“Embora se reconheça a presença da influência positivista no Rio Grande do Sul, a importância da filosofia política daí resultante, isto é, o castilhismo, ainda não foi compreendida, com a amplitude que seria de desejar pelos estudiosos do pensamento político-social brasileiro. Entretanto, sem a referência da teoria e da prática castilhista nossa história republicana torna-se campo propício a simplificações de toda ordem, como por exemplo a tentativa de reduzir o Estado Novo a uma projeção do nazifascismo. Ainda mais: não se trata tão-somente da ascendência do autoritarismo, para que todos hoje chamam a atenção. O castilhismo não é uma simples defesa do autoritarismo. É uma doutrina de muito maior significação, coerentemente elaborada, que foi defendida e aperfeiçoada no Rio Grande do Sul ao longo dos quatro primeiros decênios da República e, a seguir, transplantada para o plano nacional por Getúlio Vargas". (Paim, pág. 86).
Trataremos nesse texto sobre o Castilhismo como doutrina política que norteará os futuros desdobramentos da doutrina e especialmente Getúlio Vargas que viveu durante 35 anos de sua vida sob a vigência da Constituição "Castilhista"(tendo inclusive governado com ela), promulgada em 14 de julho de 1891, e que vigorou durante 4(quatro) décadas. A filosofia castilhista moldará toda sua formação, tanto moral quanto política.
O castilhismo era refratário ao sistema representativo, especialmente o parlamentar, que propiciava a "preservação de sórdidos interesses materiais", contrário portanto a "imaculada pureza de intenções"(desinteresse material), que deveria nortear o espírito público. Pois só assim poderia o dirigente da sociedade adquirir a capacidade para perceber, cientificamente, qual é o sentido da racionalidade social, que se revela unicamente perante as mentes livres dos interesses particularistas na busca do bem público. Artur Ferreira Filho sintetizou a concepção castilhista da República como Regime da virtude [Para Júlio de Castilhos]:
"...a República era o reino da virtude. somente os puros, os desambiciosos, os impregnados de espírito público deveriam exercer funções de governo. No seu conceito, a política jamais poderia constituir uma profissão ou um meio de vida, mas um meio de prestar serviços à coletividade, mesmo com prejuízo dos interesses individuais. Aquele que se servisse da política para seu bem estar pessoal, ou para aumentar sua fortuna, seria desde logo indigno de exercê-la. em igual culpa, no conceito castilhista, incorreria o político que usasse das posições como se usasse de um bem de família... Como governante, Júlio de Castilhos imprimiu na administração rio-grandense um traço tão fundo de austeridade que, apesar de tudo, ainda não desapareceu.".
Assim, na constituição Castilhista de 1891, o poder legislativo era por assim dizer simbólico, tendo como única função votar o orçamento e fiscalizar o Executivo. A assembléia se quer tinha poder para elaborar ou propor emenda, sô o Executivo detinha essa atribuição. Em outras palavras o Executivo concentrava as funções legislativas e administrativas. Dessa forma o Presidente teria isenção suficiente para governar em prol do bem público sem ficar refém da assembléia, historicamente um órgão representante da oligarquia privilegiada pelo sistema representativo.
O bem público confunde-se, para o castilhismo, com a imposição, por parte do governante esclarecido, de um governo moralizante, que fortaleça o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais e que zele pela progressiva educação cívica dos cidadãos, moralizadora do povo buscando educar o povo para fortalecer o Estado. Devendo por conseguinte, os poderes oficiais devolver à sociedade serviços úteis a tônica das contribuições a que são obrigados os cidadãos. Em outras palavras, o bem público fundamenta-se na completa reorganização política e administrativa do Estado, à luz do princípio "conservar melhorando", como também na prosperidade material do Estado (obras públicas, desenvolvimento industrial, estabilidade de crédito do governo, amortização da dívida pública, poupança estadual, etc.).
A fim de conseguir a moralização da sociedade, o governante deve exercer a tutela social, para que se amolde à procura do bem público. Como a incorporação do proletariado sob a tutela do Estado. O caráter tutelar e hegemônico do Estado castilhista leva a rejeitar todo tipo de governo representativo tido assim como algo essencialmente anárquico.
O castilhismo valorizava enfaticamente os processos democráticos diretos, como os empregados na antiga Grécia e Roma, consideradas superiores a "democracia" representativa da idade moderna. O plebiscito seria a forma ideal de consulta popular, exercido a nível municipal.
Borges de Medeiros dedicou especial ênfase à valorização dos municípios na política do Estado, aponto de sustentar que:
"...cada município é a escola primária da democracia, onde nascem e vivem os elementos geradores dos movimentos sociais e políticos".
O meio para assegurar a direção do Estado como uma tarefa científica, que não deveria ser exercida senão por homens superiores e de firme orientação sociológica e assim resguardar o regime das ambições e das tendências individualistas, seria através do Partido. Que serviria de filtro e escola de formação para aqueles que viessem a ocupar a Presidência do Estado. E só assim, quando uma personalidade esclarecida pela ciência social assume o governo, pode transformar o caráter de uma sociedade que levou séculos para constituir-se. Tal como se operou na indicação da Presidência do Estado de Júlio de Castilhos a Borges de Medeiros e deste a Getúlio Vargas. Borges de Medeiros elenca os motivos pelo qual indicou o nome de Getúlio como seu sucessor:
“... A primeira cogitação, que nos deve preocupar é a de assegurar a necessária continuidade política e administrativa, que tem sido a mais notável característica do governo rio-grandense e que é, porventura, a mais sólida garantia de ordem e progresso. Mas a satisfação dessa necessidade orgânica exige da parte dos governantes o preenchimento de requesitos especiais, que se podem consubstanciar nos seguintes pontos: 1º o perfeito conhecimento teórico e prático do regime constitucional, cuja conservação deve ser artigo de fé inviolável... ; 2º a completa subordinação às normas e disciplina do Partido Republicano, cuja organização está indentificada com o p´roprio Estado, a ponto de não conceber-se a vida normal de um sem o apoio do outro; 3º a comprovada competência jurídica, indispensável ao exercício regular da prerrogativa presidencial de legislar sobre o direito judiciário em geral e sobre os serviços imanentes ao Estado; 4º a capacidade administrativa revelada no exercício de funções públicas federais, estaduais, e municipais... ; 5º as qualidades práticas de atividade, firmeza, prudência e energia... ; 6º a incorruptível moralidade privada e pública, assim como o prestígio individual... . Sem injustiças às virtudes e merecimento de outros, pareceme que os Drs. Getúlio Vargas e João Neves se destacaram, entre seus pares, como os que melhor satisfazem as condições, intrínsecas e extrínsecas, que a investidura governamental requer no atual momento...”.
A continuidade política e administrativa que se reporta Borges de Medeiros, tratava-se da reeleição ilimitada consagrada no artigo 9º da Constituição Castilhista de 1891 que condicionava a reeleição ao quorum qualificado de ¾ dos eleitores que efetivamente votassem nas eleições para Presidente do Estado. A continuidade administrativa era justificada como um postulado moral, porquanto alicerça o Estado moralizador e conduz ao desinteresses dos governantes. Como salienta Borges de Medeiros em telegrama a João Simplício, quando da insurreição de 1923:
"...Sinto insuperável inibição abolir dispositivo constitucional relativo reeleições.... A reeleição é um dos pivôs do nosso sistema constitucional e a melhor garantia de ordem pública e de continuidade administrativa.".
Getúlio Vargas quando representante da bancada gaúcha na Câmara fez a seguinte defesa da Constituição Castilhista, acusada de ser anti-democrática em 20 de outubro de 1925:
"... O Estado do Extremo sul, guiado pelo seu grande organizador, um político norteado pelo rígido critério de um filósofo, com intuições de sociólogo [referência a Júlio de Castilhos], ergueu dentro do sistema da Constituição Federal, um regime institucional em que admiravelmente se consorciam a autoridade com a liberdade. Melhor compreendendo a natureza do regime presidencial, instituiu um poder executivo forte, facultando-lhe, sem receio, consagrar e manter as mais amplas franquias liberais, ampliando, senão na letra pelo menos na sua exata interpretação, as que foram prometidas na Constituição da República. A par disso, a continuidade administrativa , um critério firme e seguro, normas, processos, praxes de publicidade ampla, de probidade, de simplicidade e de clareza formaram costume, criaram hábitos sulcando aspectos característicos na sua vida pública".
Em 21 de outubro de 1925, Getúlio volta a tribuna, pronunciando:
"Lá [no Rio Grande do Sul] o Presidente do Estado propõe a lei que toma a forma plebiscitária, com a publicidade ampla, a colaboração direta do povo na apresentação de emendas e referendum dos Conselhos Municipais. São os imperativos categóricos da ordem social, impondo-se como necessidades iniludíveis, e vencendo as frágeis barreiras erguidas por preconceitos teóricos em equilíbrio instável, no trapézio mirífico da divisão de poderes..."
O cientificismo castilhista se assenta assim sob três idéias básicas: 1. o primado da ciência na consolidação do Estado e na concentração das funções legislativas e de governo no Executivo, 2. a centralização do poder econômico e político no Estado; 3. a tutela moralizadora e racionalizadora do Estado forte sobre a sociedade e a emergência da continuidade administrativa.
Durante mais de três décadas, o castilhismo testou com sucesso, a consulta plebiscitária. Eliminando dessa forma a influência perniciosa dos representantes oligárquicos reunidos na assembléia legislativa. Estabelecendo uma relação direta entre cidadãos e governante, propiciando assim isenção para o Executivo governar em favor do bem comum.
Vargas, desde sua mocidade integrante ativo da Juventude Castilhista se reportará nesses termos sob seu legado:
"... O Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto da tumba do condor altaneiro que pairava nos píncaros da glória. Júlio de Castilhos para o Rio Grande é um santo. É santo porque é puro, é puro porque é grande, é grande porque é sábio, é sábio porque, quando o Brasil inteiro se debate na noite trevosa da dúvida e da incerteza, quando outros Estados cobertos de andrajos, com as finanças desmanteladas, batem às portas da bancarrota, o Rio Grande é o timoneiro da Pátria, é o santelmo brilhante espargindo luz para o futuro. Tudo isso devemos ao cérebro genial desse homem. Os seus correligionários devem-lhe a orientação política; seus coetâneos o exemplo de perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe o exemplo de pureza e honradez de caráter.".
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