segunda-feira, 25 de março de 2019

A Ação dos Paulistas e de Alexandre de Gusmão na Fixação das Fronteiras Brasileiras ao Sul

O historiador inglês Robert Southey não hesita em sustentar que, indemarcadas, as fronteiras ao Sul, “esta incerteza era favorável aos portugueses – que tinham nos paulistas homens capazes de alargar-lhes os domínios como não o sabiam fazer os colonos de Castela”, E se eles não deram o extremo Sul ao Brasil foi porque não encontraram quem os estimulasse para isso, ao passo que a aventura das minas os tentava para o Oeste. Quando foi o momento oportuno de defender a margem do Prata, os paulistas se encontravam formalmente combatidos pelas gentes da metrópole.

Apesar de tanto acontecer, se de todo não fracassaram as tentativas ali, a eles muito se deve. Se o atual Paraná foi São Paulo por quase todo o período colonial, é que pelo paulista se conquistou, e desbravou, e colonizou a terra. Em 1660, já estão estabelecidos em Paranaguá e campos de Curitiba os paulistas João de Araújo Gabriel de Lara, Salvador Jorge Velho... Logo ao entrar do século XVIII, Brito Peixoto e Sebastião Guerra com toda sua parentela: Magalhães, Meneses e Vasconcelos, Barbosa, Lemes, Prados e Raposo Góis.... dos velhos troncos paulistas, conquistam ao gentio carijó a ilha e a costa de Santa Catarina, e criam o estabelecimento de onde se irradia o povoamento de toda província. Fazem mais: armam, a sua custa, uma expedição por mar, em sumacas, e levam as suas explorações até a lagoa dos Patos e depois aos denominados campos de Buenos Aires, assegurando o domínio lusitano sobre todo aquele território.

Em 1680, funda-se a colônia do Sacramento, para levar o Brasil até o Prata... E tudo resultou naquela sucessão de desastres. Salvou-se, depois, o que é hoje o Rio Grande; para tal efeito, porém, mais concorreu a ação dos Paulistas, transcorrendo as terras, povoando-as, do que tudo que a metrópole decrépita acumulou em desazos.

Pode-se dizer, que quem deu a Portugal o faro daquele Sul foi um Paulista, o grande Fernão Paes Leme: os castelhanos e os seus índios adiantaram-se até onde os paulistas consideravam do Brasil, e o bandeirante, “descendo da cidade de São Paulo com muitos naturais intrépidos e esforçados, os quais, apresentando batalhas aos castelhanos e seus confederados, por várias vezes lhes fizeram viva guerra. Constrangidos do ferro, e temido da mortandade, desalojaram de muitas aldeias, e se retiraram para os seus domínios perseguidos, fugindo maltratados”.

Bastava que o Estado português aproveitasse essa tradição, em vez de entregar o caso às suas tropas degradadas, e o Brasil estaria onde o quiseram levar depois. Finalmente, salvou-se a parte onde se imprimiu o traço dos bandeirantes. Em 1703, o paulista Domingos da Figueira fez a viagem até o sítio da Colônia, e consignou-a em roteiro completo, com todas as indicações e descrições subsidiárias. Aí, já ele assinala – que em St. Marta há povoamento e criação de gado, pelo brasileiro Domingos de Brito. Capistrano, em comentário, referindo-se a esse roteiro, nota: “Os paulistas poderiam ser encarregados de fazer um caminho menos longo e menos exposto ao inimigo do que o usado até então. O interesse, porém, visava a outro ponto e resumia-se todo nos lucros auferidos do contrabando com os espanhóis”.

Todavia, ao passo que os representantes do Estado português inutilizavam a tentativa, e estragavam a mesma posse militar, os Cosme da Silveira e Antonio de Souza estabeleciam as primeiras fazendas de criação, nos campos de Viamão e Capivari. Foi isto, aproximadamente, em 1717. Pouco depois, com os outros Paulistas, abria-se a estrada ainda hoje seguida pelas tropas – de São Paulo ao Rio Grande. Anos depois, quando foi preciso salvar, ali, a tradição brasileira, vigorosamente combatida por Ceballos, valeram especialmente os destemidos esforços dos Paulistas – fundando e mantendo a colônia de Iguatemi, explorando e garantindo a posse dos campos de Guarapuava, ao mesmo tempo que cortavam todo aquele Sul de estradas, por onde pudessem acudir prontamente, em boa estratégia, os reforços militares necessários.

O ministro português Lopo de Saldanha, que até nos parece exceção de lucidez, na sua gente daqueles tempos, quando procura o remédio possível para a mísera situação do Sul (Colônia do Sacramento), manda que recorram aos paulistas “que com o só provimento de pólvora e chumbo têm penetrado e descoberto a maior parte do Brasil”. O ministro português evocava uma tradição viva: bastou que se falasse na ida de Paulistas para ali, e a onda de tapes e castelhanos estremeceu.

Num dos piores momentos dessa campanha, chegou a combater um exército de Paulistas que acorreram para libertar a Colônia, cercada e ameaçada pelos castelhanos de Buenos Aires.


Alexandre de Gusmão e a Colonização Açoriana 

Em 1740, um brasileiro de São Paulo, foi nomeado escrivão da puridade (secretário particular do Rei), Alexandre de Gusmão. Sua influência cresceu e ele praticamente passou a dirigir a política externa portuguesa neste período.

De formação racionalista e em consonância com o poderoso Marquês de Pombal, eis um antecedente do que virá a ser o Castilhismo, pode, assim, dar início ao seu plano de assegurar em definitivo as fronteiras do Brasil. Ao contemplar o estabelecimento de colonos nas províncias meridionais, preconiza uma nova forma de colonização, por intermédio de famílias que produzissem, sem mão de obra escrava.

As ilhas dos Açores sofriam um excesso populacional, o que já havia forçado a emigração de muitos. O recrutamento de colonos nessa região foi, portanto, uma solução para os açorianos e também para o governo português, que precisava povoar efetivamente o sul do Brasil. Quatro mil famílias deveriam ser mandadas, embora jamais tenha se chegado a essas cifras.

A Coroa ofereceu uma série de vantagens a esses colonos: passagem gratuita e todas as facilidades para o estabelecimento na nova terra. Cada família recebia um pequeno lote de terra, um mosquete (arma de fogo), duas enxadas, um machado, um martelo, duas facas, um podão, duas tesouras, um serrote, duas verrumas (furador), dois alqueires de sementes, duas vacas, uma égua, além de um fornecimento de farinha suficiente para u m ano. Os colonos cultivaram a terra, desenvolveram a cultura do trigo e da vinha e fundaram vilas. Uma delas, se estabelece à beira do Rio Guaíba, os primeiros sessenta casais que fundaram o 'Porto dos Casais', atual Porto Alegre. Assim, nas províncias meridionais do Brasil, formou-se um núcleo de população branca muito maior do que no resto da colônia.

Em 1746, quando começaram as negociações diplomáticas do que viria a ser o Tratado de Madrid, Alexandre de Gusmão já possuía os mapas mais precisos da América do Sul, que encomendara aos melhores geógrafos do Reino. Era um dos trunfos com que contava para a luta diplomática que duraria quatro anos (1750).

Alexandre compreendeu que a Coroa Espanhola jamais reconheceria Colonia do Sacramento como possessão portuguesa, porque lhes prejudicava o tesouro, ante o contrabando que afluía no rio da Prata. Além disso, descobrira-se ouro no Brasil, não era preciso entrar em conflitos por causa da prata de Potosí. Como compensação, já tinha em vista as terras convenientes à coroa portuguesa: os campos dos Sete Povos das Missões, Oeste do atual estado do Rio Grande do Sul, onde os portugueses poderiam conseguir grandes lucros criando gado.

E assim incrementou a imigração açoriana, entre 1748 e 1753, com um grande contingente que se estabelece do litoral de Santa Catarina ao Rio Grande de São Pedro, reforçando a presença portuguesa na região. Incentivando a "colonização por casais", constituída por famílias campesinas .

Esse tipo de migração foi totalmente original no conjunto de nossa colonização e só foi possível por não serem essas áreas produtoras de gêneros tropicais de grande valor comercial. No litoral sul, formaram-se pequenas propriedades em contraste com o restante do país.

Alexandre de Gusmão e os núcleos de colonização açoriana

Finalmente, em Madrid, a 13 de janeiro de 1750, firmou-se o tratado: Portugal cedia a Colônia do Sacramento e as suas pretensões ao estuário da Prata, e em contrapartida receberia os atuais estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (território das missões jesuíticas espanholas), o atual Mato Grosso do Sul, a imensa zona compreendida entre o alto Paraguai, o Guaporé e o Madeira de um lado e o Tapajós e Tocantins do outro, regiões desabitadas e que não pertenceriam aos portugueses se não fossem o tratado.

Foi meio continente assegurado a Portugal pela atividade de Alexandre de Gusmão. Para a região mais disputada, o Sul.

O tratado foi admirável em vários aspectos. Determinou que sempre haveria paz entre as colônias americanas, mesmo quando as metrópoles estivessem em guerra. Abandonou as decisões tomadas arbitrariamente nas cortes europeias por uma visão mais racional das fronteiras, marcadas pelos acidentes naturais do terreno e a posse efetiva da terra. O princípio romano de uti possidetis deixou de se referir à posse de direito, determinada por tratados, como até então tinha sido compreendido, para se fundamentar na posse de fato, na ocupação do território: as terras habitadas por portugueses eram portuguesas.

Entretanto o tratado logo fez inimigos: os jesuítas espanhóis, expulsos das Missões, e os comerciantes impedidos de contrabandear no Prata. 

Um novo acordo — o de El Pardo —, firmado em 12 de fevereiro de 1761, anulou o de Madrid. Mas as bases geográficas e os fundamentos jurídicos por que Alexandre tanto lutara em 1750 acabaram prevalecendo e, em 1777, aqueles princípios anulados em El Pardo ressurgiram no Tratado de Santo Ildefonso. A questão foi ainda objeto de novo tratado do Pardo, a 11 de março de 1778.

No final do século XVIII, quase todo o sul estava incorporado ao domínio português, predominando, no litoral, as pequenas propriedades agrícolas e, no interior, as grandes estâncias. Os açorianos reforçaram a presença portuguesa de Santa Catarina ao Prata, contribuindo para o predomínio da língua portuguesa sobre a castelhana. Com eles, foram criados núcleos de resistência à expansão espanhola proveniente do Prata. Além disso, introduziram seus costumes, artesanato, hábitos, diversões e religião, fortalecendo a cultura portuguesa no Continente do Rio Grande de São Pedro.


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Um comentário:

  1. Ótimo texto.
    Pouco se fala sobre os açorianos, na hora de se dizer porquê de o sul ser de maioria branca. A região já era majoritariamente européia antes mesmo da chegada dos alemães, italianos e eslavos. Por isso que há o contraste entre algumas partes do Paraná, de base paulista-mestiça, e o litoral catarinense e riograndense, habitados pelos açorianos. Digo pela família da minha mãe, tenho documentada uns 80% dela, e praticamente todos os antepassados vieram dos Açores, com alguns Madeirenses no meio.

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