sexta-feira, 14 de maio de 2021

Estoicismo e a Virtus Romana, Perda e Queda

“Não sei afinar uma lira ou tocar harpa, mas sei como alçar uma pequena e insignificante cidade para a glória e a grandeza. ” - Temístocles

Como uma pequena tribo de pastores no Lácio, ascendeu como potência, em meio a outras civilizações muito mais antigas e avançadas?  E como essa mesma, civilização após atingir seu auge, decaiu? Se observa, com Roma, os mesmos fatores que fizeram outras civilizações ascender, e os mesmos vícios que as levaram a decadência.

Em sua marcha histórica, os romanos, sempre se destacaram por ser um povo disciplinado, austeros e mais do que qualquer outro, em sua época, moralizadores. Os valores do romano, desde as suas origens, é a virtude ou virtus, que deriva sua grandeza desde Rômulo, do qual todos os Romanos, de alguma forma, descendem, deste pastor divinizado, filho de Marte, fundador da nação romana. Portanto o Virtus, é um valor essencial para o Romano. La Fides, a "fidelidade" aos compromissos, tanto com os cidadãos como com os Deuses, é um valor essencial, como virtus, para a boa conformação de uma moral; Isso fica evidente quando o rei Numa (período da monarquia em Roma no século VI a.C.) funda as bases da religião e da fides do cidadão, a fé nos Deuses. E em terceiro lugar, as Pietas, que se referem a "uma justiça", uma justiça imaterial entre os homens e os Deuses, por exemplo, o dever de um filho é respeitar seus pais (pater familli), se o filho mata seu pai, deixa de pertencer ao mundo terreno, e tornou-se Sacer (foi-lhe sacrificado), e os Deuses o julgam, a fim de acalmar a sua ira e restabelecer o equilíbrio no mundo da civitas (cidade).

Assim, a virtus, a fides e a pietas romana coincidem com aspectos do estoicismo, coragem (virtus), justiça (pietas), autocontrole (fides e virtus) e sabedoria, dando assim, a passagem e a boa recepção, pelos circulos intelectuais, desta corrente filosófica em Roma no século III a.C.. Os estóicos e a filosofia estóica se tornarão "a base e o alicerce" da religião oficial em Roma. A assinalar, que a influência helenística, compreendida como os aspectos dominantes na Grécia na época do contato com Roma, foi em todos os sentidos, criticada, como uma sociedade ligada aos vícios, como na sátira de Lucílio e na poesia de Lucrécio (Epicurista).

Mesmo Cícero, grande admirador da cultura grega, via a Grécia doente e em plena decadência. Aconselha ao seu irmão que não se fiasse nos gregos senão em poucos e muito bem selecionados, que fossem dignos da antiga Grécia. Chega a dizer que os romanos eram superiores aos gregos: seus costumes e instituições, tanto na vida particular como na pública, eram incomparàvelmente melhores, e tudo o que tomaram emprestado da Grécia foi levado por eles a tal ponto de perfeição que os gregos nunca souberam atingir.

E Virgílio, que tanto deve a Homero e aos poetas gregos da época alexandrina, um espírito tão profundamente imbuído de idéias helênicas, uma alma tão sensível à beleza das perfeitas formas clássicas, mostra, Virgílio, a mesma reserva em relação aos gregos. Não só pelo fato de serem os troianos as vítimas de uma guerra com os gregos. Percebe-se, na obra virgiliana, uma incompatibilidade psicológica e moral com o gênio grego. Sinão é o protótipo da perfídia grega: et crimine ab uno diste omnes; também Ulisses, o herói versátil e inventivo de Homero, não encontra graça aos olhos do poeta romano: é ardiloso, vingativo, sem nenhum escrúpulo de ordem moral. O pius Aeneas, apesar do pouco jeito, apesar da pouca individualidade em comparação com os heróis homéricos, é um herói piedoso, justo, fiel, pudico e casto, um herói que encara sua existência em função de um ideal coletivo, sacrificando seus interesses pessoais em proveito do interesse público, nacional. Esse Enéias é o grande modelo romano, que Virgílio apresenta aos seus contemporâneos, Timeo Danaos et dona ferentes

A História mostra que povos atrasados, quando postos em contato com uma civilização mais avançada, em um primeiro momento, não adotam suas grandes conquistas culturais, e sim seus vícios e defeitos. Não resistem à fascinação que emana de uma civilização superior: o luxo, os prazeres, os requintes. A assimilação dos valores culturais mais nobres, segue-se muito tempo depois. Se é, que venha ocorrer algum dia. O que se verifica, é uma degeneração dos antigos costumes, uma degeneração rápida e chocante, que não deixa aos contemporâneos a possibilidade de ver o desabrochamento de uma nova e perniciosa moral.

O helenismo estava infectado pelo individualismo desenfreado, o abandono da antiga fides, da pietás, da verecundiá e de tantas outras virtudes nacionais; significava conforto material, luxo e voluptuosidade. Também não devemos esquecer que um dos ingredientes da humanitas romana, a paidéia, naquela fase da cultura clássica apresentava vários defeitos graves: enciclopedismo, epigonismo, verbalismo, ceticismo, além de desconhecer quase totalmente a necessidade de progredir. Foi uma circunstância trágica que, quando Roma entrou em contato com o mundo helenístico, este mundo já estava em plena decadência, apresentando muitos sintomas de cansaço e havendo de rejuvenescer só alguns séculos depois. 

O epicurismo, não atingiu o auge na República de Roma, devido aos seus postulados, “contrários à ideia dos Cives romanos (cidadão)”. O epicurismo é o Otium, ou seja, o lazer, que faz as pessoas se afastarem de seus deveres cívicos.

Ao contrário, o estoicismo insistia na necessidade do ascetismo para resistir às tendências que conduzem todos os seres ao prazer. Entre as virtudes cardeais: a Coragem (especialmente honrada pelos Romanos, para quem o serviço do soldado é o mais alto in dignitas, dentro do Estado), Justiça (todo magistrado romano, é um bom juiz depois) e Domínio de si mesmo (evitando prazer e lazer), enfim a Sabedoria que se realiza por meio do virtuosismo (virtus) ”.

É evidente que, uma corrente filosófica baseada no prazer, como o epicurismo, não iria atingir um desenvolvimento ótimo dentro de Roma, uma vez que os valores romanos não se baseavam no prazer, mas na ordem da alma: “Os valores e a moral dos romanos são virtus, fides e pietas”, o que significa que o prazer não tem lugar na vida de um “bom romano tradicional”.    

Agora, não há dúvida de que o declínio dos costumes em Roma, a partir do século II aC. É resultado da distorção dos costumes "do bom romano" e das novas influências externas, especialmente, do helenismo e seus maus hábitos relacionados ao lazer, são as causas da queda da República. É evidente que, à medida que os costumes decaem, as magistraturas e imperativos serão a expressão disso, dando origem a guerras civis que se encerrariam pelo caminho, com a República em 31, com a vitória de Octavio, e a instauração dele como Princeps em 27 A.C.

Já em tempos do império, o estoicismo não tem o mesmo brilho de antigamente, mas sim, eles são em parte a justificativa do poder imperial. É a justificativa do poder de Augusto (Octavio, filho adotivo de César) já que o estoicismo em uma de suas arestas “defende que um bom governo pode ser liderado por um só homem, já que, em uma sociedade, há homens melhores que os outros, para levar o destino de uma nação. Como Augusto não seria um estóico levando em conta esse postulado para se justificar no poder? É claro que, como o estoicismo, já se fundiu com o Estado romano, tornando-se a "filosofia oficial do Império de Augusto.

Nesse período imperial, respondem a um período do Império Romano, onde os costumes tradicionais (virtus, fides e pietas) foram esquecidos, de alguma forma, e foram dados a vícios dentro da cidade (festas, bacanais, luxos, etc). Sêneca, filósofo estóico,  questor, pretor, senador do Império Romano durante os governos de Tibério, Calígula, Cláudio e Nero, além de ministro, tutor e conselheiro do imperador Nero. Tenta influir, com suas obras moralizadoras, uma vida política correta ao cursus Honorum (curso correto nas magistraturas políticas em Roma). O bom romano e o cives (cidadão) não devem se dar ao luxo, pois o luxo é a base do otium, do qual derivam todos os vícios e, portanto, é um mal para o Império, assim diziam os estóicos na República. 

Os fundamentos do estoicismo,  são os mesmos de "um bom romano", e que Séneca, sem ser romano de nascimento, sabia aproveitar, levando em consideração outros aspectos, como justiça, sabedoria, autocontrole e os fundamentos da política estóica, para defender a formação de um Império. 

Das obras de Sêneca, mais do que as referentes à política, as mais importantes são aquelas voltadas para a "Moral" e os bons costumes.

Não é necessário recorrer a todas as suas obras, já que em todas se pode apreciar o seu estoicismo, que emergiu ao escrever, como mostra a sua obra "Tratados Morais" escrita e dedicada a seu filho Lucílio:

“Coisas prósperas acontecem com a plebe e os dispositivos vis: e, pelo contrário, calamidades e terrores, e a escravidão dos mortais, são características do grande homem. Viver sempre feliz e passar a vida sem remorsos de espírito é ignorar uma parte da natureza. Você é um grande homem? Onde posso saber se a sorte não lhe deu a oportunidade de exibir sua virtude? Você veio para as Olimpíadas e nelas não tinha competidor: você vai usar a coroa olímpica, mas não a vitória. Não o felicito como homem forte: escolha-o como aquele que chegou ao consulado ou à aldeia com a qual está crescido. Posso dizer o mesmo ao bom homem, se algum caso difícil não lhe deu a oportunidade de demonstrar a coragem de seu espírito. Julga-te infeliz se nunca exististe: passaste a tua vida sem ter o contrário; ninguém (nem mesmo você) saberá até onde chega a sua força; porque para se conhecer é necessária alguma prova, pois ninguém consegue saber o que pode senão prová-lo. Por isso houve alguns que voluntariamente se ofereceram aos males que não os atacavam, e buscaram uma oportunidade para que brilhasse a virtude que estava escondida ”.

Fica mais do que evidente como o estoicismo de Sêneca brota em sua obra, destacando em certos aspectos os fundamentos do estoicismo, e seu ataque ao Oriente, que em certos aspectos enchia a vida do romano, com luxo e coisas vãs, vão contra os romanos, e eles são prejudiciais ao Império. A grandeza desse estoico está em seu papel de político, mais do que de escritor, suas obras foram em grande parte preservadas no bom sentido, outras se perderam, preservando apenas alguns aspectos. Sua participação durante a administração do Imperador Cláudio e Nero, o ratifica como um bom cives. Apesar de seu exílio, que durou 8 anos na Córsega, pode-se ver as bases de um estoico, daquela escola que Zenão fincou as fundações, para responder à pergunta O que era a felicidade e como ela foi alcançada? Sêneca coloca em prática sua filosofia, ao plano político, tornando-se assim um grande cives.

Políbio, historiador e geógrafo grego, radicado em Roma, protegido por Scipião. Era um d´aqueles poucos gregos, ainda remanescentes, que honravam a antiga Grécia. Como racionalista, na busca para explicar o processo histórico, procura leis e causas determinantes, ao alcance do espírito humano. A grandeza de Roma explica-se por certos fatores físicos, tais como a situação geográfica, o clima, a densidade da população, etc., mas muito mais ainda por  fatores morais e culturais, tais como a prudente organização política (uma mistura de elementos monárquicos, aristocráticos e democráticos) e, sobretudo, sua excelente organização militar. Graças a esses fatores, Roma liqüidou o poder de Cartago e conseguiu a hegemonia sobre o mundo mediterrâneo. Contudo, como todas as coisas humanas, o Império Romano, está sujeito à lei universal da corrupção. Como na própria Grécia, e no Império alexandrino, o afluxo de povos conquistados para os seus centros, perverte os valores dos conquistadores, a cives romana. Assim, a antiga nação romana é sufocada, perde seu brilho, sua virtus, suplantada por uma massa de bárbaros, que os romanos denominavam plebe, um povo, mas um povo sem identidade, e portanto, sem unidade, que não raro descamba para guerras civis, e muito menos com valor necessário de sustentar sua existência. Oque a acabará por sucumbir ante outra civilização mais coesa e virtuosa. Assim, Políbio julga-se capaz de predizer as catástrofes internas que ameaçam a cidade. Torna-o melancólico a contemplação das vicissitudes humanas: também Roma está fadada a ouvir, um dia, a sentença de maldição proferida contra ela por um soberbo vencedor.


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