O Condado de Flandres data do século IX. Depois de várias vicissitudes ao longo da História, passou no século XIV para os duques de Borgonha, e em 1477, por enlaces matrimoniais, para a casa dos Habsburgos da Áustria, terminando sob a soberania de Carlos I da Espanha, ou V da Alemanha.
As coisas estavam assim quando, em meados do século XVI, parte da oligarquia flamenga aderiu ao calvinismo protestante, corrompidos pelo mercantilismo. Ingleses e a Liga Hanseática, já sob a tutela protestante tinham interesses nos portos de Flandres/Holanda. E em 1566 eles apresentaram à governadora dos Países Baixos, Margarida de Parma, irmã de Felipe II, uma intimação pedindo liberdade para a nova religião, o que no fundo era também o pedido da liberdade política para Flandres. Como Margarida não atendeu às duas reivindicações, no dia 15 de agosto de 1567, festa da Assunção de Nossa Senhora aos céus, os calvinistas saquearam igrejas e profanaram imagens religiosas em várias cidades dos Países Baixos.
Diante da rebelião, o rei Felipe II decidiu intervir militarmente, enviando o famoso Duque de Alba para tentar pacificar o país, e prepará-lo para uma possível viagem do próprio Felipe. Alba chamou então os terços da Itália para ajudá-lo na empresa.
Quando parecia que o condado de Flandres estava pacificado, chegou um reforço de hereges ingleses, tornando a situação feroz para ambos os lados.
Isolados, famintos, encharcados:
Era assim que se encontravam os terços em 1585, em sua campanha de Flandres na ilha fluvial de Bommel, entre os rios Mosa e Waal, ponto chave que lhes permitiria controlar esses dois rios que os separavam dos hereges.
No comando estava Alexandre Farnese, filho de Margarida, neto do Imperador Carlos V. Esse valoroso general desempenhou um papel preponderante em várias batalhas contra os protestantes de Flandres, de tal modo que sucederia ao príncipe D. João d’Áustria no governo do país após sua morte, alcançando notável sucesso diplomático ao conseguir conservar as províncias católicas.
Farnese contava com dois de seus melhores terços, Don Francisco Arias de Bobadilla e João de Águila.
Temeroso pela fama dos espanhóis, o comandante dos hereges, Conde de Hollac, não ousava enfrentá-los corpo a corpo. Apelou então para o assédio fluvial, com barcos de pouco calado, capazes de formar um cerco através dos canais. Com isso deixava o inimigo sem abastecimento nem abrigo, e sem esperança de receber reforços.
Nessa situação, os flamengos ofereceram aos espanhóis uma capitulação honrosa: retirada sem prisioneiros e abandono do lugar, conservando suas bandeiras. A resposta foi categórica: “ - Os infantes espanhóis preferem a morte à desonra. Falaremos de capitulação depois de mortos”. Os protestantes sabiam com quem lidavam, aquele mesmo terço, além de conquistarem Ambères, Tornai e Maastricht, e reconquistarem Dunkerque e Nieuwpoort, haviam hasteado suas bandeiras em Bruges e Gant.
Hollac mandou então arrebentar os diques que continham os dois rios, inundando a ilha de Bommel. Somente um pequeno monte não ficou submerso, no qual os espanhóis se refugiaram, acuados, cansados, famintos e molhados até os ossos. Ao mesmo tempo, a artilharia dos barcos protestantes vomitava fogo.
Na noite de 7 de dezembro, antevendo um ataque dos flamengos, os homens de Bobadilha e de Águila começaram a preparar refúgios e trincheiras.
O prelúdio de um milagre
Foi então que ocorreu o inesperado. Ao cavar a trincheira, um dos soldados bateu com a pá de em algo estranho. Pensou que era uma pedra, mas, ao tirá-la, deparou-se com um pedaço de madeira. Recolheu-o com as mãos e foi limpando o barro. Logo emergiram de uma pintura as cores azul e branca. Estupefato, ele viu que se tratava de uma pintura da Imaculada Conceição!
Cumpre observar que, conquanto a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem fosse defendida por santos e teólogos praticamente desde o início da Igreja, foi somente no século XIX, que o Papa Pio IX a proclamou dogma de fé. Esse grande Pontífice não fez senão precisar, em termos teológicos, o que era fé constante da Igreja através dos séculos. Nos países ibéricos, a devoção a Nossa Senhora da Conceição sempre foi muito popular.
Desse modo, acontece que, juntamente com San Thiago Apóstolo, esta é uma das invocações mais freqüêntes. Já nos idos de 1212, em Navas de Tolosa, o arcebispo de Toledo lutou contra os mouros portando um estandarte no qual estava a Virgem Imaculada. Mais tarde, em 1492, estando os Reis Católicos para dar o último assalto à praça de Granada em poder dos mouros, mandaram erigir, no meio do acampamento, um altar dedicado à Nossa Senhora da Conceição, e fez o voto de consagrar a mesquita principal da cidade à Maria imaculada. O que realmente ocorreu.
É preciso salientar que as tropas espanholas estavam ali lutando sobretudo em defesa da fé católica contra os protestantes, e pelo seu rei. Por isso, n'aquele momento, nas cidades católicas flamengas que eles estavam defendendo, os habitantes tinham saído às ruas em procissão com o Santíssimo Sacramento, para rogar pelos sitiados.
Diante de fato tão auspicioso, tanto os oficiais quanto os soldados e demais pessoas presentes naquela ilha, viram nesse encontro uma promessa da Mãe de Deus de que lhes seria propícia. O que fez com que todos juntassem logo as pedras para construir um altar para venerar a imagem encontrada, à qual saudaram cantando a Salve Rainha.
Então Bobadilha, que estava no comando da tropa sitiada, disse:
“Soldados! A fome e o frio nos levam à derrota. O milagroso achado vem para salvar-nos. Quereis que se queimem as bandeiras, se inutilize a artilharia, e que abordemos de noite as galeras, prometendo à Virgem ganhar ou perder tudo, todos, sem fica nenhum vivo?” Com uma só voz, todos responderam: “Sim, queremos!”
E o milagre se opera!
Foi então que os valorosos terços, correndo sobre o rio congelado, assaltaram os fortes, que caíram um depois do outro. Repetiram a operação com relação aos barcos que não tinham escapado. O saldo final resultou na captura de 10 navios, de toda a artilharia e munição inimiga, além de 2 mil prisioneiros! O que horas antes parecia impossível.
Mas não só os espanhóis reconheceram, no fato, algo de milagroso. O próprio comandante holandês confessou: “Para mim tal parece que Deus é espanhol para operar tão grande milagre!”
A milagrosa imagem da Imaculada Conceição foi trasladada então para a igreja de Balduque. E depois dessa batalha, a Imaculada Conceição se converteu na patrona de todos os terços de Flandres e da Itália. E fundaram uma confraria dos Soldados da Virgem Concebida Sem Pecado, da qual o primeiro confrade foi o comandante Bobadilha.
O fenômeno meteorológico incomum naquele 8 de dezembro de 1585, na ilha de Bommel, foi objeto de estudo por historiadores e meteorologistas holandeses.
Hoje, o Instituto Holandês de Meteorologia se declara incapaz de compreender a concatenação de circunstâncias que levaram a água ao redor da ilha de Bommel a se congelar numa noite.
Alguns alegam que o mundo passou por uma era conhecida como o mínimo de Maunder, período de 1645 a 1715, durante a Pequena Idade de Gelo dos séculos XV a XVII. Porem, o milagre de Empel, é anterior... de 1585!E mesmo, nos registros históricos, foi um fenômeno incomum nunca visto antes nessas terras, com temperaturas de quase ‒ 20ºC.
Para todos ficou claro que os homens que acreditavam na Puríssima Virgem tinham sido resgatados de modo prodigioso.
Acresceu que o vento gélido começou a soprar no exato momento que os católicos da vizinha cidade de Balduque tinham iniciado uma procissão com o Santíssimo Sacramento.
Ao que se deveu a 'mudança climática'? Para os testemunhas do fato só podia ser por causa d'Ela! Assim, desde o milagre de Empel, até hoje a Imaculada Conceição é a padroeira da infantaria espanhola. E o 8 de dezembro, data da vitória miraculosa de Empel, é o dia de sua festa universal, celebrada por todos os católicos!
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