segunda-feira, 9 de junho de 2025

Star Trek: Uma Utopia Comunista na Cultura Pop – Sob perspectiva castilhista


Star Trek foi originalmente um seriado de ficção científica produzido para a TV estadunidense, entre 1966 e 1969, auge da Guerra Fria, concebida por Gene Roddenberry. O seriado consolidou-se como um dos mais emblemáticos produtos de ficção do século XX, com sucessivas produções cinematográficas, projetando uma humanidade futura que transcende o capitalismo, o Estado-nação e os conflitos sociais. Entre os seus fãs e críticos, é recorrente a caracterização de tal sociedade como comunista. Em um artigo recente, "Star Trek, seriado comunista?" de Yánis Varoufákis, ex-ministro das Finanças da Grécia, no governo Tsipras, em 2015, pelo partido SYRIZA. Varoufákis retoma a temática, traçando paralelos, em que aponta Star Trek como uma referência de "comunismo libertário" diante de uma "esquerda moribunda". Oque Varoufákis chama de "comunismo libertário" é condizente com o "estágio comunista" pregado por Marx, e que converge com o anarquismo, diferenciando assim do "comunismo real" (rejeitado por ele). Nesse diapasão, aproveitamos para analisar, sob uma perspectiva castilhista,  tanto as posições esboçadas por Varoufákis em seu artigo, como o próprio comunismo, tendo como alegoria Star Trek, que oferece em dados momentos, tanto pontos de aproximação, quanto de divergência em relação à doutrina castilhista, que, embora republicana, racionalista e tecnocrática, está profundamente comprometida com o interesse nacional, a ordem social orgânica, e o desenvolvimento material e moral da nação dentro de um Estado forte.

Varoufákis destaca que a sociedade futura retratada em Star Trek aboliu o individualismo capitalista como princípio organizador da vida social. No lugar da competição, impera uma ética de cooperação coletiva, solidariedade e serviço ao bem comum. Os personagens da Frota Estelar não trabalham por lucro, status ou propriedade privada, mas são movidos por curiosidade científica, dever moral e um senso de missão civilizadora. 

O advento tecnológico — como os replicadores de matéria em Star Trek— eliminou a escassez de recursos, o que permitiu a construção de uma economia pós-mercado, onde o trabalho é voluntário e autônomo, mas sempre orientado ao coletivo. Isso se traduz em uma sociedade igualitária, autogerida, e sem exploração, em que os indivíduos se realizam ao contribuir livremente com os outros — um ideal que Varoufákis identifica como "comunismo libertário".

Ele argumenta que essa utopia é compatível com o “estágio final” do comunismo previsto por Marx, onde a abundância tecnológica permite superar a alienação do trabalho e a mediação estatal — convergindo, assim, com as premissas anarquistas de autogestão e abolição do Estado coercitivo.

Varoufákis admite que a Frota Estelar — braço da Federação dos Planetas Unidos — pode ser interpretada, à primeira vista, como uma potência imperialista, expansionista, com uma frota de naves, comandos hierárquicos e intervenções em planetas “primitivos”. Contudo, ele rejeita essa leitura simplista.

A Federação se apresenta como uma força de mediação e contenção do imperialismo real, representado por impérios como o Klingon e o Romulano. A chamada Primeira Diretriz, que proíbe interferência em civilizações menos desenvolvidas, seria um dispositivo ético anti-imperialista, mesmo que nem sempre seguido à risca pelos protagonistas.

Ferengi uma raça alienigena que emula uma sociedade liberal, oque sempre resulta em personalidades avaras.

Varoufákis interpreta a missão da Frota como uma versão cósmica do internacionalismo solidário, onde o conhecimento, a diplomacia e o respeito à autodeterminação prevalecem sobre a dominação ou conquista. Assim, a presença da Frota seria um reflexo das “boas intenções” de uma esquerda pós-nacional, cosmopolita e não-coercitiva, distinta tanto do imperialismo liberal quanto do expansionismo socialista do século XX.

A Diretriz Primeira, como um princípio de não-intervenção imperialista, pode ser interpretada como uma forma elevada de respeito à autodeterminação dos povos. O Castilhismo, embora centralizador internamente, é avesso ao imperialismo externo enquanto violação da soberania das nações. Nesse sentido, Star Trek oferece uma ficção em que o poder tecnológico não gera dominação, mas responsabilidade — uma ideia compatível com a racionalidade ética que permeia o Castilhismo.

A crítica ao imperialismo liberal-capitalista também encontra eco na denúncia castilhista do liberalismo econômico desorganizador, que enfraquece o Estado nacional e submete o destino do povo à especulação internacional.

Contudo, a supressão do Estado e do mercado é frontalmente oposta ao castilhismo. Para Júlio de Castilhos, o Estado é instrumento civilizador e condutor do progresso, sendo indispensável à ordenação social. A extinção do Estado, mesmo sob pretexto de liberdade, é um ideal anárquico aos olhos da tradição castilhista, que vê no Estado forte, técnico e nacionalizador o motor da história.

A proposta de um “comunismo libertário”, como sugerido no artigo, dissolve as hierarquias e funções que, no castilhismo, são organicamente necessárias ao funcionamento da sociedade. O trabalho voluntário, a ausência de propriedade e a abolição do dinheiro representam uma utopia desarrazoada, cujo risco maior seria a desorganização social e a perda de coesão nacional.

Na sociedade trekker, o indivíduo encontra sentido na contribuição livre para o bem comum: médicos cuidam sem remuneracão, cientistas pesquisam por curiosidade e oficiais exploram espaços sem expectativa de lucro. Para Varoufákis, isso reflete uma ética de serviço social voluntário, orientada por um ideal civilizatório e não por interesses privados ou utilitaristas. É nesse contexto que surge um sentido de dever que está na junção entre autonomia pessoal e responsabilidade coletiva — um “vocação moral” que promove o desenvolvimento humano e civilizatório.

Varoufákis cita um episódio de 1988, quando a USS Enterprise encontra uma nave terrestre enferrujada, com câmaras criogênicas contendo plutocratas humanos que pagaram fortunas para serem congelados e lançados ao espaço, na esperança de que alienígenas os curassem de suas doenças, mortais no século XX.

Após a tripulação da Enterprise descongelá-los e curá-los, um deles, Ralph Offenhouse, um empresário, exige contatar seus banqueiros e escritório de advocacia na Terra. O capitão Jean-Luc Picard então lhe conta que, nos trezentos anos que se passaram, muita coisa mudou:
— Picard: As pessoas não são mais obcecadas por acumular coisas. Eliminamos a fome, a carência e a necessidade de posses. Saímos da nossa infância.
— Offenhouse: Você não entendeu. Nunca foi sobre posses. É sobre poder.
— Picard: Poder para quê?
— Offenhouse: Para controlar sua vida, seu destino.
— Picard: Esse tipo de controle é uma ilusão.
— Offenhouse: Sério? Então por que estou aqui?
Então é relatado que o pai do capitão Benjamin Sisko, administra um restaurante em Nova Orleans, apenas por amar a expressão de gratidão nos rostos dos vizinhos que adoram sua comida – de graça, é claro, pois o dinheiro agora é obsoleto.

Também menciona a reação de Picard a Offenhouse que, ao saberem que seriam enviados de volta a Terra "essencialmente comunista", pergunta sombrio: “O que será de mim? Não há vestígio do meu dinheiro. Meu escritório se foi. O que farei? Como viverei? Qual é o desafio?” “O desafio, Sr. Offenhouse”, responde Picard encorajadoramente, “é melhorar a si mesmo, enriquecer a si mesmo. Aproveite!”.

O prazer seria central na versão comunista de Star Trek, que rejeita a noção de que escapar da lógica da acumulação exija que indivíduos se submetam a um coletivo.

A ideia de que o homem deve superar o egoísmo e o espírito de acumulação está presente no castilhismo como ética republicana: o cidadão deve agir em prol do bem comum. A valorização da melhoria pessoal, como no diálogo entre Picard e Offenhouse, ecoa a moralização racional do indivíduo, que é uma meta positiva dentro do castilhismo — desde que subordinada ao interesse nacional.

A noção de que a humanidade alcançará a plenitude com a abolição do dever, da autoridade e da hierarquia é inaceitável. O Castilhismo vê na disciplina, no dever e na ordem os fundamentos da sociedade civilizada. Uma sociedade de prazeres livres, ainda que tecnologicamente avançada, incorre na decadência moral, o que contradiz o ideal castilhista de elevação cívica e religiosa do povo.

A ênfase no individualismo criativo e livre de obrigações sociais concretas desconsidera a necessária função social do indivíduo, central no pensamento castilhista. Diferentemente do universo utópico de Star Trek, e dos anarquistas, no Castilhismo, a liberdade não é absoluta, mas funcional e vinculada ao destino da pátria.

O uso de tecnologia para a superação da miséria material é o ponto forte de confluência. O Castilhismo acredita na técnica como força civilizadora e na necessidade de difundir os meios do progresso material para o bem da coletividade. A analogia entre os replicadores de Star Trek e as máquinas libertadoras de Marx é aceitável se lida como símbolo do poder transformador da técnica — quando guiada por um Estado ético.

O elemento histórico da série, ao mostrar uma transição da barbárie (guetos, apartheid, guerras) para uma civilização racional e pacífica, alinha-se à ideia Castilhista de etapas da civilização, pelas quais o Brasil também deveria passar — saindo da miséria e da ignorância para um estágio superior de ordem, justiça social e soberania nacional.

E aqui, a verdade que os cripto-comunistas que se alcunham genericamente de "socialistas" costumam ocultar (não misturar socialistas não-marxistas, dos marxistas / comunistas). A série, bem como o próprio Varoufáski, e todos os demais autores comunistas e anarquistas, apresenta a eliminação do nacionalismo como passo essencial para o progresso. Eis a ruptura, irreconciliável, com o Castilhismo, que tem no nacionalismo orgânico a base espiritual e política da pátria. O nacionalismo castilhista não é chauvinismo expansionista, mas consciente no destino coletivo e na vontade do Estado. Abandoná-lo significaria dissolver o povo no universalismo estéril. Varoufákis, usa o seriado como uma metáfora, para evocar uma miragem, de modo a canalizar ideais, utópicos, mas, muitas vezes sinceros, de inocente-úteis contra o Nacionalismo. Único meio eficaz para enfrentar as oligarquias internacionais. E que por isso, autores anarquistas e comunistas (ou que se fingem ser) como Noam Chomsky, o próprio Varoufákis, dentre outros, que se prestam a agentes do imperialismo, são tolerados pelo establishment e mais das vezes incentivados, por que servem de armas contra o nacionalismo, o único real e verdadeiro inimigo do imperialismo internacional. 

A Federação de Star Trek, como descrita por Varoufakis, pode representar uma ficção tecnicamente sedutora e até eticamente inspiradora em certos aspectos (superação do imperialismo, abolição da miséria, racionalidade social). Porém, a ideologia subjacente é essencialmente anti-estatal, anti-nacional e individualista em excesso — características incompatíveis com o Castilhismo. 

Se Star Trek tem valor para a doutrina castilhista, ele está: Não no seu comunismo libertário, mas na sua imaginação de uma ordem racional e pacífica baseada na técnica; Não na abolição do nacionalismo, mas na crítica ao imperialismo capitalista, que mutila a autodeterminação dos povos; Não no hedonismo individualista, mas na possibilidade de formar cidadãos éticos, técnicos e solidários — guiados por uma autoridade racional. Portanto, o Castilhismo pode acolher o espírito racionalista e técnico da série, mas rejeita sua utopia libertária e antinacional. Star Trek, se lido com discernimento, pode servir como alegoria crítica — nunca como modelo político.


Artigos correlatos: