domingo, 24 de abril de 2011

João Goulart, O Último Presidente Nacionalista.

Presidente João Goulart
Quando Jango assumiu a presidência da República, a conjuntura mundial era polarizada por duas fortes presenças: Jonh Kennedy, no governo dos Estados Unidos, aparentemente disposto a apoiar alternativas democráticas à Revolução Cubana, e João XXIII mobilizando a Igreja Católica para a responsabilidade social e para a opção pelos pobres. 

Mudaram-se os tempos e as vontades. João XXIII morre. Kennedy é assassinado. Já nos funerais do Papa, Jango percebeu que Kennedy não se sentia animado a apoiar reformas na América Latina, com medo de sua própria direita. Foi nesta conjuntura cambiante que se definiu e se combateu pelas Reformas de Base, principalmente a Reforma Agrária, atrasada por um século, e a de controle do capital estrangeiro, notoriamente incapaz, se deixado solto, de gerar aqui uma prosperidade generalizável aos brasileiros.

No primeiro período de governo, Jango se ocupou, sobretudo, de livrar-se dos freios do falso parlamentarismo que lhe fora imposto pelo Congresso. Temiam que ele fizesse um governo Trabalhista sensível às reivindicações populares, como de fato ocorreu. Recorde-se que Jango surgiu no quadro como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas que propôs dobrar o salário mínimo, provocando a revolta dos coronéis liderados por Golbery e Mamede. Revolta tão raivosa que Getúlio teve que demiti-lo. Só meses depois, reuniu forças para decretar o novo salário mínimo. Medida indispensável, porque estivera congelado durante todo o governo Dutra.

A imagem política de Jango se fixou, a partir daí, como a do novo líder do Trabalhismo, tão firme na defesa dos assalariados e flexível nas articulações políticas quanto predisposto a modernizar a institucionalidade brasileira. Jango se aproximara de Getúlio quando este estava isolado em Itu, depois de deposto em 1945. Era um jovem fazendeiro vizinho, formado em Direito, que nunca advogara. Era dono, então, de milhares de hectares e engordava vinte mil cabeças de gado por ano. Convivendo com Getúlio, Jango foi ganho ideologicamente para a militância Trabalhista, que introduziria nas lutas político-partidárias brasileiras um componente novo, tão distanciado do reacionarismo dos políticos profissionais, como da militância sindical comunista.

Com estas marcas distintivas, Jango se fez eleger vice-presidente de Juscelino Kubitschek e, depois, de Jânio Quadros. Em ambos os casos, em chapa eleitoral autônoma, como candidato do PTB. Encarnou a corrente política oriunda da Revolução de 1930, que modernizara o Brasil, reformulando as relações de trabalho em bases positivistas e fundando a postura nacionalista de defesa de nossas e interesses. Jango foi adiante, assumindo os direitos dos trabalhadores rurais até tornar-se, surpreendentemente, o principal defensor da sindicalização rural e da Reforma Agrária. Sua figura de líder nacionalista, trabalhista e reformista, num país de políticos atrasados e retrógrados, atraía apoio popular cada vez maior. Mas, também, repulsa cada vez mais profunda das elites.

Vencido o plebiscito de 1962, que proscreveu o parlamentarismo por 9 a 1 milhão de votos, Jango iniciou um esforço ingente para estabelecer uma aliança com o PSD, que lhe desse suporte parlamentar para as Reformas de Base. Conseguiu, assim, o apoio necessário para aprovar a Lei de Remessas de Lucros, através da qual as empresas estrangeiras teriam direito de remeter, para fora, dividendos de até 10% do capital, que introduzissem no Brasil. Mas eram forçadas a deixar aqui os capitais ganhos no país, que viveriam o destino dos capitais nacionais. Não se desapropriava, nem se estatizava nada; tão-somente definia-se como estrangeiro o que era estrangeiro e como nacional o que era nativo. Como a proporção era de 1 para 20, os defensores do capital estrangeiro se alvoroçaram.

Paralelamente, Jango articulava a aprovação pelo Parlamento de sua fórmula de Reforma Agrária, proposta na Mensagem Presidencial de 15 de março de 1964. Esta consistia em introduzir na Constituição o princípio de que a ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade. Princípio do qual decorria a norma de uso lícito da terra, que seria o equivalente a quatro vezes a área efetivamente utilizada.

Essa reforma devolveria ao controle do Estado centenas de milhões de hectares de terra, sobretudo no Brasil Central e na Amazônia, apropriados abusivamente através de chicanas e grilagens por grandes latifundiários, com objetivo especulativo. Por essa via legal é que o Presidente dar terras, em pequenos lotes, a dez milhões de famílias, da mesma forma que a lei americana fizera, em 1860, distribuindo aos pioneiros o seu Oeste e criando o mercado interno, que foi o fundamento da prosperidade daquela nação. Jango sempre dizia que, com milhões de proprietários, mais famílias iriam comer, viver e progredir, mais gente se fixaria no campo, a propriedade estaria mais defendida e o capitalismo consolidado. Nada mais oposto, como se vê, ao comunismo.

Como era de esperar, essas duas reformas estruturais – que estavam não só formuladas criteriosamente mas em marcha para a concretização – uniram carnalmente toda a direita contra o governo, dissolvendo suas distensões internas. Inclusive a oposição recíproca dos dois maiores partidos patronais: a UDN e o PSD, que viviam no desespero de verem o PTB crescer a cada eleição, de forma que sua vitória, na futura eleição presidencial, era não só previsível mas inevitável.

Dois Brasis se defrontavam ali. Numa vertente, estava o Brasil das Reformas de Base, empenhado em abrir perspectiva para uma nova era, fundada numa prosperidade oriunda da ativação da economia rural e da mobilização da economia urbana, ampliada através das outras reformas em marcha: a urbana, a fiscal, a educacional, e a administrativa. Na vertente oposta, estava o Brasil da reação, em união sagrada para a conspiração e o golpe, sem qualquer escrúpulo, a fim de manter a velha ordem.

O Brasil vinha se construindo, confiante como nunca em sua capacidade de transformar-se para superar o atraso e acabar com a pobreza, quando sobreveio o golpe militar de abril de 1964. O que queríamos era alargar os quadros sociais, para que mais brasileiros tivessem empregos em que progredissem por seu esforço, para que todos comessem todos os dias, para que cada criança tivesse oportunidade de completar seu curso primário. Vale dizer, aquilo que é progresso e modernidade para nações civilizadas. Tudo dentro da democracia e da lei.

O golpe militar de 1964 foi uma irrupção abrupta do fluxo histórico brasileiro, que reverteu seu sentido natural, com efeitos indeléveis sobre a soberania e sobre a economia nacional e também sobre a cidadania, sobre a sociedade e a cultura brasileiras. Vínhamos, há décadas, construindo duras penas uma nação autônoma, moderna, socialmente responsável e respeitosa da ordem civil, quando sobreveio o golpe e a reversão.

O Brasil atual é fruto e produto da ditadura militar, que se armou de todos os poderes para conformar a realidade brasileira segundo diretrizes opostas ás até então vigentes.

O golpe militar teve como finalidade, basicamente impedir aquelas reformas. Para isso é que mobilizou os latifundiários, em razão dos seus interesses; e os políticos da UDN e do PSD, que vinham minguando ano a ano. Apesar de poderosas, estas forças nativas não podiam, por si mesmas, derrubar o governo, Apelaram, então, para o capital estrangeiro e seu defensor no mundo, que é o governo norte-americano, entregue a estratégia da Guerra Fria. Os conspiradores de 1964 não só aceitaram, mas solicitaram a intervenção estrangeira no Brasil, rompendo nossa tradição histórica de defesa ciosa da autonomia e da repulsa a qualquer ingerência em nossa autodeterminação.

Assim é que se pôs em marcha a operação de desmonte do governo constitucional brasileiro através de um golpe urdido na embaixada norte-americana, orientada pelo Departamento de Estado e coordenada pelo adido militar, que atou as ações golpistas dos governadores de Minas, do Rio e de São Paulo e as articulou com a conspiração subversiva dos oficiais udenistas das Forças Armadas, que maquinavam desde 1945 contra a democracia brasileira.

As ações operativas de criação de um ambiente propício ao golpe foram entregues à CIA, que recebeu para isso dezenas de milhões de Dólares, competentemente utilizados na mobilização de toda a mídia para uma campanha sistemática de incompatibilização da opinião pública com o governo – definido como perigosamente comunista -, seguida da promoção de grandes marchas pseudo-religiosas de defesa da democracia e das liberdades. Ambas tiveram profunda repercussão nas classes médias, sempre suscetíveis de manipulação, mas não afetaram o apoio popular ao governo reformista.

Simultaneamente, organizaram instituições especificamente destinadas a subornar parlamentares: o IPES e o IBAD, que chegaram a aliciar centenas de deputados e de senadores para o golpismo. Ao mesmo tempo, infiltraram agentes provocadores nas Forças Armadas, como o cabo Anselmo, treinados para atos de insubordinação, destinados a sensibilizar a oficialidade, como se fossem atentados do governo à hierarquia militar. Criou-se, assim, o ambiente propício à eclosão do golpe militar.

O inconveniente maior de conspirar com os norte-americanos é que, passados vinte anos, eles abrem seus arquivos e contam tudo. Assim sucedeu com a documentação referente à intervenção do governo de Lindon Johnson. Uma vez divulgada, ela permitiu ver como o golpe foi urdido na embaixada norte-americana por seu adido militar, orientado para isto desde Washington. Foi desencadeado com forte contingente armado, postado no porto de Vitória, com instruções de marchar sobre Belo Horizonte.

Conforme se vê, a direita brasileira e seus aliados externos estavam dispostos a desencadear uma guerra civil sangrenta, com risco de dividir o Brasil como sucedeu na Coréia e no Vietnã, para evitar que algumas reformas estruturais, indispensáveis desde sempre, fossem executadas legalmente pela vontade dos brasileiros. João Goulart é que, negando-se a dar uma ordem que importasse em derramamento de sangue, impediu essa guerra civil, que a seus olhos podia ter custado a vida de milhões de brasileiros e, provavelmente, dividido o Brasil em dois.

Registrando esses fatos, agora, reavalio minha própria posição, que era contrária à do Presidente. Fiz o quanto me foi possível para que o governo respondesse à sublevação golpista com ações concretas. Era perfeitamente possível usar os aviões do Brigadeiro Teixeira para devolver aos quartéis a tropa de recrutas de Mourão, o general que se autodesignara como vaca fardada, porque deu o golpe e não aproveitou. Os fuzileiros do Almirante Aragão podiam também ter prendido Lacerda e Castello Branco. A essas ações se seguiria, previsivelmente, a adesão dos grandes exércitos a um governo que se revelara capaz de defender-se. Esta não foi a visão do Presidente, informado por outros conselheiros de que uma armada norte-americana estava vindo intervir nas nossas lutas internas, o que converteria o golpe, se revidado, numa guerra civil.

O golpe foi todo um êxito, proclamado como a maior vitória do Ocidente contra o comunismo, maior que o desarmamento nuclear de Cuba, maior que a crise do muro de Berlim, disse orgulhoso o idiota embaixador Gordon.

Jango não caiu por ocasionais defeitos de seu governo. Foi derrubado em razão de suas altas qualidades, como o responsável pelo maior esforço que se fez entre nós para passar o Brasil a limpo, criando aqui uma sociedade mais livre e mais justa.


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