domingo, 30 de agosto de 2009

Uma Grécia nas Ribeiras do Atlântico Sul - As Tradições Republicanas do Brasil.

O Brasil de todos os países americanos é aquele que carrega consigo as mais longínguas e fortes tradições republicanas, anterior mesmo, a formação das 13 Colônias Americanas que formou os Estados Unidos da América.

Diogo Lopes de Santiago, cronista que viveu em Pernambuco e presenciou in loco as Batalhas dos Guararapes publicou entre 1661 e 1675 sua obra: História da Guerra de Pernambuco, registrando que: “[....] Passado o primeiro momento de entusiasmo, os reinóis quiseram reassumir a sua atitude de superioridade e proteção. Data daí a irreparável e irreprimível separação entre pernambucanos e portugueses.[....].”

Na interpretação de Evaldo Cabral de Mello, passou a ser doutrina entre os pernambucanos, ao longo dos séculos que se sucederam, o entendimento de que "a gente da terra deveria à Coroa não a vassalagem natural a que estariam obrigados os habitantes do Reino e os demais povoadores da América Portuguesa, mas uma vassalagem de cunho contratual, de vez que restaurada a capitania, haviam-na espontaneamente restituído a soberania portuguesa".

Este ideário se fez presente no movimento de 1710, quando pela primeira vez a "nobreza da terra" veio propor um contrato social entre os habitantes de Pernambuco e a Coroa Portuguesa; Segundo o discurso da chamada "nobreza de Olinda", nos anos que vieram anteceder a chamada Guerra dos Mascates (1710), a restauração fora conquistada "à custa do nosso sangue, vida e fazendas" sendo Pernambuco, juntamente com as demais capitanias ocupadas pelo Domínio Holandês, entregue ao Rei de Portugal debaixo de certas condições. Onde esta devia ao soberano não a vassalagem natural, como a deviam os demais moradores do Brasil, mas uma vassalagem política. Sendo assim os capítulos apresentados ao Bispo [1710] exprimiam essas idéias e reivindicavam para Pernambuco o direito de estabelecer condições para o seu governo.
Olinda, 1640

Fato visto pelo Conselheiro Antônio Rodrigues da Costa, do Conselho Ultramarino órgão de consulta em questões de administração dos domínios do ultramar como "um caso de sublevação formal e abominável, de que não há exemplo na Nação Portuguesa, sempre fiel e obediente aos seus legítimos Príncipes". Quando Bernardo Vieira de Melo, na histórica reunião no Senado da Câmara de Olinda, pela primeira vez desde a iniciatura do Mundo Novo, conclama a se libertarem do jugo português e declara, solenemente, a independência do Brasil, manifestando-se pela instituição de um governo organizado em colegiado nos moldes aristocráticos dos Estados republicanos da Holanda e Veneza, - "pois, só assim ficariam livres dos riscos por que acabavam de passar". Independência e República no mesmo discurso, nada mais nada menos é o que se estabelece nessa memorável assembléia.

Ao sul nos campos de São Paulo de Piratininga em 1695 François Froger, um engenheiro francês publicou uma pequena narrativa de viagem intitulada “Relation d’un Voyage Fait en 1695,1696 &1697 aux Côtes d’Afrique, Détroit de Magellan, Brésil, Cayenne et Isles Antilles”, em que registra:

“A cidade de São Paulo, localizada a dez léguas do litoral, foi formada a partir da união de salteadores de todas as nações, os quais, pouco a pouco, formaram uma espécie de república onde, por lei, não se reconhece um governador. Nessa república, circundada por altas montanhas, não se pode nem entrar nem sair senão por um pequeno desfiladeiro. [...] Segundo dizem os habitantes locais, eles não são súditos do Rei, mas sim tributários; situação que lhes permite livrarem-se desse jugo quando a ocasião for propícia.”


Pouco tempo depois de Froger, um espanhol de nome Francisco Coreal (Correal) publicou um livro em Amsterdã intitulado “Voyages de Jean François Coreal aux Indes Occidentales” (1722) em que registra suas impressões a mais extensa e detalhada descrição de São Paulo de que se tem conhecimento. Enfatizando como seu antecessor esse modus republicanus dos paulistas:
“A cidade de São Paulo, situada no interior da capitania de São Vicente, é governada de uma maneira tão singular, que não posso deixar de referir. A urbe, distante mais de 12 léguas do mar e situada no meio de montanhas de difícil acesso - cobertas pela extensa e cerrada floresta de Paranapiacaba, é uma espécie de república originariamente composta por toda casta de gente sem fé nem lei, obrigada pela necessidade de conservação a adotar uma certa forma de governo. [....] os habitantes se dizem agora livres e não sujeitos à autoridade portuguesa. Eles limitam-se a pagar, anualmente, à coroa, como tributo, o quinto do ouro que extraem de suas terras -esse tributo atinge a cifra de 800 marcos. Foi a tirania dos governadores que deu origem a esta pequena república, uma república tão ciosa de sua independência que não permite a entrada de nenhum forasteiro em seus domínios, e sua gente, ao pagar o referido tributo, tem o cuidado de frisar que não o faz nem por submissão ao rei de Portugal, nem por medo e nem tampouco por obrigação”.

E por isso, Bomfim, sentencia:

“[....] verifica-se que, justamente um século antes das luta que se converteu em reivindicação nacional, justamente nos dois centros de formação brasileira, se desencadearam, ao mesmo tempo, lutas explicitamente nacionalistas: por parte dos paulistas que, brasilicamente, designavam os portugueses como forasteiros; por parte dos pernambucanos que, desdenhosamente, nomeavam os reinós de mercantis – mascates, e chegaram a falar em independência.... Admita-se no entanto, que tais lutas ainda não sejam esforços para independência: é inegável que nos fins do Séc XVIII, com os companheiros de Tiradentes, há uma explícita reivindicação de emancipação nacional. Notemos ainda, que em todos esses movimentos, a forma esboçada política é a da República. E assim se forma a nossa tradição de autonomia nacional.”

Antes Felipe dos Santos na Revolta de Vila Rica já houvera sido preso em plena pregação republicana e por isso morto. Segue-se um histórico de revoluções e insurreições como de 1817, a Confederação do Equador, Revolução Farroupilha, a Cabanagem, a Balaiada, a Conjuração Bahiana e a Sabinada, Revolução Praieira.... todas de caráter republicano.

Como atesta Manoel Bomfim sobre o ideário que movia os brasileiros:

“Em política, são, em grande parte, republicanos, rebeldes ao Rei, quase sempre de nojo pelo que o reino lhes envia. Liberais, em vez de reacionários, ei-los, nos – Calvalcanti, Suassuna, Maranhão, Melo, Albuquerque.... perseguidos, presos, ou justiçados, pelo crime de serem republicanos brasileiros.”

Como explicar não termos tido, desde logo, forma republicana-democrata, quando a tiveram os castelhanos, mais monárquicos do que nós?

Explica Manoel Bomfim:

“Abatido o poder de Napoleão, ficou a Grã-bretanha inteiramente livre para ação ultramarina. Os Estados Unidos ainda não tinham o prestígio para ser um a oposição apreciável às suas manobras. Pois bem, a política inglesa se exerceu em sentido absolutamente oposto para com o Brasil e para as antigas colônias espanholas; e isto influiu no desenvolvimento da nossa independência, não só para retardá-la, como, principalmente, para a forma que lhe foi dada(Monarquia). Aliada tutora de Portugal, interessada em conservar para ele o máximo de proventos, e de apóia-lo cuidadosamente(pois conservava para si mesma, e apoiava seus próprios interesses), a Grã-Bretanha nunca deixou que o Brasil tivesse ilusões a esse respeito: Portugal, seu tutelado, podia sempre contar com ela para manter o domínio sobre o Brasil, mesmo porque, dada a sua velha rivalidade com a Espanha, era o Brasil a colônia que se oferecia para toda a sua atividade.
Ao Brasil dizia o inglês: - Não deixarás de ser português... e aos outros neo-ibéricos: Serão todos independentes, para que a Espanha não tenha mais colônias nesse continente."

Esta explicado, pois, por que, apesar das tradições patentes, não tivemos, desde logo forma republicana-democrata de início. O México chegou a fundar dinastia própria, a fim de satisfazer seu intuito. Pelo resto das outras: San Martin era sabidamente pela monarquia, de acordo com os do Chile, a quem ele tanto ajudara. O tão citado Garcia Calderon enumera os muitos chefes revolucionários monarquistas: “partidários das monarquia foram também Flores, Monteagudo, Sucre, Garcia del Rio, Riva-Aguero, o diretor argentino Posadas, o decano Funes, os colombianos Marino, Mosquera, Brinceno Mendez.... Bolívar queria para a América Espanhola monarquias constitucionais, com príncipes estrangeiros”. Finalmente, prevaleceu por toda aquela América a República. [...] A Inglaterra, ostensivamente, impôs que as colônias da Espanha não tivessem monarquias.

Garcia Calderon garante que Miranda obteve de Pitt “proteção para dirigir expedições contra as autoridades das Venezuela”. Adiante ele é mais concreto: “A independência das América se fez graças ao dinheiro inglês. Canning encorajou os revolucionários, e os banqueiros anglo-saxônicos davam-lhes o seu apoio sob a forma de adiantamentos aos novos governos”.”

Quando foi chegado o momento da Proclamação da República, os positivistas foram escamoteados do poder, o projeto constituinte de Miguel Lemos e Teixeira Mendes fora rejeitado na Assembléia Constituinte, somente alguns pontos foram incorporados ao texto constitucional. Contudo, se no plano nacional o projeto liberal-latifundiário representado pelos cafeicultores consegue se impor no Rio Grande do Sul, no entanto, Júlio de Castilhos conseguirá implantar em sua plenitude os ideais positivistas, arrebatando o controle político dos liberais-latifundiários para uma nova e florescente base social industrial na qual Castilhos se sustentará para implementar a modernização do Rio Grande, tornado-o a segunda maior economia do país e o Estado mais alfabetizado do Brasil. (Vê resenha “A Obra e Legado de Castilhos Sobre Ataque Neoliberal”)

É mister retomarmos nossas tradições republicanas renovadas em institutos mais democráticos. Refundar nossas instiuições políticas na solidez de um governo verdadeiramente do povo e para o povo porque só ele lhe empresta legitimidade e vitalidade suficientes para enfrentar os percalços do caminho, mais que conduzem inexoravelmente a uma pátria justa e próspera que deveremos legar aos nossos filhos.

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