Os
jesuítas, que eram os melhores cronistas da época, adversários tradicionais dos
paulistas, fizeram para estes uma reputação em que só não lhes é negada, dentre
boas qualidades, a coragem. Para este caso — Guaíra, em que eles, jesuítas
foram os feridos, a história é contada de modo a que se faça desses
brasileiros o pior conceito. Deles advém quase todas as injúrias contra os
paulistas. Como bem afirma Belmonte:
"fiam-se excessivamente na documentação dos missionários hespanhoes - parte interessadíssima na secular contenda entre as duas forças que se chocaram, vezes sem conta, nas terras bárbaras do novo mundo."
Belmonte
que não cala verdades continua: “Tudo isso é symptomatico e quem quer que saiba
lêr nas entrelinhas, se convencerá de que as famigeradas
"atrocidades" dos paulistas não foram tantas nem tamanhas como
pretendem. Tanto isso é provavel que, muitas vezes, os indios das reducções
adheriam logo aos invasores: "los yndios reducidos se dan la mano con los
que entram por el ytatin". Numa "Real Cedula" dirigida ao
vice-rei do Peru', marquez de Mansera, narrando occorrencias no Sul, confessava
a Côrte que os paulistas tinham se apoderado de tudo, porque "todos,
indios e residentes, tinham-se juntado aos invasores, davam-lhes informações e
os guiavam a outras villas e reducções".
A
verdade é que os jesuítas, seus inimigos declarados, sempre carregavam na tinta
quando se referiam aos paulistas. Vejam o caso do bispo de Olinda, Dom
Francisco de Lima, que ao se reportar a Domingo Jorge Velho, o descreve como
"o maior selvagem com quem já havia topado" e que fora preciso um
intérprete para se comunicar. No entanto, como sabemos, Jorge Velho falava e
escrevia em português.
Também
muito concorreu a política da metrópole depois de descobertas as minas. E com o
tempo, a poeira das calúnias foi cobrindo os feitos desses brasileiros,
sujando-lhes a reputação de todos os doestos dos seus irredutíveis inimigos.
Criadores
de caminhos, obra essencialmente civilizadora, esses bandeirantes conduzem o
Brasil para uma autonomia indestrutível, que é a de quem, por si mesmo, por si
só, adquiriu a terra em que se estabeleceu. É por tudo isso que o nome deles se
tomou distinto, como os dos pernambucanos, e de valor internacional. Todos que
conhecem e tratam de coisas sul-americanas, mencionam o povo valente, e
intransigente na sua autonomia, esses paulistas que, ainda nas cortes
portuguesas de 1820, são nominalmente referidos como efeito de irritante pavor
para aqueles que, então, pensavam reduzir-nos à simples condição de colônia.
Paulo
Prado, antes de lembrar que, durante dois séculos, os inventários paulistas
repetiam a lúgubre glorificação "morto no sertão", acentua o
apavorado ódio do jesuíta contra os mamelucos de Piratininga.
O
aviltamento chega a tal ponto, que reduzem as ações dos paulistas a meros
preadores de índios. Se os levasse, aos paulistas, o único e sórdido interesse
de cativar índios, como se explicam as outras expedições, como as de 1676 e
1691, contra Vila Rica do Espírito Santo e contra Santa Cruz de la Sierra,
cidades urbanas onde não haviam índios a cativar?
Todas
essas expedições se ligam a essa tradição, de que já nos fala a ata da Câmara
de São Paulo, de 2 de outubro de 1627, quando inclui o aviso enviado à
metrópole — acerca dos “espanhóis de Vila Rica que vinham dentro das terras da
coroa de Portugal...”. E Paulo Prado destaca os motivos irrecusáveis, que
motivaram as ações bandeirantes contra os espanhol, o ardor guerreiro e o velho
ódio ao espanhol.
”Os
fins patrióticos dos paulistas no feito de Guaíra", desde cedo se
incorporou nas nossas tradições. O padre Francisco das Chagas Lima,
referindo-se ao descobrimento dos Campos de Guarapuava, que ficam na região do
Paraná, onde a tradição de Guaíra devia ser bem viva, registrou-a nos termos de
defesa nacional. O padre lembra que os espanhóis tinham o intuito de
assegurar-se na posse daqueles territórios, quando no meio do século XVII
“estabeleceram a sua Cidade Real na embocadura do Piquiri, e Vila Rica, na
margem meridional do Itatu. povoações que foram demolidas pelos antigos
paulistas”.
É
a tradição a que se repetia na boca de Lopo de Saldanha. Homem de Estado, feito
no segredo da realidade, ele bem conhecia a verdade da ação política dos paulistas.
A Defesa daquelas terras, que os paulistas consideravam toda aquela região,
até o Paraguai, pertencente a Portugal.
E
foi assim que todo o alto Paraná se incorporou ao Brasil. Bandeirantes homens,
diante de quem, apesar de quantas ferezas e crimes lhes sejam imputados, a alma
boa de Southey o defensor dos jesuítas seus inimigos, não se contém, e
transborda de admiração, em longos elogios. Para esse historiador, não terá
havido, pela América, mais bravura, e patriotismo, e intrepidez: “Homens de
indômita coragem, e a toda prova para os sofrimentos.., Eram os paulistas
incansáveis nas suas explorações... Uma raça de homens mais ousados, ainda, que
os primeiros conquistadores.".
Nenhum comentário:
Postar um comentário