocar enormes baixas no governo. Ah, e Getúlio Vargas respeitava D. Pedro II, tanto que criou o mausoléu imperial.

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  4. D. Pedro I favoreceu a dependência econômica do Brasil com a Inglaterra. Já D. Pedro II foi aos poucos se distanciando. A Monarquia poderia ser considerada ineficiente se levássemos em consideração o Império do D. Pedro I, o mesmo para a república se tratando da chamada República Velha, sob a política do café com leite. Mas D.Pedro II e Getúlio Vargas provaram o contrário.

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  5. O grande cisma entre os republicanos e os monarquistas era a política econômica. O apoio da monarquia as teses econômicas de Adam Smith da política da especialização, segundo o qual os países deveriam explorar suas vocações econômicas para maximizar o lucro. A receita do atraso. Os monarquistas defendiam que o Brasil deveria "investir" na agricultura e que não tinha vocação industrial (Adam Smith dizia o mesmo dos EUA) e o resultado foi o atraso em mais de um século da industrialização do Brasil, que só veio ocorrer, tardiamente, na década de 30 com Getúlio.

    A guisa de comparação, veja o reinado do kaiser Guilherme II, da Prússia, que coincide com o final do reinado de D. Pedro II. Guilherme II era o oposto de D. Pedro II, sob seu reinado, a Alemanha, antes um país pobre e subdesenvolvido, ascendeu a potência industrial e militar pela qual será conhecida, era essa a política almejada pelos republicanos históricos. A propalada marinha de guerra que os monarquistas tanto falam é uma farandolagem, logo quando do advento da república e a sublevação da marinha em sua tentativa de depor Floriano, a "poderosa" marinha de guerra se mostrou completamente inócua ante a apenas 3 buques estadunidenses em um breve confronto na baía da Guanabara, oque forçou a fuga num navio português que os levou para o sul.

    Assim, é que o próprio D. Pedro II, quando de seu exílio, confessa em carta à Afonso Celso seu erro pela adoção do liberalismo:

    "Já não estou tão livre-cambista como dantes; a tendência da época manifesta-se visivelmente protecionista. Não há remédio se não atendê-la".

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