sábado, 20 de maio de 2023

A II Batalha de Salvador - 1638, Cai o Mito da Invencibilidade Holandesa.


A Batalha de Salvador, ocorrida entre 16 de abril à 25 de maio em 1638, com seu ponto culminante em 18 de maio, é legada a um inconcebível esquecimento, n’ um, que foi, dos mais heróicos episódios da nossa história! Não só pela magnitude da batalha. Já estabelecidos em Pernambuco, veio Nassau, pessoalmente, comandando a operação, em 40 navios de guerra, levando: 7 mil efetivos; três mil e tantos marinheiros, mais três mil homens de desembarque, e 800 índios. Contanto com os mais modernos armamentos da época, granadas, foguetes, luminárias, etc... uma força, atualmente denominada pelos exércitos modernos, como: “fuzileiros navais”, armados com o que de melhor havia, e apoiados, do mar, pelo fogo dos navios.  

A Batalha dos Condes!

Nassau sai de Recife com sua esquadra em 8 de abril de 1638, tentou um desembarque na foz do Rio Vermelho, mas foi fortemente hostilizado. Então velejou para a baía de Todos os Santos e desembarcou suas tropas na praia da Água dos Meninos em 16 de abril. Pedro Corrêa da Gama opôs-se às forças holandesas e obrigou-as a bater em retirada. Nassau então simulou um ataque e desembarque no porto.

Conde Bagnuoli, italiano,
comandante das forças brasileiras.
Atemorizado, Bagnuolo quis recuar para estabelecer a resistência junto às portas da cidade. Indignada, a população protestou. Duarte Coelho, o Governador Geral e o bispo trabalharam para acalmar o povo. Essa reação popular mudou o curso das coisas. Até então, as forças de Bagnuolo, entregaram sem resistência os fortes de: Monsserrat, em água de menino, aonde desembarcaram, Taparipe, e São Bartolomeu. Cruzaram o estreito, que liga a praia a cidade de Salvador, também sem qualquer oposição. O comando holandês, a esse respeito, ponderou que se houve-se apenas 100 homens, teria sido impossível passarem pelo estreito a exemplo do famoso episódio grego de Termópilas. E assim, iam as coisas.... foi graças a resolução popular, ante tamanha tibieza, que forçou a mudança dos comandantes de uma postura vacilante, para uma altiva e encarniçada defesa por Salvador. O povo exigiu, em armas em mãos, que a cidade fosse defendida! Passou para história, o caso de uma esposa que se recusou abrir a porta, para o marido, que: “.... não abriria a porta a homem, que tão baixamente, havia entregue o posto que estava encarregado, e quando viera a ser feito em pedaços, por haver sido em defesa da fé católica, e de seu Rey, alegre e orgulhosa, lhe receberia.”. E então, com esse espírito, incendiou como rastro de pólvora, o ânimo geral. E fez mudar, não só o curso da batalha, como de toda a guerra!

O conselho de guerra decidiu manter a defesa do lado de Itapagipe e o povo cuidaria da defesa da cidade na porta do Carmo. Os holandeses atacaram (20 de abril) com vigor e chegaram à porta do Carmo, onde Pedro da Silva opôs-lhes tenaz resistência. 

Nassau intentou então, cercar Salvador. Enquanto cessaram os combates, os brasileiros intensificaram a guerra de emboscadas. Luís Barbalho levantou em tempo exíguo, empregando mil homens, um reduto, que no futuro será convertido em forte que leva o seu nome.

Os defensores da cidade lançaram as companhias de emboscadas de Camarão, Henrique Dias, Francisco Rebelo, Sebastião do Souto, André Vidal de Negreiros e Assenso Silva contra os holandeses. Eles atacaram e mataram os holandeses pelos matos. Os holandeses tentaram erguer dois bastiões em frente ao Carmo, mas os guerrilheiros causaram-lhes grandes baixas. Enquanto isso, os defensores construíram uma poderosa linha de defesa no Carmo. Os holandeses redobraram esforços para levantar uma linha de baterias em frente à porta do Carmo e colocaram ali oito canhões. Bombardearam a cidade por três dias e três noites sem maiores proveitos.

Nassau não conseguiu sitiar a cidade, oque possibilitou a manutenção de vias que a abastecia. Resolve intimar o governador a se render, sob ardil, de que teria um reforço de igual força que dispunha naquele momento. Ao que enviou, o governador geral Pedro da Silva, como resposta,: "as cidades d’EI Rey não se rendem senão com balas e com a espada em mão, e depois de muito sangue derramado; e que os ânimos portugueses não se acobardam com palavras, senão com, obras".

Nassau logo que recebeu a altiva resposta do governador, começou bombardear a cidade, com pronta resposta.  As companhias de emboscadas não permitiam que os holandeses se afastassem de suas posições e Nassau se preocupava com a escassez de víveres de suas forças. A escurecer, entre a noite do dia 17 para 18 de maio, resolveu lançar um ataque decisivo às trincheiras de Santo Antônio, defendido pelo Mestre de Campo D. Fernando de Lodueña.

Enquanto a esquadra bombardeava as encostas de Vitória e Barra, Nassau lançou 3.000 homens contra as fortificações. Os defensores mandaram La Calce com seu Têrço Italiano para ajudar as posições atacadas pela esquadra, mas foi em vão. 

Nas Trincheiras de Santo Antônio, Define-se o Destino da Pátria!

Os holandeses assaltaram as trincheiras de St.º Antônio, com a luta assumindo proporções épicas, e os defensores esmagaram os assaltantes com grandes pedras e traves. Todas as tropas das fortificações exteriores acudiram ao combate, o que forçou Nassau lançar o resto de suas forças nesse ataque desesperado. A ação tornou-se decisiva e foi uma luta de vida e morte.

"Armada de infinita munição, de granadas e outros artifícios de fogo, que disparados incessantemente entre a tempestade das cargas, alumiava a noite, atroavam ao ar, choviam raios sôbre que de dentro .... presumindo os escaladores que com estes aparatos de horror, sacudiriam dela, os nossos, e franqueariam os dificultares passos por onde insistiam em subir, e pretendiam ganhar".

A luta que se seguiu transformou-se em verdadeira carnificina, ante a pequena distância entre os contendores e o incessante bombardeio da tropa invasora. No auge da peleja, o bravo capitão Barbalho, arremeteu de surpresa sobre a retaguarda do inimigo, obrigando-os a retirar-se precipitadamente. Nassau dá ordem de matar a quem se retirar ou fugir; reúne-os mais uma vez e, de novo, lança-os ao ataque, impetuoso, decisivo; os defensores batem-se, duramente, em combate corpo-a-corpo, e vendo a vitória em suas mãos, redobram de furor e entusiasmo. Os holandeses recuam, retiram-se, acossados pelas companhias de emboscadas, com a desvantagem de à noite desconhecerem o terreno.

“...um espetáculo tão horrível aos olhos, como medonho aos ouvidos. Alguns andando baralhados caiam mesmo perigo de que se desviavam. Pelas bocas de fogo, fuzilava a luz da pólvora, alumiando mais ao horror, do que á vista, a noite acrescentava com o escuro a confusão.”

Ao raiar do dia, Nassau, já buscando se retirar, usou como pretexto, uma trégua para enterrar os mortos. Os brasileiros não se deram conta do dano que causaram aos holandeses, e da dimensão de sua vitória. E assim, concederam o armistício. Os holandeses tiveram mais de 500 mortos e 700 feridos graves, enquanto os defensores tiveram 200 mortos e 90 feridos graves. Também deixaram mais de 50 prisioneiros. Um dos nossos, registrou em seu diário:

"Contamos os seus mortos na ocasião de entregá-los - 237 homens da mais bela aparência entre quantos já tivemos ocasião de ver; davam a impressão de verdadeiros gigantes, e eram sem dúvida a fina flor da tropa holandesa".

Dentre os nossos, padeceram em batalha: Antônio Bezerra Monteiro, primo do Mestre de Campo, Luís Barbalho Bezerra; Duarte Lopez Ulhoa, filho de Diogo Lopez Ulhoa. O intrépido Sebastião de Souto, faleceu no dia seguinte, de um tiro de mosquete que levara no peito. Manuel de Figueiredo, Niculao de Araújo, João Vieira, Mathias de Abreu, Belchior do Valle, Pedro de Heredia, Manoel Ramalho, Diogo Figueira (morreu da ferida), o Mestre de Campo Francisco Gil de Araújo, 

O ataque holandês foi um desastre, e no silêncio da noite de 25, reembarcaram furtivamente. Os defensores da Bahia atacaram na madrugada, mas encontraram apenas a artilharia, munições e armas que não puderam levar, abandonando nas trincheiras que ocupava, 4 peças, de 24, muitas armas e instrumentos de sapa e toda a artilharia dos fortes de Montserrat e Santo Alberto que nos haviam tomado.

Nassau, o grande príncipe, tem de aceitar a derrota, com a perda de 2.000 dos seus, e de reduzir o despeito a crueldades inúteis sobre os indefesos habitantes do Recôncavo.

Assalto holandês aos engenhos no recôncavo, em sua retirada. Nassau apresou tantos escravos quanto conseguiu, como justificativa para a Companhia, que com esse botim, a expedição não tivera prejuízo. Famílias inteiras foram mortas, degoladas, em despeito da derrota sofrida.

André Vidal de Negreiros
Atacada ainda, pelo mesmo príncipe, a Bahia teria sido despojada, se ele não tivesse defrontado, ali, com aquele terrível pernambucano, Luiz Barbalho Bezerra, o invulnerável, assim chamado por que nunca fora ferido em batalha, que, baldo de recursos, tenazmente perseguido pelas melhores forças do holandês, bateu-as sempre, e escapou ileso, para espera-lo nas colinas da Bahia, e arrancar-lhe da boca o pedaço apetecido.  

O senado da Câmara da Bahia, “reconhecendo que, abaixo de Deus, a vitória se devia em grande parte às tropas pernambucanas, oferece-lhe o donativo de mil e duzentos cruzados”. Eram tropas fatigadíssimas, após retiradas penosas, sem que, nunca, se deixassem vencer; haviam perdido, até então, porque lhes faltava o grande general que domina a fortuna e sabe fazer valer o heroísmo; em vez disto, tinham tido a estratégia miúda de Matias, ou a hesitação quase covarde de Bagnuolo.

Pela primeira vez, uma cidade do Brasil conseguiu se defender, sem auxílio do Reino, de um ataque em larga escala. Se o resultado tivesse sido diferente, com uma vitória de Nassau, significaria a vitória da Holanda na guerra e certamente a perda de todo o Brasil. A Batalha de Salvador (1638), foi um ponto de virada da guerra, com ela, caiu o mito da invencibilidade holandesa, n'ela também começa a brilhar a estrela de Vidal de Negreiros que, com a morte do bravo e intrépido Sebastião Souto, lhe sucede o posto, igualando se não superando seu mestre e que será o grande artífice da definitiva expulsão dos holandeses do Brasil, a quem jurara limpar a terra brasileira desses hereges.  



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