quinta-feira, 6 de junho de 2019

1139 - O Surgimento do Estado Nacional


Alguns marxistas e mesmo liberais, pretendem fazer crer que o surgimento dos Estados Nacionais seriam frutos das revoluções burguesas ou mesmo "iluministas" ocorridas no Séc. XVIII. Oque é um completo absurdo! Basta mencionar, que a obra de Niccolo Machiavelli, "Il Principe", que trata sobre a formação dos Estados Nacionais, data de 1532! Muito anterior, portanto, ao que se denominou de "iluminismo" ou mesmo de qualquer 'revolução liberal' posterior. E uma obra, política, de natureza empírica como 'O Príncipe', é sempre posterior aos eventos históricos já sedimentados que lhe servem de subsídio. Nela, Maquiavel lamenta a situação da Itália, ainda fragmentada em dezenas de pequenas Cidades-Estados, em contraste a outros Estados, já unificados.... nacionais! Como eram exemplos Portugal, Espanha, França, etc... e que por essa razão, explica a miserável situação italiana, subjugada por potencias externas, clamando por um Rei capaz de a unificar e a libertar do julgo estrangeiro. 

Portugal é a formação política mais prodigiosa do Ocidente.  Nos deu o primeiro exemplo da monarquia administrativa, e fez valer o direito da coletividade, representada na dinastia, contra as pretensões da aristocracia (ação de João das Regras). 

A formação de Portugal se caracteriza por uma precocidade política tal, que o pequeno reino nos aparece como a primeira nação completa, na Europa já no século XIV. E não por acaso, suas fronteiras são as mais antigas de toda a Europa. Tudo mais ainda está em turbações e dificuldades de gestação, quando o Aviz já conduzia o Estado de uma nação inteiramente organizada na sua vida política. A ambição de um príncipe, explorando as tendências surdas das populações, guiando-lhes a vitalidade portentosa, pode fazer de metade da Galiza, com os remanescentes de lusitanos, e um rebotalho de sarracenos, a mais perfeita unidade nacional em manifestação ativa sobre o mundo de então, onde, conselhos e nobreza querem, solidariamente, a unidade nacional que lhes é revelada.

Espada de Afonso Henriques
Quando os portugueses batem os castelhanos nos campos de Ouriques, a pátria francesa ainda é frangalho inconsistente, irreconhecível, nas míseras campanhas que são Poitiers, Azincourt, Abranches... O reino dos Avizes prossegue a sua gloriosa ascensão – domínios, poder, riqueza, prestígio... e a futura grande França ainda espera Colbert e Turenne, para ser contada entre as grandes potências. A fortuna de Portugal já produzira os delirantes desatinos de D. Sebastião, quando o reino governado por Richelieu se apresenta naquele estado de que nos dá conta Voltaire: “...enquanto os portugueses descobriam mundos a Leste e a Oeste, fazíamos torneios... o erário real era de 85 milhões de francos... Ao subir para o trono, Luiz XIII não tinha um navio, sequer... Paris não possuía quatro belos edifícios para decorar-se... as outras cidades do reino assemelhavam-se a esses burgos de para lá do Loire... A nação francesa mergulhada na ignorância, sem exceção dos que se consideravam não ser povo”. E, desabusado, o grande francês fecha o quadro em que se amesquinhava a sua pátria – ignorância, ociosidade, desordem... “le peuple croupissant dans sa misère...”.

Em contraste com o resto da Espanha, Portugal afirma a sua unidade nacional, e a impõe definitivamente em Aljubarrota. Já rastreiam nas consciências novos intuitos patrióticos, e, tão depressa domina os fados dispersivos da Ibéria, parte Portugal para outros destinos: dominar o oceano, que ainda isola os núcleos humanos, e integralizar a humanidade na posse do planeta. Com, isto, o povo português patenteou vitalidade, gênio político e capacidade de socialização, acima de qualquer das outras nações do momento, e, num maravilhoso ímpeto político, elevou-se na ambiência civilizada em que vivia.


O grande esforço político dos Estados dominantes na Europa medieval consistiu em exercer o Império; mas nenhum deles foi além do absurdo – de pretenderem refazer, fora de Roma e fora de tempo, o Império Romano. Portugal, sim, achou a fórmula do Império possível no mundo moderno. Fernando, ao realizar a unidade de Espanha, ainda trata o reino como propriedade sua; quase um século antes, o Mestre de Aviz é caracterizadamente o rei de uma nação. É no tempo em que a maior parte da França ainda se considera feudo do príncipe normando. Carlos V, apesar da sua época, não sabe compreender os extensos domínios, sem entrar na farandolagem de um arcaico Santo Império, Portugal, esse, teve a concepção de um Império em exploração ultramarina; esboçou-o, lançou-lhe os alicerces, e tê-lo-ia realizado, se não se corrompesse pela grandeza mesma a que se elevara. Decaiu; outros o imitaram, ao mesmo tempo que o espoliavam, e coube à Inglaterra o papel de alcançar, em plenitude de efeitos, os bons proventos de um tal Império, antevisto e preparado pelo gênio português. Sim: daí, deriva toda a exploração do mundo pela Europa. Novas finanças para a nação, cooperação do Estado em grandes empresas de comércio, intuição do novo espírito em economia, reabilitação e nobilitação da mercancia, feitorias para a exploração proveitosa de regiões afastadas... tudo isto vem de Portugal, projetado sobre os mares. 

No despontar da Renascença, a ousadia, o estímulo guerreiro faziam parte da vida comum, na Europa; não é, pois, a simples coragem que faltava aos outros, em cotejo com Portugal. Era a confiança ativa – a instintiva convicção de que a vontade tem sempre razão. E tanto que, para eles, não havia derrota definitiva. Sobrevém o desastre máximo de Tânger, com o mísero cativeiro do Infante: o ânimo português recolhe-se para ganhar forças, volta o infeliz ao martírio, guarda Ceuta, e acaba tomando a cidade cobiçada.  

Pequena fração, apenas, de uma Espanha turva, a Lusitânia, refeita em Portugal, afirma-se na continuidade da ação heroica, com efeitos gerais de que só temos similar no fulgor do pensamento Grego, ou na expansão do Romano. Nem há, nos fastos da humanidade, nada mais importante para a plenitude dos seus destinos. É realização imediata, e é escola. Pela primeira vez, na história, vemos um efeito universal realizado como programa e fim conscientes: a exploração dos mares, no proveito de uma nação. Foi o fado definitivo, a que o povo português se entregou, sob o influxo de um profeta da ação – o obstinado anacoreta de Sagres, cuja política reflete bem a alma do português daqueles dias: misticismo sem sonho, mercancia em heroísmo turvo e pertinaz. O instinto rapace do Ocidente, iluminado nos motivos de fé, gerara a formidável reivindicação dos Cruzados; Portugal, elevando tais instintos à política lúcida e conseguinte, teve a força de transmutar o multissecular movimento das Cruzadas em campanha nacional, e deu o golpe definitivo no Muçulmano. Sim: foram os portugueses os primeiros a sair da Europa – para atacar o sarraceno, lá mesmo nos seus redutos. E realizou-se, assim, a reação eficaz. Então, nessa conquista do Norte da África, se patenteou a qualidade do heroísmo português. É um testemunho completo e irrecusável: nada havia para a façanha projetada, a não ser a energia nacional. Houve que fazer tudo – marinheiros, navios, dinheiro... e a pertinaz energia deu para tudo. Nem o flagelo da peste pôde contra ela: “Morreu tanta gente em Lisboa que a cidade se vestiu de luto, e a esquadra teve de partir coberta de crepe”... Mas partiu! Nela ia um Ayres Gonçalves de Figueiredo, aos noventa anos de idade, sempre forte, na sua armadura de guerreiro. Dois séculos depois, encontraremos em Pernambuco Duarte Gomes, brasileiro, soldado aos oitenta anos, para combater o holandês invasor... Dez anos antes de Ceuta, não se conhecia no mundo marinha portuguesa; em 445, lá vão, para essa primeira conquista da África, 36 navios armados. Sobreveio, depois, o gravíssimo desastre de Tânger; mas persiste a necessidade íntima de expansão, e Portugal, que deve realizar o seu plano, mantém Ceuta, refaz as forças, e, em 471, volta ao reduto do sarraceno com 474 velas e Ceuta, Tânger... são apenas realizações imediatas muito limitadas, para uma ambição que teve de criar novas formas de expansão e de poder. No triunfar sobre Castela, a nação portuguesa sentiu-se capaz de mais largas vitórias, em vastas conquistas; havia excesso de força vital, e ela, a nação, transborda para o mar. Então o Oceano como que desvirtuou a tradição do Portugal primitivo. Atraído para a carreira que o porto de Lisboa lhe oferecia, a nação esqueceu a sua posição continental, e a própria história: desistiu de incorporar o resto de Galiza, quebrou a tradição europeia das conquistas de terras imediatas, e compreendeu noutros intuitos a sua situação geográfica. Portugal considerou-se, exclusivamente, litorâneo, e incluiu a visão do mar numa ambição lúcida e definitiva – ir por ali à Índia, e arrancar ao sarraceno e à Veneza o comércio que faziam. De caminho, o Português teve que fazer do Atlântico desconhecido o seu domínio. Assim, foi ele o primeiro a organizar a nação como realização de uma ideia, com a intuição da vida moderna – mercantilismo, valor das finanças, industrialismo... e soube aproveitar as possibilidades da grande navegação, donde o normando, mais ousado, talvez, nada pôde tirar. Dez séculos de grandeza e prosperidade, um poder incontrastável no Mediterrâneo, não bastam para garantir Veneza contra Portugal, que lhe arrebata o comércio...

Ora, Portugal foi a nação em que primeiro se revelou esse espírito moderno. Abrindo o Atlântico, iniciando a era das grandes navegações e descobertas, o pequeno reino abriu, de fato, a era moderna, cujo estímulo essencial foi a necessidade de expansão dos povos europeus. O processo inicial, nessa expansão, tinha que ser o desdobramento das relações comerciais, a criação de novos caminhos e de novos regimes de tratos. Tal o papel do pequeno povo: projetando-se sobre o Atlântico, suplantando venezianos e sarracenos traficantes de cabotagem, e, com isto, distendendo a Europa. Desaparecido o império romano, o mundo civilizado se disseminara, e a nova aproximação dos povos foi determinada e conduzida inicialmente pelo pequeno reino: “As comunicações diretas, estabelecidas por Portugal com a Índia, amesquinharam Veneza e Gênova, e, com elas, toda a centralização árabe. A abertura do Oceano como grande caminho (obra portuguesa) precipitou a Reforma e criou Anvers”. Esta é conclusão de um anglo-saxônico, num estudo desapaixonado, quando acompanha as diversas fases da centralização de capitais na Europa; e é a verdade, porque, no esforço do português, cria-se o novo imperialismo, a que a Europa teve de moldar-se, abandonando, indiferente, ou hostil, as serôdias tentativas de reconstruir o Império Romano. 

Despeitos patrióticos procuraram deixar tudo isto no silêncio, e, nós mesmos, buscando as forças de origem, quase esquecemos que rompemos para a vida nos restos da ação com que Portugal abriu a era da Renascença. No justo orgulho de espanhol, brada Blasco Ibañez a sua reivindicação: “El Renacimiento fué mas español que italiano. En Italia renacieron las bellas letras... pero no todo el Renacimiento fué literario. El Renacimiento representa el surgir à la vida de una sociedad nueva, con cultivos, industrias, ejércitos...” Ibañez, como ibérico, tem razão; mas os seus alegados se fazem em puras abstrações. Se ele houvera concretizado argumentos, a ação dos portugueses seria a apontada como o muito com que a Ibéria concorreu para a era moderna. A Renascença pura, a só manifestação literária, nada significaria, se não fora o complemento necessário, a expressão simbólica e fulgurante do surto em que o espírito humano se refez, para que a sociedade ocidental se reconstituísse, em todas as suas manifestações e atividades: comércio, indústria, ciência e filosofia... 

No Brasil, essa portentosa capacidade política dos portugueses manifesta-se neste milagre: mal se reconheceram, as populações coloniais aqui plantadas tiveram consciência da sua própria existência, unidas no vínculo de uma nova pátria, esse Brasil – o Estado do Brasil, de que já se fala antes de oitenta anos de colonização, quando em 1579, o então rei de Espanha, Felipe II, oferece a coroa do Brasil, já visto como nação digna de ser sede da monarquia portuguesa, ao duque de Bragança Prior do Crato, pretendente ao trono português, em troca do reconhecimento dos seus direitos ao trono de Portugal. 





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