terça-feira, 31 de dezembro de 2024

A Imigração Alemã no Sul da Bahia - Os 206 anos da Imigração Alemã para o Brasil



Georg Anton von Schäffer

No presente ano de 2024, a imprensa sensacionalista conjuntamente com promotores de eventos comerciais, notadamente ao sul do Brasil, alardearam os "200 anos da imigração alemã para o Brasil.". Trata-se de uma grande mentira, propagada com fins puramente comerciais. Qualquer um, minimamente conhecedor do assunto, sabe que a imigração alemã teve sua origem na Bahia. E não só alemã, como também foi o marco que deu inicio a imigração em massa para o Brasil, quando em 1918 é fundada a primeira colonia oficial pela coroa, um ano antes da colonia de Nova Friburgo no RJ, e 6 anos antes da primeira colonia alemã ao sul do Brasil. 

A presença de imigrantes alemães e suíços na Bahia antecede 1818. Com registros desde 1816, em Salvador e no sul da Bahia. Georg Wilhelm Freyreiss fundador e primeiro administrador da Colônia, chegou ao Brasil em agosto de 1813, com 24 anos. Era naturalista, tendo tomado parte na expedição do príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, entre 1815-17, que percorreu partes do Brasil, incluso o sul da Bahia.

Em 1820, foi aberto o Consulado de Hamburgo em São Salvador. Sete anos mais tarde, o Brasil celebrou o Tratado de Comércio e Navegação com as cidades hanseáticas de Lübeck, Bremen e Hamburgo, aumentando o fluxo de germânicos que aportavam em São Salvador, principal porto brasileiro, enquanto Hamburgo era, ao seu tempo, o  mais importante porto germânico. 

Pela ocorrência da Revolução do Porto, no ano de 1820, evento que desencadiou a Independência do Brasil (1822), o médico e militar germânico Georg Anton von Schäffer solicitou a D. João VI permissão para radicar-se no Brasil. Concedida a autorização, o Rei permitiu-lhe a escolha de uma porção de terras de sua predileção. Naquele mesmo tempo, Schäffer, em sua terceira vinda ao Brasil, foi recebido pela Princesa Leopoldina. Após a formalização do documento régio, partiu para o norte acompanhado de alguns colonos, chegando à Vila Viçosa, descrita por Schäffer como local de grande abundância.

Fixando sua escolha na margem setentrional do Rio Peruípe, junto ao córrego Jacarandá, delimitou terras contíguas à Colônia Leopoldina, a qual, abrigando já quatro famílias, mostrava-se em franco progresso. Baseando-se no documento real firmado por D. João VI, as autoridades de Vila Viçosa estabeleceram para a nova colônia um terreno equivalente a uma légua quadrada. Ali, os colonos principiaram uma modesta lavoura, com o auxílio de indígenas.

Schäffer denominou a colônia de Frankenthal, ou "Vale dos Francos", em homenagem à sua terra natal e de outros colonos, Francônia. Sua fazenda tomou o nome de Fazenda Jacarandá.

Após fundar Frankenthal, Schäffer retirou-se para o Rio de Janeiro e, subsequente, foi enviado à Europa por ordem de José Bonifácio, na qualidade de agente de negócios públicos, logrando trazer numerosos colonos ao Brasil. Ao partir para a Europa, Frankenthal contava, 20 almas e 16 mil pés de café, deixando a supervisão da colônia a seu amigo Johann. 

Schäffer possuía como sócios Johann Martin Flach, suíço originário do Cantão de Schaffhausen, pioneiro que chegou ao Brasil em 1809 e que conheceu Schäffer no Rio de Janeiro, em 1814.  proprietário da Fazenda Helvécia, uma das fazendas da Colonia Frankenthal, e o arquiteto alemão Johann Philipp Henning, oriundo de Wertheim, que veio acompanhado de sua esposa. Inicialmente, as colônias Leopoldina (margem sul do Peruípe, em Viçosa) e Frankenthal (margem norte, em Caravelas) constituíam empreendimentos distintos. Diversos suíços e alemães adquiriram propriedades na região, com o tempo, suas propriedades passaram a ser referidas, de forma unificada, como Colônia Leopoldina.

Henning, sócio em Frankenthal, foi posteriormente designado por Freyreiss como administrador de Leopoldina. As colônias foram estruturadas sobre cinco sesmarias, três em Leopoldina e duas em Frankenthal, cujos titulares tinham por obrigação ceder parcelas de terras a outros colonos, consoante preceitos da legislação vigente. Após a Independência, o sistema de sesmarias foi extinto, e a figura do administrador da colônia deixou de existir.


1. Colônia Almada (1816)

Por volta de 1816, Peter Weyll, alemão originário de Frankfurt, estabeleceu-se com sua família nas margens do rio Itaípe, ao norte de Ilhéus, em uma sesmaria de uma légua quadrada que lhe fora concedida com o objetivo de promover a colonização da região ainda deserta. Com o auxílio de indígenas e 12 escravos, Weyll desmatou vastas áreas, destinando-as ao cultivo de milho, arroz e cana-de-açúcar. 

Ao redor de sua propriedade, outros imigrantes fixaram-se, como Frederich Schmidt, também alemão, de Stuttgart, proprietário da fazenda Luisia, e Eugênio Borrel, suíço de Neuchâtel, que cultivava café na propriedade Castel-Novo. Durante a expedição de 1818, os renomados naturalistas bávaros Spix e Martius hospedaram-se na fazenda de Weyll, mencionando em seus relatos outros imigrantes alemães, como Scheuermann, residente em Salvador, que os acompanhou em parte de suas explorações pela região.


2. Colônia Leopoldina, A Primeira Colonia Alemã Oficial no Brasil (1818)

No ano de 1818, fundou-se a Colônia Leopoldina, no extremo meridional da Capitania da Bahia, na comarca de Caravelas, às margens do rio Peruípe, distante oito léguas de Vila Viçosa. Entre os principais fundadores contavam-se Georg Wilhelm Freyreiss, naturalista suíço; o Barão Von dem Busche, agrimensor alemão; Carlos Guilherme Mohrardt, médico estabelecido em Viçosa desde o mesmo ano; e o cônsul hamburguês Pedro Peyck. Esses empreendedores, ao receberem cinco sesmarias, congregaram seus capitais e ali deram início a uma colônia formada por imigrantes oriundos da Suíça e da Alemanha, nomeando-a em honra à Princesa Leopoldina, patrona da colonização germânica no Brasil.

Esta fora a primeira colônia no Brasil fundada por europeus não lusitanos, antecedendo em um ano a criação da colônia de Nova Friburgo no Rio de Janeiro. Leopoldina destacou-se pelo cultivo de café, vindo a prover cerca de 60% da produção cafeeira da província baiana em 1842, e excedendo 90% dessa produção em 1853. Seus colonos, além do café, também se entregavam ao cultivo de mantimentos como abacaxi, jaca, laranja, manga, banana, fruta-pão, mamona, cana-de-açúcar, algodão, fumo, milho, mandioca e leguminosas, conforme registrado no Journal du Jura de 1820.

Colônia Alemã  Leopoldina, sul da Bahia.


3. Colônia do Rio da Salsa (1818)

No ano de 1818, instituiu-se às margens do rio da Salsa, entre os rios Pardo e Jequitinhonha, uma colônia singularmente composta por soldados brasileiros casados e estrangeiros de origem germânica. À semelhança das colônias de Almada, São Jorge dos Ilhéus, Leopoldina e Frankental, esta fora fundada com o intuito de povoar e tornar produtiva uma vasta região da Bahia ainda recoberta por densas matas, e população rarefeita. Distinguia-se, contudo, por estar inserida em área de presença de indígena, e por assim, insegura para o avanço da colonização. Por tal razão, a colônia do Rio da Salsa apresentava o caráter peculiar de abrigar um destacamento militar, denominado "Quartel da Palma", cuja função era garantir a segurança dos caminhos que ligavam o sul da Vila de Ilhéus à povoação de Canavieiras, elevada à vila em 1832.

Os colonos dali teriam desaparecido por volta de 1827, enquanto os soldados permaneceram no destacamento até 1836. Nesse ano, em ofício datado de 7 de junho, o juiz de direito de Ilhéus comunicou ao Presidente da Província o desaparecimento do referido destacamento. A Colônia do Rio da Salsa, embora jamais oficialmente extinta, sucumbiu em seus propósitos, desaparecendo de maneira definitiva e marcando mais um fracasso na tentativa de colonização da região.


4. Colônia Frankental (1821)

No ano de 1821, Georg Anton von Schaeffer, natural de Münnerstadt, acompanhado de dois sócios, João Felipe Henning e João Martinho Flach, recebeu uma sesmaria nas terras devolutas do Sul da Bahia. Juntamente com 20 conterrâneos da Francônia, Schaeffer navegou o rio Peruípe e fundou uma colônia na margem do afluente Jacarandá, região da Colônia Leopoldina, à qual deu o nome de Frankental (vale dos Francos). Médico naturalista, Schaeffer desempenhou o papel de agente de colonização de D. Pedro I, promovendo uma imigração espontânea ao oferecer terras, sementes, ferramentas e auxílio financeiro aos imigrantes dispostos a partir para o Brasil por conta própria.

Uma parte dos colonos chegou como soldados a serviço do imperador, enquanto os demais tinham a liberdade de escolher sua destinação. A colônia de Frankental destacou-se por não recorrer ao trabalho escravo, sendo Schaeffer contrário à utilização de escravos, defendendo que a produção poderia ser lucrativa apenas com colonos, como na cultura cafeeira. Em suas palavras: "pelo trabalho escravo, perder-se-ia uma vantagem da emigração alemã, continuando uma economia que já existe no Brasil. E cujo resultado não constitui uma benção geral para a pátria brasílica.". Schäffer, faleceu em 1836, em sua Fazenda Jacarandá.

Com a extinção da colônia em 1838, as propriedades de Schaeffer e Flach foram incorporadas à crescente Colônia Leopoldina, marcando o fim de ambos os empreendimentos e o início de um modelo capitalista baseado no trabalho escravo e na produção voltada para a exportação. João Flach, filho do pioneiro, foi senhor de quatro fazendas: Helvécia, Kaya, Samambaia e St. Prés, todas outrora pertencentes à Colônia Frankenthal.


5. Colônia de São Jorge dos Ilhéus (1822)

Peter Weyll, o mesmo que fundara a Colônia de Almada, em sociedade com Adolpho Saueracker, estabeleceu, ao sul de Ilhéus, a Colônia de São Jorge dos Ilhéus, em terras de uma sesmaria que lhes fora concedida no ano de 1818. Em 1822, aportaram à Vila de Ilhéus os primeiros colonos alemães, e, no ano seguinte, chegaram 28 casais, totalizando 161 imigrantes, que haviam embarcado no porto de Rotterdam munidos de ferramentas e algum pecúlio para os primeiros tempos.

Entretanto, em razão dos embaraços causados pela Guerra da Independência, os instrumentos de trabalho foram retidos no porto, enquanto a colônia permanecia incompleta para recebê-los. Muitos, enfrentando enfermidades e escassez de recursos, abandonaram o empreendimento e buscaram refúgio na vila. Sensibilizada pela miséria dos imigrantes, a Câmara Municipal de Ilhéus apelou a D. Pedro I, que liberou fundos destinados à manutenção da colônia por dois anos. Tais providências, somadas à derrubada das matas e à preparação das roças, permitiram que os poucos colonos restantes se estabelecessem de modo definitivo nas margens do rio Cachoeira, a uma distância de três a quatro léguas acima de Ilhéus.

Com o tempo, a colônia tomou feição de um conjunto de fazendas, assemelhando-se à trajetória da Colônia Leopoldina. Sua população foi paulatinamente assimilada pela sociedade local, sendo reconhecido que “quase todos os fazendeiros ou são brasileiros, ou descendentes dos antigos colonos.”

Colonia Alemã de São Jorge de Ilhéus, por Rugendas.


6. Colonia de Assuruá (1857)

Posteriormente, em 1857, a Associação Baiana de Colonização organizou outro núcleo de imigração alemã, trazendo 150 alemães do norte da atual Alemanha (Klausthal e Zellerfeld), para trabalhar na Companhia Metalúrgica de Assuruá, fundada por negociantes de Lençóis e pelo alemão Kramer. O empreendimento não durou mais do que dois anos ante uma seca e mudanças ocorridas na Companhia, com os imigrantes se dispersando pela região. 


7. Colonias no Vale do Mucury (1873)

Em 1873, novas colônias foram estabelecidas, como Carolina, Muniz, Teodoro e Rio Branco, com famílias alemãs trazidas pela empresa Moniz. A primeira localizou-se nas proximidades do rio Pardo, e as outras na região de Comandatuba, no sul da Bahia, uma área em processo de ocupação, com a abertura de uma nova fronteira agrícola. O comendador Egas Moniz Barreto de Aragão e o conselheiro Policarpo Lopes de Leão, falantes de alemão, estabeleceram em Hamburgo a agência central de emigração. 

A primeira leva, de 1800 imigrados, veio em 1873, oriundos da Prússia Oriental, de etnia polonesa, dos quais apenas 150 eram alemães propriamente. Foram estabelecidos em Muniz e Teodoro, além de outros dois núcleos de menor dimensão: Núcleo Colonial Carolina e do Poço. Na região do rio Una, em Comandatuba. A precaria infra-estrutura da Companhia para amparar esses colonos, gerou escasseis de viveres, oque deu azo a distenções entre colonos católicos (poloneses) e protestantes (alemães). Oque forçou a intervenção de força pública e transferencia dos poloneses para outra área. Desses, conta-se que mil foram repatriados para a Prússia, 738 faleceram, e apenas 160 permaneceram na região.


8. A Colônia de Una (Itacará-BA, 1927)

O governo da Bahia se predispois abrigar 22 famílias "russo"-alemães do Volga (comunidades alemães assentadas na margem do rio Volga ao tempo de Catarina, na Rússia), acossados pelo comunismo soviético. Segundo os pressupostos de sua Lei de Imigração e Colonização, esses imigrantes deveriam ser assentadas na preparada Colônia de Itaracá em Una, criada desde o ano de 1927, pelo governador Góis Calmon.

A colônia de Una tornou-se a última tentativa de assentar colonos alemães na região do cacau na Bahia. Esse empreendimento transcorreu como os anteriores do século XIX: doenças diversas, e epidemia, fez enorme número de vítimas e os sobreviventes migram quase todos em pouco tempo para outras colonias alemães em  Santa Catarina.


O Legado da Imigração Suíço-Alemã

A colonização do sul da Bahia mediante a imigração alemã, foi um empreendimento pioneiro, antecedendo em pelo menos seis anos ao sul do Brasil, no intuito de substituição da mão de obra escrava por braços livres. Oque redundou nesse sentido, em um fracasso. Mas, não fracassaram os esforços materiais para a provincia da Bahia. Com a imigração alemã, houve um incremento nas lavouras de café e fumo, introduzindo de forma pioneira a cultura do Cacau no sul bahiano. A provincia da Bahia passou a figurar atrás do eixo Rio-Minas-São Paulo na quarta maior exportadora de café do país. E com a abolição, as provincias que utilizavam a mão de obra escrava, entraram em uma profunda decadência, caso do Maranhão, que durante o Império foi uma das mais ricas províncias do Brasil. A Bahia teria tido o mesmo destino, ainda que parcialmente também foi vítima, não fosse a cultura caucaueira, em alta, que manteve a arrecadação de suas finanças . Os imigrantes alemães não só converteram o sul da Bahia como um polo agro-exportador, como deram inicio a uma incipiente industria agro-industrial, manufaturando de forma pioneira as folhas de fumo. O cultivo do fumo, era pouco valorado tido como uma cultura de segunda ordem, legado a pequena agricultura, e os pequenos agricultores alemães a cultivaram em suas pequenas glebas, elevando como parte do que virá ser um importante produto para exportação.

Mesmo com o malogro das colonias com finalidade da implementação de braços-livres, o fluxo de imigrantes alemães continuou, ainda que em menor escala. Registros avulsos, contabilizam,  entre 1856-64, a entrada de 299 imigrantes alemães na Bahia. Esses imigrantes suiço-alemães logo na primeira geração foram assimilados. O Presidente da Provincia  João Maurício Wanderley, em 1855, testemunha que quase todos os fazendeiros da região ou eram brasileiros, ou descendentes dos antigos colonos. O príncipe austríaco Maximiliano, em 1860, de passagem pelo sul da Bahia, diz com frustração que nenhuma das crianças "alemães" falavam a língua de seus pais, que só se comunicavam em português. O antecedente bahiano, e que se repete no sul, mais uma vez corrobora a falácia mentirosa de que a proibição do ensino de línguas estrangeiras, no pequeno interregno de 38 à 45, e que mal durou sete anos, durante o Estado Novo, "matou" a cultura alemã no sul do Brasil. A não pervivencia das línguas germânicas no Brasil, ocorreram determinantemente por seu pequeno vulto ante um corpo nacional, brasileiro, já de longa data sedimentado e amplamente majoritário, conjuntamente, a grande variedade dialetal entre os colonos, aonde o português servia como língua comum, entre colonos de diferentes procedencias. Exceção, de pequenos nucleos que permaneceram em certo isolamento e se casando entre si, uma parcela ínfima entre os proprios imigrantes de origem germânica. 


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