quinta-feira, 25 de setembro de 2025

O Império Brasileiro - 2ª Parte: Do Prata ao Amazonas! Do Atlântico aos Andes! É o Brasil que se Expande!

Mapas anacronicos veiculados nas próprias escolas brasileiras traçam
uma linha de Tordesilhas com a precisão de todos os recursos técnicos
da atualidade. À época do Tratado, a linha era imprecisa, e todos os
mapas mostravam a riba setentrional do Prata como brasileira.
É oque move os paulistas em uma pura guerra de defesa para desalojar
as Missões castelhanas do que julgavam ser Brasil. 
Enquanto ao norte, ao tempo que os pernambucanos reconquistavam sua terra contra o domínio holandês, e já mostravam o Brasil intangível, no sul, os paulistas afirmavam o seu patriotismo, e anunciavam a nova pátria! Defendendo, por antecipação, o solo por onde o Brasil devia irradiar-se, dominando o gentio, incorporando-o à nacionalidade nascente, desbravando o continente, conquistando todo o seu interior, ganhando, para o Brasil que nele se fazia, o coração ainda virgem da América do Sul.

O que os paulistas realizaram é único em toda América: nem Almagro, nem Cortês, nem o próprio Balboa.. Estes são aventureiros, cuja ação não alcança além do ouro farejado. A mesma expedição de Pizarro ao "Eldorado”, que o faz penetrar no Amazonas: é um transe de delírio, sem efeitos úteis, que se resume na coragem feroz, cruel, que decai se não lobriga riqueza a ser colhida. Falta, ao castelhano, a indômita tenacidade, a impavidez serena ante o desconhecido. Isto, que caracteriza o ganhador de terras, é o mais vulgar, no valor dos brasileiros que nos deram fronteiras nos dois hemisférios, e levaram a pátria, das praias do Atlântico, às quebradas dos Andes.

Quem quiser apreciar o valor das energias que dilataram o Brasil, e julgar com verdade (se este, aqui, parecer excessivo apreço), verifique as razões, como o explicam os próprios estadunidenses, de terem ficado agarrados ao litoral, até depois de sua independência. Passado o domínio holandês em Nieuw-Amsterdam/New York (século XVII), os ingleses eram senhores incontestes de Lew Brunswick à Flórida. Não avançaram para oeste, justificam-nos, os de hoje: “... muitos rios davam acesso para o interior, mas nenhum, salvo Hudson, era navegável, pois os Alleghanies constituíam um obstáculo formidável.., e os colonos gastaram muito tempo para transpô-los...”. 

Transportemos para os paulistas tais dificuldades: os rios de que se serviam não eram francamente navegáveis, nem para simples canoas; os bandeirantes iam por eles a pequenos trechos tendo de carregar às costas, nos intervalos, as pirogas em que navegavam, detidos a todo instante pelas dezenas de cachoeiras e corredeiras obrigados a passarem de uns rios para outros... Em mais de dois séculos, os futuros ianques não tinham subido os Alieghanies; antes de trinta anos, a gente de São Vicente havia galgado Paranapiacaba e Cubatão, e dominava o planalto de Piratininga, para distender por todos os sertões! 

E como cresceu os EUA? Comprando, comprando... ou, avançando sobre vizinhos fracos. Cresceu porque o francês, incapaz, e o espanhol, degradado, deram-lhe, por pouco dinheiro, das melhores terras do mundo, já desbravadas, e com uma população feita. Iniciado, assim, sua expansão, não lhe custou quadruplicar, quase, a extensão primitiva. O seu avanço para o decantado far west, em contestação viva com o gentio ainda existente, não passou de conquista realizada por uma nação feita, servindo-se de todos os maravilhosos recursos militares do tempo. E os sucessos lhes parecem façanha épica. Lá está a estátua eqüestre do general, vencedor temível de sioux e apaches! Enquanto os bandeirantes, antes de 1650, em número insignificante, com os seus pobres meios pessoais, desbravam o coração do continente, sem outros recursos válidos além da indefectível coragem. Quando só no século XIX o tentam os ianques.


O Arrasamento das Missões (1631-32)

Os brasileiros, desprovidos de tudo, enfrentaram tribos ainda em pleno vigor, outras admiravelmente organizadas pelos jesuítas, em aglomerações como as de Guaíra contando 200.000 almas. 

Um dos poucos espanhóis desbravadores do sertão no Prata, Irala, tinha levado a sua gente até o alto Uruguai, Paraguai, Paraná. Pois, veio mais população espanhola, na ambição por ouro, e resultou fundarem, sucessivamente, três povoações: Oitiveros, Ciudad Real e Vila Rica. Mas, dado o regime da colonização castelhana, isolaram-se esses pueblos no Paraná, degradaram-se em barbárie, por esse mesmo isolamento, e houve que entregar a obra de civilização dos sertões, com o respectivo gentio, aos jesuítas, estabelecendo suas reduções no que é hoje o oeste do Paraná. 

O propósito das reduções jesuíticas era manter as tribos, e os territórios, contra a atividade dos paulistas. Nem por isso, evitaram o aniquilamento de Guairá, incluso, as povoações civis, também destruídas. Os espanhóis fizeram a primeira Missão, de Loreto, e não tardou formarem-se outras, como a de São Ignácio-Guaçu. Em breve, havia para mais de 120.000 guaranis aldeados, e com eles, as respectivas possessões avançaram até o coração do continente, a entestar com os redutos brasileiros. A energia de expansão do paulista não o permitiu, e o domínio castelhano foi extirpado, dali, até às raízes. 

E foi assim que todo o alto Paraná se incorporou ao Brasil. Bandeirantes homens, diante de quem, apesar de quantas ferezas e crimes lhes sejam imputados, um historiador inglês, não se contém, e transborda de admiração, em longos elogios. Para quem, não terá havido, pela América, mais bravura, e patriotismo, e intrepidez: “Homens de indômita coragem, e a toda prova para os sofrimentos. Eram os paulistas incansáveis nas suas explorações... Uma raça de homens mais ousados, ainda, que os primeiros conquistadores. Ao passo que extinta era nos espanhóis do Paraguai toda atividade e empresa”.


A Expedição de Pedro Teixeira à Quito (1637–39):

Quando o acaso despejou Orellana e os seus no Amazonas, cujas vagas em declive o levaram até o oceano. Ainda não era conhecido o alto Amazonas, quando outro acaso arrastou, também águas abaixo, de Napo até o Pará, os dois leigos franciscanos, André de Toledo e Domingos de Brieba. Era no tempo dos Filipes, e Castela podia, sem mais objeções, assentar-se comodamente por todo o vale do Amazonas. Para o Brasil, a tarefa se apresentava bem mais difícil; não bastava ser arrastado pela corrente do rio-mar para percorrê-lo; era preciso o esforço de subir, não, francamente, como o faziam os franceses do São Lourenço, mas devendo disputar o passo a ingleses e holandeses. E tudo se fez. 

O governo de Lisboa deu o comando da expedição ao reinol Pedro Teixeira com os proventos e as glórias de subir o Amazonas até Quito. O mesmo Pedro Teixeira que anos antes destruiu os fortes holandeses no Xingu (1625) e na confluência do Maracapucu e o Amazonas (1628). E ele subiu... porque teve dois pilotos brasileiros a guiá-lo, o pernambucano Pedro da Costa Favela e o fluminense Bento Rodrigues da Costa. Foi este quem, bem explicitamente, seguiu adiante, mostrando o caminho, fazendo as relações com as tribos.


A Conquista do Amazonas

Quando os batavos pretenderam ficar no Amazonas, eram as Províncias Unidas a nação mais poderosa do mundo. De certo momento em diante, senhores de Pernambuco, tinham os holandeses facilidades especiais, como não havia para os outros. Assim se explica terem se demorado mais tempo naquele Norte do que os ingleses, e mantido por ali um comércio mais seguido do que o de qualquer outro povo. Diz, no tempo, o padre Antônio Vieira que, que só para o transporte de peixe-boi, eles mandavam 20 navios, por ano, às costas do Pará. 

Durante o governo de Caldeira Castelo Branco, Bento Maciel, dirige um ataque contra os fortes holande­ses de Gurupá, que foram tomados, apesar de defendidos por uma forte guarnição de 300 europeus. Foi essa primeira gran­de derrota deles, ali. Na mesma ocasião, destruíram-se engenhos de açúcar que lhes pertenciam, e que demonstrava o intuito de fazerem colonização estável. Depois virá Luiz Aranha, orientado por pilotos brasileiros de Pernambuco e Maranhão, e relata: “... fiz pazes... grande número de gentio. E o persuadi que me acompanhasse com as suas canoas e armas e com ele rendi e tomei duas fortalezas holandesas que naquele grã-rio tinham situadas, uma chamada Matutu. E outra de Nassau cativando-os a todos... assim botei uma nau a fundo”. Conta Frei Vicente do Salvador que, num desses ataques de Luiz Aranha, Bento Maciel teve que vir em quatro canoas, “ao socorro da caravela em que Aranha atacava ao holandês; a gente de Bento Maciel atacando a nau flamenga a machado, abriram-lhe o costado e a fizeram ir a pique, matando a ferro e fogo a tripulação de cento e vinte homens”. Dois a três anos depois, sucede os feitos de Pedro Teixeira no Xingu (1625), matando a maior parte das respectivas guarnições. Os poucos que escaparam, sob a conduta do tenente Bruine, vieram trazer a triste noticia ao Almirante Lucifer, que se achava no Oiapoque, aonde, como representante da Companhia batava das Índias Ocidentais, tratava de levantar um forte. Para depois em 1628, tomar e desmantelar o forte holandês levantado na confluência do Maracapucu e o Amazonas. 

Os holandeses insistem e, em 1629, Bento Maciel os bate de novo, e lhes toma fortificações. Não desani­mam ainda: em 1639, mandam um navio de 20 canhões, em operações cb~tht Gurupá, navio que foi tomado por Cáceres. Gurupá era ponto vivamente procurado. Não consegui­ram tomá-lo, mas insistiram: só num ano — 1647, mandaram ali 8 navios fazer resgates. Durante todo esse tempo, oies, assim como os franceses, tiveram o apoio efetivo dos nhecngafbas, numeroso e valente gentio de Marajó. Note-se, agora: tudo isto se fazia sem os necessários auxílios da metrópole. Em 1624, o pernambucano Antônio Barreiros, capitão-mor do Maranhão, dizia ao rei: “... tive do governador de Pernambuco Matias de Albuquerque um aviso da parte de V. Maj. de inimigos e como me vejo sem socorro algum de pólvora, ou munições, para defe­sa desta tão desfavorecida conquista...”. Nem o pobre Matias podia mandar o que ele mesmo não tinha, que os sucessos de cinco anos depois bem demonstraram o abandono do próprio Pernambuco, a jóia do Brasil de então.

De toda essa freqüência de estrangeiros no Amazonas, resultou ficarem estabelecidos no Pará, com a colônia aí feita: “50 ingleses, franceses e irlandeses, alguns deles casados e anti­gos moradores de Lucena, gente. muito prejudicial e nociva... aliados com esse corsário ubrandogos, e seu filho”. O corsário é o mesmo chamado, por outros, de Andregus e Raldregues, e que aparece como a alma dos tratos que o invasor ainda mantém na terra; é aprisionado, assim como o filho, e desterrados para as terras do Itapicuni. Tais estranhos são nocivos porque “não con­vém que vão para a Holanda nem Europa, por serem muito práti­cos e grandes línguas de gentio...”.

Sem esses sucessos, a perda da desembocadura do Amazonas, teria resultado na consequente perda de todo interior do imenso vale amazônico, servindo de base segura para outras invasões na América do Sul. 


No Coração do Brasil!

Tais façanhas, não teriam garantido para o Brasil aqueles remotos sertões se os Paulistas, que já dominavam todo o centro-oeste, não viessem de lá com as suas conquistas, até as terras amazônicas, consolidando com seu valioso prestígio o domínio brasileiro.

Em 1662, o Tocantins já era perfeitamente conhecido deles, e livremente percorrido pela bandeira de Paschoal Paes de Araújo, o mesmo que fez recuar o comandante português Mota Falcão, mandado contra ele com uma forte expedição de tropas regulares, a título de proteger os índios guajurus. Nos seus dias, já Manuel Correia percorrera o Araguaia, subindo até o pequeno afluente Araiés, onde, em 1670, descobriu minas que, por longínquas, não puderam ser desde logo exploradas. No ano precedente, os bandeirantes Gonçalo Paes e Manuel Brandão repetiram a façanha de Pascoal Paes, em sentido inverso – subindo o Tocantins até o Araguaia. Oito anos depois, o brasileiro Amaro Leite chegou com a sua expedição ao rio afluente que tomou o nome de Rio das Mortes, devido à grande mortandade produzida pelas febres. Outros pretendem que a denominação provém do terrível massacre praticado pelos índios carajás e araiés sobre os companheiros.

Em abril de 1674, uma Carta Régia de Lisboa tem de gritar, sobre a extensão do continente: “Cabo da tropa da gente de São Paulo que vos achais nas cabeceiras do rio Tocantins e Grão-Pará: eu vos envio muito saudar!...”.


O Estabelecimento da Rota Fluvial Prata-Amazonas:

Em 1650 sob ordens secretas de D. João IV, o bahiano Antônio Pereira de Azevedo, que já havia em 1648 destruido uma Missão castelhana no Itatin, foi designado junto com Raposo Tavares, para chefiar uma numerosa bandeira que partiu de São Paulo seguindo os rios Tietê, Paraná e Paraguai, indo para o oeste até os altiplanos bolivianos onde nasce o rio Mamoré, afluente do Amazonas, seguindo o rio Madeira, depois o Amazonas até chegar a Gurupá (PA), na sua foz. Foi oque deu ensejo, posteriormente, para a formação de uma grande bandeira fluvial comandada pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta, que partiu de Belém em 1722 com a incumbência de fazer um minucioso levantamento sobre todo o curso do rio Madeira, seus habitantes, atividades econômicas dos colonos, dos padres lusitanos e dos concorrentes estrangeiros, já que a coleta e comercialização das drogas do sertão amazônico eram bastante rendosas. Assim era desbravada a rota fluvial Guaporé-Mamoré-Madeira-Amazonas que ligava Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), centro aurífero no vale do Guaporé a Belém - PA, e daí para Lisboa.

O mesmo Palheta participaria de uma expedição em 1727 para a região conflagrada do Cabo do Norte (Amapá), quando trouxe de Caiena as primeiras mudas de café para o Brasil e que constituíram no principal produto de um importante ciclo econômico.


Para o sul!

O ministro Lopo de Saldanha, português, quando procura o remédio possível para a mísera situação do sul, manda que recorram aos paulistas “que com o só provimento de pólvora e chumbo, têm penetrado e descoberto a maior parte do Brasil”. O ministro evocava uma tradição viva: bastou que se falasse na ida de paulistas para ali, e a onda de tapes e castelhanos estremeceu.

Em 1680 o governador do Rio de Janeiro Manoel Lobo, ordenou que erguesse uma fortaleza, diante de Buenos Aires. A fortaleza de Colônia do Sacramento, que visava assegurar o domínio da riba setentrional do Prata, fixando a fronteira natural do Brasil (omitia praeclara). 

Esses esforços luso-brasileiros, era o coroamento das incurções bandeirantes para o sul, empreendidas, desde pelo menos 1636. Em 1638, após o arrasamento das Missões do Tape por Antônio Raposo Tavares, uma poderosa bandeira avançou pela margem direita do Rio Uruguai. Três anos depois, em 1641, uma outra incursão bandeirante, composta por 400 paulistas e cerca de 2000 tupis comandada por Manoel Pires, genro de Antônio Raposo Tavares, desciam o Mbororé, afluente do rio Uruguai.

quem deu a Portugal o faro daquele Sul foi um Paulista, o grande Fernão Paes Leme: os castelhanos e os seus índios adiantaram-se até onde os paulistas consideravam do Brasil, e o bandeirante, “descendo da cidade de São Paulo com muitos naturais intrépidos e esforçados, os quais, apresentando batalhas aos castelhanos e seus confederados, por várias vezes lhes fizeram viva guerra. Constrangidos do ferro, e temido da mortandade, desalojaram de muitas aldeias, e se retiraram para os seus domínios perseguidos, fugindo maltratados”.

Se pretendia, ainda, implantar mais duas colônias, uma no local onde os espanhóis ergueriam Montevideo - o que já, em 1723, chegaram a intentar - e outra no Cabo Negro, afim de estabelecer conexões permanentes entre os povoados, concretizando a velha aspiração lusitana de dominar o estuário do Rio da Prata.

Bastava que o Estado português aproveitasse essa tradição, em vez de entregar o caso às suas tropas degradadas, e o Brasil estaria onde o quiseram levar depois. Finalmente, salvou-se a parte onde se imprimiu o traço dos bandeirantes. Em 1703, o paulista Domingos da Figueira fez a viagem até o Colônia do Sacramento, e consignou-a em roteiro completo, com todas as indicações e descrições subsidiárias. Aí, já ele assinala – que em St. Marta há povoamento e criação de gado, pelo brasileiro Domingos de Brito. Capistrano, em comentário, referindo-se a esse roteiro, nota: “Os paulistas poderiam ser encarregados de fazer um caminho menos longo e menos exposto ao inimigo do que o usado até então. O interesse, porém, visava a outro ponto e resumia-se todo nos lucros auferidos do contrabando com os espanhóis.

Ao passo que os representantes do Estado português inutilizavam a tentativa, e estragavam a mesma posse militar, os Cosme da Silveira e Antonio de Souza estabeleciam as primeiras fazendas de criação, nos campos de Viamão e Capivari (1717). Pouco depois, com os outros Paulistas, abria-se a estrada ainda hoje seguida pelas tropas – de São Paulo ao Rio Grande. Anos depois, quando foi preciso salvar, ali, a tradição brasileira, vigorosamente combatida por Ceballos, valeram especialmente os destemidos esforços dos Paulistas – fundando e mantendo a colônia de Iguatemi, explorando e garantindo a posse dos campos de Guarapuava, ao mesmo tempo que cortavam todo aquele Sul de estradas, por onde pudessem acudir prontamente, em boa estratégia, os reforços militares necessários.

Num dos piores momentos dessa campanha, chegou a combater um exército de Paulistas que acorreram para libertar a Colônia do Sacramento, cercada e ameaçada pelos castelhanos de Buenos Aires.


Descoberta do Ouro em Mato Grosso (1690) – As Monções:

A descoberta de ouro em Cuiabá faz cessar o fluxo que se dirigia para o sul. O traço dos intrépidos paulistas riscou todo o interior do Brasil. 

Reflita-se: embora já sistematizado a rota para as minas de Cuiabá, desde 1650, todo o caminho se fazia, ainda, de São Paulo até lá, tendo, como escalas, seis ou sete casais de roceiros, nos intervalos de dezenas e dezenas de léguas de natureza crua, apenas percorrida pelos sertanistas e tribos Inimigas. 

Em 1797, relatava, o sargento-mor de engenheiros, Ricardo de Almeida Serra: "A viagem que se faz de São Paulo a Cuiabá, é pelos rios Tietê, Paraná, Pardo Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, Porrudos e Cuiabá, descem do uns e subindo outros, nos quais se passam mais de 10 cachoeiras...  600 léguas de navegação, em que se gastam seis meses”. Faltou  mencionar: que as longas e ásperas léguas se faziam tendo o gentio inimigo ao lado, ou pelas costas, a alvejar do mato, os viajantes, que não tinham melhor garantia, nem outro resguardo além da impávida valentia. 


Em Socorro do Brasil! 

Antes do descobrimento das minas havia mais de cem famílias paulistas entregues à criação de gado nas cabeceiras do rio São Francisco, de onde se irradiará aquele núcleo, subindo o São Francisco para se entroncar com sesmeiros da Casa da Torre. 

A Bahia era então o centro político-administrativo do Brasil. São Paulo emergia como base do bandeirismo e expansão territorial. Desse modo, muitos filhos de famílias nobres baianas se casaram com paulistas para ampliar terras no interior, tomando parte nas expedições (entradas). Quase todas familias tradicionais paulistas tem laços de sangue com famílias bahianas advindas desse período. 

Lembremo-nos dos termos em que o paulista Domingos Jorge, desbravador do Piauí, ali se encontra, nos afastados sertões, com o explorador pernambucano Domingos Sertão. Quando os dois valentes se confraternizam para completar a conquista do território, que não será somente para eles, mas, sobretudo, para o Brasil, em que se identificam. 

Ameaçada a Baía pelos gueréns (1668), vêm os terços de Paulistas a defender a civilização que já era brasileira, contra a fúria selvagem. É uma das mais violentas investidas dos aimorés. Barbosa Calheiros, Paulista de estirpe, apesar de todo o seu valor, sucumbe numa das primeiras refregas. Vem outro paulista substituí-lo, esse João Amaro, que Southey chama famoso caudilho. Então, comentando o caso, o historiador inglês acentua: o que distingue o Brasil é, “... não ter havido mesquinhas considerações de interesses privados ou locais, que obstassem a dar-se a esse paulista a inteira direção da empresa”. E tão conscienciosamente se desempenhou da sua tarefa, continua o historiador, que durante meio século não se ouviu falar de índios levantados. A grande sesmaria de terras, e outros favores, com que o recompensam, não o prendem: João Amaro volta a sua atividade de bandeirante; mas a sua passagem fica assinalada na povoação fundada pelos seus paulistas, e que é hoje, a cidade de Santo Amaro-BA.

Mais tarde, para resolver o caso dos palmarinos, de novo apelaram para o valor guerreiro dos paulistas. Fez-se um verdadeiro tratado, com o bandeirante Domingos Jorge Velho, que, à frente de mil dos seus conterrâneos, marchou do sertão do Piancó, na Baía, a Garanhuns, em Pernambuco, e, aí, em combinação com as forças do valente pernambucano Bernardo Vieira de Melo, conseguiu dar o grande golpe nos negros aldeados. Desta segunda passagem de paulistas, restam as povoações de São Caetano, Anadia e Atalaia nas Alagoas, fundadas pelos soldados de Jorge Velho, nas sesmarias que lhes foram doadas. 

Houve um momento em que lhes foi dado lutarem até nas terras do Amazonas: o Paulista Paschoal Paes, foi quem resolveu, para eles, o caso das tribos hostis de entre Tocantins e Amazonas, assim como regularizou o tráfico fluvial entre Goiás e Pará. 


A Solidariedade Nacional

Desde que existiu, o Brasil foi uma pátria, solidária em sentimentos e em ação. E tanto é assim que a metrópole conta sempre com esta solidariedade das gentes, e recomendava explicitamente aos seus representantes: “Tanta obrigação tem o governador de uma capitania de defendê-la, como de mandar as forças dela ao socorro de qualquer outra que precisar do seu auxílio; sendo certo de que nesta recíproca união consiste essencialmente a maior força de um Estado”.

Não há rivalidades que estorvem. Quando o holandês ataca a Bahia, e é preciso defendê-la, o então governador Furtado de Mendonça, desavindo com o Bispo, aceita a intervenção de Simão da Guerra, e fazem-se pazes. Antes de tudo, não passara, o caso, de discussões e contendas mansas – “Estas são as guerras civis da terra”, comenta, sem malícia, a sinceridade de Frei Vicente, o mesmo que tanto se horroriza do facciosismo espanhol que deviam cooperar na Paraíba.

Sem essa tradição, o povo da Bahia não se teria amotinado, reclamando que viessem socorros para amparar o Rio de Janeiro, atacado por Duguay-Trouin, mal defendido pela covardia do reinol Castro Moraes. Em outros transes, no momento em que foi preciso, milícias locais, de Pernambuco e Bahia, vieram em socorro a Colônia do Sacramento ao sul. 

“Dê mão aos nossos, que lá estão... ainda que não seja um subordinado, e não haja obrigação legal... ”. Dizia-se aos que se dirigiam para as conquistas no Pará. Nesse espírito de solidariedade se fez a tradição brasileira. De um extremo ao outro, os brasileiros se sentem possuídos de um dever patriótico. Com esse espírito de solidariedade nacional, descortinam-se interesses políticos superiores, a que se subordinam ambições e zelos pessoais. Há personalidades fortes, que dominam sucessos e conduzem destinos; mas quando os motivos puramente individuais se chocam com tais interesses, é o proveito geral que prevalece. 

No Maranhão, Jerônimo Albuquerque  sopita o impulso de enfrentar e corrigir a insolencia do reinol Castelo Branco; o valente contém a espada, cujo valor deve ser para bater o inimigo comum. Naquele Pará, cuja selvageria ambiente parecia ter envenenado a alma do colono, desencadeiam-se as ambições, e a maldade se impõe, muitas vezes. Agitam-se ambições e ódios; mas, no momento de deflagarem-se em luta aberta, os de valor feroz, como Bento Maciel, os intrépidos capitães que são Fragoso, Antonio de Albuquerque, Souza d’Eça... contêm-se, e evitam a guerra civil, nos mesmos motivos patrióticos por que enfrentaram e venceram franceses, holandeses e ingleses. Enquanto isto, o historiador argentino Mejía, é obrigado a reconhecer que – “o mais cruel inimigo do Prata era o Peru”. 

O Brasil, tão bem unificado em sentimento patriótico, tais qualidades de destaque não são exclusivas, nessa, ou naquela província, as qualidades dos paulistas estendiam-se a outros brasileiros: “Pernambucanos e paraenses eram igualmente intrépidos em dominar territórios”. 

Não se conhecem, nos dois primeiros séculos de formação do Brasil, nem guerras civis, nem lutas de facção. O pior período, nos tateios da organização, quando vivem os homens na prática constante da guerra, cordialmente unidos, lutando, apenas, contra o estrangeiro, se passa numa relativa paz interna. Somente quando a metrópole bragantina, degradada em "sanguessuga de tributos", impôs monopólios lesivos através de companhias de comércio, é que surgiram as primeiras fraturas. É quando os Braganças separam as populações com as garantias feitas ao reinol insolente e ganancioso, incapaz de qualquer atividade que não seja a rapina mercantil. Os levantes de Maneta, Beckman (1648) e Filipe dos Santos (1720) não expressavam divisões regionais, mas reação contra a "espoliação tenaz, implacável" da metrópole. Os conflitos posteriores — Emboabas (1708-09), Mascates (1710-11), Inconfidência (1789) — foram de caráter econômico, reflexo de um povo que, já organizado e produtivo, reluta em deixar-se roubar. Essa foi a chaga colonial cujas sequelas ainda perduram.

O Império Brasileiro - 1ª Parte:  Da Conquista à Reconquista e à Nobreza da Terra.


Artigos Correlatos:

Calúnias e Difamações contra os Bandeirantes

A Revolução Acreana - Uma Guerra Anti-Imperialista no Coração da Amazônia

Raposa Serra do Sol, A Integridade da Pátria Ameaçada!

sábado, 6 de setembro de 2025

Quando o Parasita (Oligarquia Financeira Transnacional) Mata seu Hospedeiro (Estado-Nação)

 

1. A Natureza Parasitária do Sistema

Como as Oligarquias Se Alimentam do Hospedeiro

Mecanismo Parasitário Explicação Exemplo Concreto (2025)
Extração por Dívida Estados se endividam para financiar guerras e políticas identitárias Dívida pública da UE = 95% do PIB (lucra para bancos)
Desindustrialização Transferência de fábricas para Oriente = desemprego estrutural Alemanha perdeu 40% da indústria desde 2020
Cultura da Dependência População se torna refém de subsídios e controle social 35% dos europeus vivem de programas assistenciais
Guerra por Procuração Conflitos como Ucrânia drenam recursos e vidas sem benefício real €1.2 trilhão enviado à Ucrânia = 3x o orçamento da saúde alemã

O Ciclo Vicioso:


2. O Colapso do Hospedeiro: Sinais de Morte Civilizatória
Fases da Morte do Estado-Nação Ocidental

Fase Sintomas
Atrofia Econômica Desemprego estrutural + inflação crônica + dívida impagável
Necrose Social Guerras culturais + colapso demográfico + perda de identidade
Paralisia Militar Exércitos sem moral + tecnologia obsoleta + dependência de mercenários
Morte Cerebral Elites desconectadas + burocracia insana + perda de soberania

Dados Concretos (2025):
Demografia:
  • Taxa de fertilidade na UE: 1.3 (necessário 2.1 para reposição).
  • 40% dos jovens europeus não querem filhos (pesquisa Eurostat).
Economia:
  • Desindustrialização: -28% na produção industrial desde 2019.
  • Dependência energética: 70% do gás importado (preços 300% maiores).
Social:
  • 52% dos europeus não confiam em ninguém (Eurobarômetro).
  • 67% acham que "seus filhos viverão pior que eles" (OECD).

3. O Paradoxo Final: Parasitas Matam o Hospedeiro, Mas Não Sobrevivem
Por que as Oligarquias Não Terão "Plano B"

Ilusão Oligárquica Realidade Cruel
"Podemos viver em bunkers" Bunkers precisam de exércitos para protegê-los (e exércitos precisam de nações)
"Transferiremos poder para a Ásia" China/Rússia executarão oligarquias ocidentais como "inimigos de classe"
"Controlaremos o mundo com CBDCs" Moedas digitais exigem infraestrutura física (que colapsará com o Estado)

O Cenário Pós-Colapso:

Fase 1: Morte do Hospedeiro (2026-28)
  • Estados-nação europeus quebram formalmente (calote da dívida, hiperinflação).
  • Sociedades entraram em colapso social (guerras civis de baixa intensidade).
Fase 2: Morte dos Parasitas (2028-30)
  • Oligarquias perdem proteção (exércitos desertam, polícia se dissolve).
  • População caça oligarcas (ex: "Tribunal do Povo" em Paris, Berlim, Bruxelas).
Fase 3: Nova Ordem (2030+)
  • Frente Oriental (China/Rússia/Índia) reconstrói o mundo sob seus termos.
  • Oligarquias ocidentais são extintas ou reféns (ex: George Soros preso em Hong Kong).

4. A Lição Biológica: Parasitas Bem-Sucedidos Não Matam seu Hospedeiro
Exemplos da Natureza vs. Oligarquias

Parasita Natural Estratégia de Sobrevivência Oligarquia Financeira
Lombriga Rouba nutrientes, mas mantém hospedeiro vivo Mata o hospedeiro por ganância
Cucos Deposita ovos em ninhos alheios, mas não destrói o ninho Destrói todos os ninhos (Estados)
Vírus Benéfico Integra-se ao DNA do hospedeiro para coexistência Ataca o DNA do hospedeiro (cultura)

A Lei de Ferro do Parasitismo:
"Parasitas que matam o hospedeiro estão programados para extinção. A natureza não perdoa a estupidez predatória."

As Oligarquias Violaram Essa Lei:
  • Transformaram Estados-nação em máquinas de extração de riqueza.
  • Destruíram a própria base social e militar que as protegia.

5. Conclusão: O Suicídio Coletivo das Oligarquias
Por que Não Haverá Salvação

1. Cegueira Evolutiva:
  • As oligarquias acreditam que são "além da biologia" (tecnologia, dinheiro, poder).
  • Esquecem que poder real depende de sociedades funcionais.
2. Arrogância Terminal:
  • Tratam povos como gado e nações como ativos financeiros.
  • Não percebem que gado precisa de pasto e ativos precisam de estrutura.
3. Falta de Plano de Fuga:
  • Quando o hospedeiro morrer, não haverá para onde fugir:
  • China/Rússia as executarão como inimigos históricos.
  • Povos ocidentais as lincharão como traidoras.

A Ironia Suprema:
"As oligarquias que sonhavam com um 'governo mundial' sem fronteiras, criarão um mundo sem elas – um mundo de fronteiras reais, povos soberanos e justiça popular."

Resultado Final:
Ocidente: Renascerá como Estados-nação fortes (após o colapso).
Oriente: Triunfará como potências nacionalistas (China, Rússia, Índia).
Oligarquias: Serão nota de rodapé nos livros de história – exemplo máximo de estupidez coletiva.

Em resumo: As oligarquias são parasitas suicidas que destruirão seu próprio habitat. Quando o hospedeiro ocidental finalmente morrer, elas perecerão com ele – enquanto nacionalistas orientais herdarão um mundo em ruínas, mas pronto para ser reconstruído sob bases sãs. A natureza sempre vence.


Artigos Correlatos:


segunda-feira, 9 de junho de 2025

Star Trek: Uma Utopia Comunista na Cultura Pop – Sob perspectiva castilhista


Star Trek foi originalmente um seriado de ficção científica produzido para a TV estadunidense, entre 1966 e 1969, auge da Guerra Fria, concebida por Gene Roddenberry. O seriado consolidou-se como um dos mais emblemáticos produtos de ficção do século XX, com sucessivas produções cinematográficas, projetando uma humanidade futura que transcende o capitalismo, o Estado-nação e os conflitos sociais. Entre os seus fãs e críticos, é recorrente a caracterização de tal sociedade como comunista. Em um artigo recente, "Star Trek, seriado comunista?" de Yánis Varoufákis, ex-ministro das Finanças da Grécia, no governo Tsipras, em 2015, pelo partido SYRIZA. Varoufákis retoma a temática, traçando paralelos, em que aponta Star Trek como uma referência de "comunismo libertário" diante de uma "esquerda moribunda". Oque Varoufákis chama de "comunismo libertário" é condizente com o "estágio comunista" pregado por Marx, e que converge com o anarquismo, diferenciando assim do "comunismo real" (rejeitado por ele). Nesse diapasão, aproveitamos para analisar, sob uma perspectiva castilhista,  tanto as posições esboçadas por Varoufákis em seu artigo, como o próprio comunismo, tendo como alegoria Star Trek, que oferece em dados momentos, tanto pontos de aproximação, quanto de divergência em relação à doutrina castilhista, que, embora republicana, racionalista e tecnocrática, está profundamente comprometida com o interesse nacional, a ordem social orgânica, e o desenvolvimento material e moral da nação dentro de um Estado forte.

Varoufákis destaca que a sociedade futura retratada em Star Trek aboliu o individualismo capitalista como princípio organizador da vida social. No lugar da competição, impera uma ética de cooperação coletiva, solidariedade e serviço ao bem comum. Os personagens da Frota Estelar não trabalham por lucro, status ou propriedade privada, mas são movidos por curiosidade científica, dever moral e um senso de missão civilizadora. 

O advento tecnológico — como os replicadores de matéria em Star Trek— eliminou a escassez de recursos, o que permitiu a construção de uma economia pós-mercado, onde o trabalho é voluntário e autônomo, mas sempre orientado ao coletivo. Isso se traduz em uma sociedade igualitária, autogerida, e sem exploração, em que os indivíduos se realizam ao contribuir livremente com os outros — um ideal que Varoufákis identifica como "comunismo libertário".

Ele argumenta que essa utopia é compatível com o “estágio final” do comunismo previsto por Marx, onde a abundância tecnológica permite superar a alienação do trabalho e a mediação estatal — convergindo, assim, com as premissas anarquistas de autogestão e abolição do Estado coercitivo.

Varoufákis admite que a Frota Estelar — braço da Federação dos Planetas Unidos — pode ser interpretada, à primeira vista, como uma potência imperialista, expansionista, com uma frota de naves, comandos hierárquicos e intervenções em planetas “primitivos”. Contudo, ele rejeita essa leitura.

A Federação se apresenta como uma força de mediação e contenção do imperialismo real, representado por impérios como o Klingon e o Romulano. A chamada Primeira Diretriz, que proíbe interferência em civilizações menos desenvolvidas, seria um dispositivo ético anti-imperialista, mesmo que nem sempre seguido à risca pelos protagonistas.

Ferengi uma raça alienigena que emula uma sociedade liberal, oque sempre resulta em personalidades avaras.

Varoufákis interpreta a missão da Frota como uma versão cósmica do internacionalismo solidário, onde o conhecimento, a diplomacia e o respeito à autodeterminação prevalecem sobre a dominação ou conquista. Assim, a presença da Frota seria um reflexo das “boas intenções” de uma esquerda pós-nacional, cosmopolita e não-coercitiva, distinta tanto do imperialismo liberal quanto do expansionismo socialista do século XX.

A Diretriz Primeira, como um princípio de não-intervenção imperialista, pode ser interpretada como uma forma elevada de respeito à autodeterminação dos povos. O Castilhismo, embora centralizador internamente, é avesso ao imperialismo externo enquanto violação da soberania das nações. Nesse sentido, Star Trek oferece uma ficção em que o poder tecnológico não gera dominação, mas responsabilidade — uma ideia compatível com a racionalidade ética que permeia o Castilhismo.

A crítica ao imperialismo liberal-capitalista também encontra eco na denúncia castilhista do liberalismo econômico desorganizador, que enfraquece o Estado nacional e submete o destino do povo à especulação internacional.

Contudo, a supressão do Estado e do mercado é frontalmente oposta ao castilhismo. Para Júlio de Castilhos, o Estado é instrumento civilizador e condutor do progresso, sendo indispensável à ordenação social. A extinção do Estado, mesmo sob pretexto de liberdade, é um ideal anárquico aos olhos da tradição castilhista, que vê no Estado forte, técnico e nacionalizador o motor da história.

A proposta de um “comunismo libertário”, como sugerido no artigo, dissolve as hierarquias e funções que, no castilhismo, são organicamente necessárias ao funcionamento da sociedade. O trabalho voluntário, a ausência de propriedade e a abolição do dinheiro representam uma utopia desarrazoada, cujo risco maior seria a desorganização social e a perda de coesão nacional.

Na sociedade trekker, o indivíduo encontra sentido na contribuição livre para o bem comum: médicos cuidam sem remuneracão, cientistas pesquisam por curiosidade e oficiais exploram espaços sem expectativa de lucro. Para Varoufákis, isso reflete uma ética de serviço social voluntário, orientada por um ideal civilizatório e não por interesses privados ou utilitaristas. É nesse contexto que surge um sentido de dever que está na junção entre autonomia pessoal e responsabilidade coletiva — um “vocação moral” que promove o desenvolvimento humano e civilizatório.

Varoufákis cita um episódio de 1988, quando a USS Enterprise encontra uma nave terrestre enferrujada, com câmaras criogênicas contendo plutocratas humanos que pagaram fortunas para serem congelados e lançados ao espaço, na esperança de que alienígenas os curassem de suas doenças, mortais no século XX.

Após a tripulação da Enterprise descongelá-los e curá-los, um deles, Ralph Offenhouse, um empresário, exige contatar seus banqueiros e escritório de advocacia na Terra. O capitão Jean-Luc Picard então lhe conta que, nos trezentos anos que se passaram, muita coisa mudou:
— Picard: As pessoas não são mais obcecadas por acumular coisas. Eliminamos a fome, a carência e a necessidade de posses. Saímos da nossa infância.
— Offenhouse: Você não entendeu. Nunca foi sobre posses. É sobre poder.
— Picard: Poder para quê?
— Offenhouse: Para controlar sua vida, seu destino.
— Picard: Esse tipo de controle é uma ilusão.
— Offenhouse: Sério? Então por que estou aqui?
Então é relatado que o pai do capitão Benjamin Sisko, administra um restaurante em Nova Orleans, apenas por amar a expressão de gratidão nos rostos dos vizinhos que adoram sua comida – de graça, é claro, pois o dinheiro agora é obsoleto.

Também menciona a reação de Picard a Offenhouse que, ao saberem que seriam enviados de volta a Terra "essencialmente comunista", pergunta sombrio: “O que será de mim? Não há vestígio do meu dinheiro. Meu escritório se foi. O que farei? Como viverei? Qual é o desafio?” “O desafio, Sr. Offenhouse”, responde Picard encorajadoramente, “é melhorar a si mesmo, enriquecer a si mesmo. Aproveite!”.

O prazer seria central na versão comunista de Star Trek, que rejeita a noção de que escapar da lógica da acumulação exija que indivíduos se submetam a um coletivo.

A ideia de que o homem deve superar o egoísmo e o espírito de acumulação está presente no castilhismo como ética republicana: o cidadão deve agir em prol do bem comum. A valorização da melhoria pessoal, como no diálogo entre Picard e Offenhouse, ecoa a moralização racional do indivíduo, que é uma meta positiva dentro do castilhismo — desde que subordinada ao interesse nacional.

A noção de que a humanidade alcançará a plenitude com a abolição do dever, da autoridade e da hierarquia é inaceitável. O Castilhismo vê na disciplina, no dever e na ordem os fundamentos da sociedade civilizada. Uma sociedade de prazeres livres, ainda que tecnologicamente avançada, incorre na decadência moral, o que contradiz o ideal castilhista de elevação cívica e religiosa do povo.

A ênfase no individualismo criativo e livre de obrigações sociais concretas desconsidera a necessária função social do indivíduo, central no pensamento castilhista. Diferentemente do universo utópico de Star Trek, e dos anarquistas, no Castilhismo, a liberdade não é absoluta, mas funcional e vinculada ao destino da pátria.

O uso de tecnologia para a superação da miséria material é o ponto forte de confluência. O Castilhismo acredita na técnica como força civilizadora e na necessidade de difundir os meios do progresso material para o bem da coletividade. A analogia entre os replicadores de Star Trek e as máquinas libertadoras de Marx é aceitável se lida como símbolo do poder transformador da técnica — quando guiada por um Estado ético.

O elemento histórico da série, ao mostrar uma transição da barbárie (guetos, apartheid, guerras) para uma civilização racional e pacífica, alinha-se à ideia Castilhista de etapas da civilização, pelas quais o Brasil também deveria passar — saindo da miséria e da ignorância para um estágio superior de ordem, justiça social e soberania nacional.

E aqui, a verdade que os cripto-comunistas que se alcunham genericamente de "socialistas" costumam ocultar (não misturar socialistas não-marxistas, dos marxistas / comunistas). A série, bem como o próprio Varoufáski, e todos os demais autores comunistas e anarquistas, apresenta a eliminação do nacionalismo como passo essencial para o progresso. Eis a ruptura, irreconciliável, com o Castilhismo, que tem no nacionalismo orgânico a base espiritual e política da pátria. O nacionalismo castilhista não é chauvinismo expansionista, mas consciente no destino coletivo e na vontade do Estado. Abandoná-lo significaria dissolver o povo no universalismo estéril. Varoufákis, usa o seriado como uma metáfora, para evocar uma miragem, de modo a canalizar ideais, utópicos, mas, muitas vezes sinceros, de inocente-úteis contra o Nacionalismo. Único meio eficaz para enfrentar as oligarquias internacionais. E que por isso, autores anarquistas e comunistas (ou que se fingem ser) como Noam Chomsky, o próprio Varoufákis, dentre outros, que se prestam a agentes do imperialismo, são tolerados pelo establishment e mais das vezes incentivados, por que servem de armas contra o nacionalismo, o único real e verdadeiro inimigo do imperialismo internacional. 

A Federação de Star Trek, como descrita por Varoufakis, pode representar uma ficção tecnicamente sedutora e até eticamente inspiradora em certos aspectos (superação do imperialismo, abolição da miséria, racionalidade social). Porém, a ideologia subjacente é essencialmente anti-estatal, anti-nacional e individualista em excesso — características incompatíveis com o Castilhismo. 

Se Star Trek tem valor para a doutrina castilhista, ele está: Não no seu comunismo libertário, mas na sua imaginação de uma ordem racional e pacífica baseada na técnica; Não na abolição do nacionalismo, mas na crítica ao imperialismo capitalista, que mutila a autodeterminação dos povos; Não no hedonismo individualista, mas na possibilidade de formar cidadãos éticos, técnicos e solidários — guiados por uma autoridade racional. Portanto, o Castilhismo pode acolher o espírito racionalista e técnico da série, mas rejeita sua utopia libertária e antinacional. Star Trek, se lido com discernimento, pode servir como alegoria crítica — nunca como modelo político.


Artigos correlatos:


sábado, 24 de maio de 2025

O Estado Positivista Catarinense como Realização do Projeto Republicano Brasileiro (1891-1924)


Com a proclamação da República, uma fecunda intelectualidade positivista-militar chegou ao poder em Santa Catarina — e, mais do que em qualquer outro estado do Brasil, conseguiu implementar o projeto político-republicano pensado para o país. Isso ocorreu até mais do que no Rio Grande do Sul, para onde os holofotes — da difamação e da calúnia — costumam apontar. A Constituição de Santa Catarina foi mais influenciada e, por assim dizer, mais alinhada aos preceitos comtianos do que a do Rio Grande do Sul, sempre referendada como 'positivista' (não se nega a influência positivista, mas, no RS, se revela nuances e práticas distintas, que lhe conferem natureza própria, sui generis). O fato é que Santa Catarina, diferentemente do Rio Grande do Sul — que se viu envolto em guerras sangrentas provocadas pelos liberais (exceto nos primeiros anos da República, com a Revolução Federalista, que chegou a ocupar a então capital, Desterro [Florianópolis]) —, ingressou em um período de grande estabilidade após esses eventos, com a consolidação desse grupo político-positivista. Sob a liderança e o prestígio de Lauro Müller, que conseguiu fazer sucessivos sucessores durante todo o curso da República Velha, promovendo um período excepcional de prosperidade em Santa Catarina.


O Partido Republicano Catarinense - PRC

O Partido Republicano Catarinense foi fundado em 27 de junho 1887, por Raulino Júlio Adolfo Horn. Descendente de alemães, graduado em Farmácia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, seguindo a profissão do seu pai. Ajudou a fundar o clube abolicionista de Desterro (Florianópolis) e trabalhou como jornalista, fundando jornais para disseminar os ideais do PRC. 

A República propíciou à difusão das ideias positivistas, especialmente entre militares, engenheiros e jovens formados nas escolas técnicas e militares do Império. E foi desse núcleo positivista que saiu o grupo formado em torno da redação do jornal "O Estado", em Desterro, que congregava intelectuais, juristas e políticos alinhados com os princípios de ordem, progresso e organização racional do Estado. Esses positivistas catarinenses tiveram papel decisivo na elaboração da Constituição Estadual de 1891, que refletia fortemente os ideais de Auguste Comte, preconizando um governo técnico, centralizador e reformista. A influência castilhista também se fez sentir, principalmente através de conexões com o Partido Republicano Rio-Grandense, inspirado por Júlio de Castilhos.

Com proclamação da República, Uma Junta Governativa administrou Santa Catarina de 17 de novembro de 1889 à 2 de dezembro de 1889. O Triunvirato, composta por João Batista do Rego Barros Cavalcanti de Albuquerque, Alexandre Marcelino Bayma e Raulino Júlio Adolfo Horn. Quando o então Presidente Marechal Deodoro da Fonseca, nomeou Lauro Severiano Müller, para Presidente (governador) de Santa Catarina, por indicação de Benjamin Constant. Assumindo em 2 de dezembro de 1889. Interinamente foi substituído pelo Vice-Governador Raulino Júlio Adolpho Horn. Que também veio a renunciar, tendo governado de 24 de agosto à 29 de setembro de 1890. Oportunidade em que entrega o governo ao então vice-governador Gustavo Richard. E segue para o Rio de Janeiro para assumir o cargo de Senador por Santa Catarina (1890-99), e Lauro Müller, o cargo de deputado constituinte (eleito em setembro de 1890).

Müller reassumiu o governo de Santa Catarina em 10 de novembro de1891, quando já se encontrava deflagrada a Guerra Federalista e foi forçado a renunciar 18 dias após. A renúncia de Deodoro em 23 de novembro e a ascensão de Floriano Peixoto, que anulou a dissolução do Congresso. Acarretou na deposição dos governadores deodoristas,em vários estados. Em Santa Catarina, a oposição lberal se voltou contra Lauro Müller na capital – então Desterro – e em vários municípios. Republicanos de Blumenau, liderados por Hercílio Luz, formaram uma coluna armada que se pôs a caminho da capital para defender o governador. Mas, sem a garantia das tropas federais, Müller ponderou que suas chances de resistência eram mínimas e renunciou ao governo em 28 de dezembro. 

Lauro Müller retomou o mandato de deputado em abril de 1892, com a reabertura do Congresso Nacional. Nessa oportunidade, estabeleceu relações com dirigentes do Partido Operário Brasileiro, organizado pelo tipógrafo Luís França e Silva. Solicitando, em maio, à Câmara que examinasse a representação do partido em favor da instituição das oito horas de trabalho. 

Em 1893, passou a prestar apoio ao governo federal. Quando Floriano Peixoto enviou tropas na luta contra os Maragatos, partidários de Silveira Martins, no Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada. Em Santa Catarina, o governador Manuel Joaquim Machado se aproximou dos liberais (maragatos) e rompeu com o governo central, deixando o governo no mês de junho e substituído pelo vice-governador Eliseu Guilherme da Silva. Em setembro, teve início a Revolta da Armada no Rio de Janeiro. Após ser derrotado, o almirante Custódio de Mello se dirigiu com parte da esquadra rebelde para Santa Catarina, aliando-se aos liberais (maragatos). Enquanto Eliseu Guilherme da Silva passava o governo ao segundo vice-governador, Cristóvão Nunes Pires, os revoltosos ocuparam Desterro e instalaram um governo provisório da República chefiado pelo capitão de mar e guerra Frederico Guilherme de Lorena.  

No mês seguinte, Lauro Müller tomou parte na força expedicionária legalista do general Francisco de Paula Argolo, incumbida de impedir o avanço da coluna de Gumercindo Saraiva, advinda do Rio Grande do Sul, sobre Santa Catarina. Mal equipadas e inferiorizadas numericamente, as tropas legalistas evitaram o combate direto, recuando para Curitiba. Os maragatos de Gumercindo Saraiva prosseguiram a ofensiva: conquistaram a capital paranaense, o porto de Paranaguá e a cidade de Lapa (PR), marchando em direção a Itararé (SP). 

Müller retirou-se com as tropas legalistas para São Paulo e não participou das operações militares subsequentes contra os maragatos. Em março de 1894, as forças de Gumercindo deixaram o Paraná e recuaram para o Rio Grande do Sul. Em 22 de abril, o coronel Antônio Moreira César foi nomeado interventor federal em Santa Catarina, quando governou até setembro. Oportunidade em que Hercílio Luz foi empossado como primeiro governador eleito pelo voto direto. Um dos seus primeiros atos como governador foi a mudança do nome da capital estadual para Florianópolis, em homenagem a Floriano Peixoto. 

Reeleito deputado federal em outubro de 1894. Müller tornou-se a figura de maior prestígio da política catarinense no cenário nacional, ao mesmo tempo em que Hercílio Luz se consagrava como principal chefe político no estado. Na Câmara dos Deputados, integrou o grupo de parlamentares florianistas do Partido Republicano Federal - PRF que, sob a liderança do deputado paulista Francisco Glicério, tentou, sem êxito, tutelar as ações do presidente Prudente de Morais (1894-98). Reeleito deputado em 1896, renunciou à Comissão de Orçamento em junho seguinte, em solidariedade a Francisco Glicério, derrotado na eleição para a presidência da Câmara. Também em 1897, cuidou da organização do Partido Republicano Catarinense (PRC), juntamente com o governador Hercílio Luz, com quem acertou a composição dos principais diretórios municipais. De volta ao Rio de Janeiro, participou da convenção oposicionista que lançou o nome de Lauro Sodré às eleições presidenciais de março de 1898, vencidas por Campos Sales, ex-presidente do estado de São Paulo. A eleição para o governo catarinense ocorreu no mesmo ano, com a vitória do capitão Filipe Schmidt, deputado constituinte em 1891 e primo de Müller.

Ao término do seu mandato de deputado federal, Lauro Müller foi eleito senador por Santa Catarina em 1900.   Em 1901, atuou como mediador da crise no PRC entre a ala dissidente de Hercílio Luz, defensor da reconciliação com os liberais, e o grupo do governador Filipe Schmidt, contrário. Müller apoiou a ideia da reconciliação e conseguiu reunificar o partido. Proclamado chefe supremo do PRC, foi eleito governador de Santa Catarina em agosto de 1902. Empossado no mês seguinte, já em novembro passou a chefia da administração estadual ao vicegovernador Vidal Ramos, acedendo ao convite do presidente eleito Rodrigues Alves (1902-06) para integrar seu ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Quando foi um dos principais responsáveis pela remodelação do porto do Rio de Janeiro, obra prioritária do programa de governo do presidente Rodrigues Alves. A modernização do porto e a reforma urbana liderada pelo prefeito Francisco Pereira Passos transformariam radicalmente a fisionomia da capital da República. O plano das obras do porto do Rio de Janeiro ficou a cargo de uma comissão presidida por Müller. Também foi prevista a abertura de duas grandes vias para a comunicação do porto com a cidade: a avenida Central (depois denominada Rio Branco) e a avenida do Mangue (futura Francisco Bicalho). A construção ferroviária com Lauro Müller no Ministério da Viação, teve um acréscimo de 1.560 quilômetros, atingindo o total de 17.240 quilômetros! A Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) prolongou a chamada Linha do Centro, alcançando as cidades de Cordisburgo, Curvelo e Corinto, em Minas Gerais. O alargamento da bitola da EFCB no ramal de São Paulo, obra essencial para a ligação entre as duas maiores cidades do país, foi bastante adiantado. Em outubro de 1904, Lauro Müller autorizou a Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a promover a ligação entre Bauru (SP) e Cuiabá, levando em conta a importância estratégica da comunicação ferroviária entre a região Sudeste e o estado do Mato Grosso. Em setembro de 1906, o primeiro trecho de cem quilômetros da Companhia Noroeste foi inaugurada em cerimônia que contou a presença de Müller, do presidente do estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá, e vários políticos paulistas. Em junho de 1905, o Ministério da Viação promoveu concorrência para a implantação da ferrovia Madeira-Mamoré, por força do Tratado de Petrópolis em novembro de 1903 que obrigara o Brasil a assumir os custos da construção da ferrovia, como forma de compensação à Bolívia pela perda do Acre. A concessão outorgada ao engenheiro Catramby foi adquirida pela Madeira-Mamoré Railway, empresa ligada à Brazil Railway, do empresário estadunidense Percival Farquhar, que levou a cabo o empreendimento.


  • 1891 – Lauro Müller (interinamente)
  • 1891–1894 – João Batista do Rego Barros Cavalcanti Albuquerque
  • 1894–1895 – Hercílio Luz (1º mandato, interrompido)
  • 1895–1898 – Lauro Müller (2º mandato efetivo)
  • 1898–1902 – Filipe Schmidt (1º mandato)
  • 1902–1904 – Alfredo d'Escragnolle Taunay (Barão de Taunay)
  • 1905–1910 – Vidal Ramos (1º mandato)
  • 1910–1914 – Vidal Ramos (2º mandato)
  • 1914–1918 – Filipe Schmidt (2º mandato)
  • 1918–1922 – Hercílio Luz (2º mandato)
  • 1922–1924 – Hercílio Luz (3º mandato; faleceu no cargo)


Raulino Júlio Adolfo Horn (1849–1927)

Filho de imigrantes alemães e natural de São Pedro de Alcântara, Raulino Horn foi farmacêutico, jornalista e político atuante. Fundador do Clube Abolicionista de Desterro e um dos primeiros republicanos catarinenses, Horn teve papel decisivo na militância pelo regime republicano desde 1887.

Foi vice-governador em diversas gestões, sobretudo ao lado de Lauro Müller, e assumiu interinamente o governo estadual várias vezes entre 1890 e 1920, sempre atuando como agente conciliador em momentos de crise. Deputado estadual em três legislaturas e presidente da Assembleia Legislativa, destacou-se por seu compromisso com a ordem institucional e a defesa da república.

Faleceu em 1927, aos 78 anos, sendo uma das vozes mais persistentes do republicanismo e do positivismo técnico em Santa Catarina.


Lauro Severiano Müller (1863–1926)

Lauro Müller, Presidente de SC
por 4 vezes. Deputado Constituinte,
Senador, Marechal do Exército,
ministro e Chanceler.
Figura central do positivismo catarinense e principal liderança política da transição do Império para a República em Santa Catarina. Natural de Itajaí, filho de imigrantes alemães, formou-se engenheiro militar em 1885 na Escola Militar da Praia Vermelha, tornando-se discípulo de Benjamin Constant, que influenciou sua adesão ao positivismo. Nomeado primeiro governador republicano de Santa Catarina em 1889 por Deodoro da Fonseca, inaugurou a administração republicana com foco em educação, infraestrutura e modernização administrativa.

Assumiu o governo estadual várias vezes: inicialmente de 1889 a 1890, depois brevemente em 1891 (renunciou por pressão da Revolução Federalista), e novamente eleito para o período de 1902 a 1906, embora tenha governado apenas 44 dias dessa vez, entregando o cargo ao vice Vidal José de Oliveira Ramos para assumir ministérios federais. Durante seu ministério da Viação (1902-1906), promoveu grandes obras, incluindo a abertura da Avenida Brasil e a ampliação da rede ferroviária, essenciais para o escoamento da produção catarinense.

Foi senador entre 1890–99 e de 1912 até sua morte. Na sessão de 22 de dezembro de 1890, da Câmara Federal foi quem primeiro apresentou na República, a previsão de mudança da capital federal para o Planalto Central. Pioneiro também na iniciativa da realização de obras contra a seca no semiário-árido brasileiro. 

Tendo sido também Ministro das Relações Exteriores, Chanceler, de 1913 à 1917, quando deixou o cargo sob pressão da opinião pública devido à Primeira Guerra Mundial e suas origens germânicas. Em 1918, foi eleito governador de Santa Catarina pela última vez, mas renunciou em favor de Hercílio Luz.

Müller teve papel fundamental na política nacional e na consolidação do positivismo técnico-científico catarinense, atuando no desenvolvimento da infraestrutura e na defesa do interesse regional no cenário federal. Morreu em 1926, sem herdeiros políticos diretos, oque motivou um enfraquecimento ideológico do seu grupo político. Seu nome batiza várias cidades, ruas e logradouros, além do município de Lauro Müller, importante para a mineração do carvão.


Hercílio Pedro da Luz (1860–1924)

Natural de Desterro (hoje Florianópolis), engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Hercílio Luz foi aliado próximo de Lauro Müller e um dos pilares da república catarinense. Durante a Revolução Federalista (1893–95), liderou as forças legalistas em defesa do governo estadual contra os maragatos (liberais).

Governou Santa Catarina em dois mandatos principais (1894–98 e 1918–22), além de exercer a chefia do Executivo interinamente em outras ocasiões. Seu governo destacou-se pela forte ênfase em obras públicas: expansão da malha ferroviária, construção de portos, fomento à colonização do interior e avanço da educação técnica. Sob seu comando, consolidou-se a industrialização incipiente do Vale do Itajaí, especialmente no setor têxtil.

Seu período no governo foi marcado por estabilidade política e desenvolvimento econômico, sustentando a hegemonia do grupo positivista. Faleceu em exercício do terceiro mandato em 1924, deixando um legado de modernização e infraestrutura para o Estado.


Filipe Schmidt (1850–1924)

Advogado formado e natural de São José, Filipe Schmidt foi jornalista e político de destaque no grupo positivista catarinense, aliado de Lauro Müller e Hercílio Luz. Governou Santa Catarina em dois mandatos (1898–02 e 1914–18), período em que consolidou a educação pública republicana e incentivou a colonização e o desenvolvimento industrial, especialmente no setor têxtil.

Sua gestão foi marcada por um perfil técnico, conciliador e moderado, que buscava equilibrar os interesses das oligarquias locais com as demandas modernizadoras da elite republicana. Schmidt foi essencial para estabilizar o regime e promover políticas públicas progressistas, mantendo o apoio político do grupo positivista.

Faleceu em 1924, encerrando, junto com Hercílio Luz, a era dos estadistas técnicos do positivismo em Santa Catarina.


Vidal José de Oliveira Ramos (1866–1954)

Nascido em Lages, Vidal Ramos foi político, jurista e figura importante do republicanismo catarinense, com forte ligação à linha técnica e reformista do positivismo, embora menos ortodoxo que Müller.

Governou Santa Catarina por dois mandatos (1905–06 e 1910–14), assumindo interinamente em outras ocasiões. Durante seus governos, consolidou escolas normais, reorganizou o sistema judiciário estadual, promoveu reformas fiscais e incentivou a construção de ferrovias e pontes. Foi o pioneiro no lançamento das bases da colonização do oeste catarinense, fator decisivo para a posterior expansão agrícola e econômica da região.

Além disso, teve carreira no Legislativo e no Supremo Tribunal Federal. Morreu em 1954, aos 87 anos, sendo o último grande nome do republicanismo tradicional catarinense e a transição para a modernidade institucional.


Industrialização e Modernização Econômica

Sob a égide do Estado positivista, Santa Catarina buscou integrar-se ao modelo de desenvolvimento nacional via industrialização incipiente. Diversas medidas foram implementadas no sentido de fomentar o setor manufatureiro, em especial nas regiões já dinamizadas pela presença de imigrantes alemães e italianos, como o Vale do Itajaí.

A Cia. Hering, fundada em Blumenau em 1880, e ainda hoje ativa, é exemplo vivo de empresa cuja expansão foi catalisada pelas políticas de estímulo ao desenvolvimento regional, com apoio à infraestrutura, à construção de ferrovias e à formação de um mercado consumidor interno. Junto a ela, empresas como a Karsten (1882), a Bunge Alimentos (inicialmente como Moinho Joinville, 1905) e a Tupy (fundada em 1938, mas em um solo fértil economicamente pela base lançada pelos governos anteriores) tornaram-se pilares de um modelo catarinense de indústria associada à organização familiar e ao trabalho disciplinado — valores próprios da cultura germânica incorporada às estruturas do Estado.

A indústria catarinense não foi monopolizada por grandes conglomerados, mas estruturada a partir de indústrias familiares e média propriedade rural articulada com a manufatura. Este modelo assentou as bases de um capitalismo regional de feições singulares, profundamente vinculado à cultura do trabalho e à autogestão comunitária estimados pelo Estado Positivista Catarinense.


Colonização e a Imigração como Vetores de Desenvolvimento

Outra característica estrutural do Estado positivista catarinense foi sua política de colonização e imigração, especialmente voltada para o interior e oeste do território. Por meio da ação do governo, terras devolutas foram demarcadas e organizadas para receber imigrantes europeus, principalmente italianos e alemães.

A colonização não foi apenas uma resposta à necessidade de povoamento, mas um projeto civilizatório, como parte do projeto republicano para todo o Brasil: formar pequenas comunidades disciplinadas, organizadas em torno do trabalho agrícola e do associativismo. O Estado ofereceu apoio institucional para essa expansão, promovendo a regularização fundiária, assistência técnica e serviços públicos básicos.

A colonização no oeste catarinense ocorreu por intermédio das companhias colonizadoras, em estreita colaboração com o governo estadual que almejava uma ocupação territorial concomitante ao desenvolvimento de uma atividade econômica. Essas companhias eram formadas, em sua grande maioria, por comerciantes e especuladores — “os empresários da  colonização” — que loteavam e comercializavam suas áreas individualmente, enquanto o governo estadual abriam estradas e realizava obras de infraestrutura.

Este movimento impulsionou o desenvolvimento da policultura, adaptada às condições geográficas da região e à tradição agrária dos colonos, e deu origem ao modelo fundiário de pequenas e médias propriedades, base econômica e social do mercado interno catarinense.


Hercílio Luz e a Consolidação da República Catarinense

Após a Revolução Federalista (1893–1895), que buscou deter o avanço da centralização republicana, Hercílio Luz emergiu como líder da pacificação institucional. Membro do antigo Partido Conservador, tornou-se republicano e assumiu o governo estadual, onde deu continuidade à política de modernização e estruturação estatal.

Seu mandato foi marcado por obras de vulto — como a idealização da ponte que hoje leva seu nome — e pela continuidade do projeto de colonização e desenvolvimento econômico. Sob sua liderança, consolidou-se o modelo de Estado técnico-burocrático, em que o mérito, a disciplina administrativa e a ordem eram os pilares da administração.


A Marcha  para o Oeste:

No campo da imigração e da colonização, o projeto positivista de organização da sociedade manifestou-se de forma clara. O Estado incentivou a vinda de imigrantes europeus, especialmente alemães, que já vinham se estabelecendo em Santa Catarina desde meados do século XIX. Com apoio governamental, diversas colônias foram fundadas, como Blumenau (1850), Joinville (1851), Brusque (1860) e Itajaí, ampliando-se no período republicano para o Alto Vale do Itajaí, o Planalto Serrano e o Oeste. A presença alemã em Santa Catarina chegou a somar mais de 150 mil imigrantes diretos e seus descendentes ao final do século XIX, consolidando um cinturão germânico no território estadual. Essas colônias foram organizadas com base em núcleos urbanos planejados, com pequenas propriedades agrícolas ao redor, seguindo modelo racional e produtivista caro aos positivistas. A instrução pública foi fortemente estimulada nesses núcleos, com escolas bilíngues e incentivo à formação técnica e moralista.

Com a expansão da ocupação do interior do estado, especialmente nas regiões do planalto e do oeste, o governo estadual impulsionou um ambicioso projeto de colonização e infraestrutura, articulado ao avanço ferroviário. A Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, passando por Mafra, Lages e chegando até o Rio Grande do Sul, foi fundamental para a fixação de colonos em áreas remotas, bem como para o escoamento da produção agrícola e madeireira. Outro ramal estratégico foi o que ligava o interior ao porto de Tubarão, consolidando uma via de exportação para os produtos do planalto e da serra catarinense. O apoio governamental à construção dessas linhas férreas evidenciava o ideário positivista de progresso via ciência e técnica. Essas ferrovias não só facilitaram o acesso a terras antes isoladas, como permitiram uma colonização sistemática, baseada em lotes planejados, cooperativas agrícolas, incentivos fiscais e escolas técnicas.

O Estado catarinense, sob gestão de políticos com formação técnica e influenciados pela doutrina positivista, desenvolveu políticas de infraestrutura voltadas para a modernização econômica e social. Implantaram-se redes de telégrafo, estradas vicinais e pontes metálicas em regiões colonizadas, conectando os núcleos imigrantes entre si e com os centros urbanos. O Departamento de Terras e Colonização do Estado, criado ainda no final do século XIX, foi o responsável pela gestão dos lotes, pela regularização fundiária e pelo direcionamento dos imigrantes para áreas estratégicas, atuando em estreita colaboração com empresas colonizadoras privadas.

O Positivismo Catarinense materializou-se na constituição estadual, na política de colonização ordenada, na expansão ferroviária, na aposta em uma sociedade disciplinada, instruída e economicamente produtiva. A presença dos imigrantes alemães e a racionalidade com que se planejaram seus assentamentos refletem de forma clara os ideais de organização e progresso que marcaram a transição catarinense para a modernidade republicana.


O Modelo Republicano de Estado e Sociedade

O que se constituiu em Santa Catarina entre 1889 e 1930 não foi apenas a adaptação à forma republicana, mas a edificação de um modelo regional de Estado, com forte base racionalizadora, na política de imigração dirigida, no fomento à pequena propriedade e na industrialização descentralizada.

A formação de mini-fúndios, a predominância da policultura e a existência de um mercado interno ativo e autônomo foram produtos diretos das políticas promovidas por este Estado técnico-científico, organizado por engenheiros, e administradores positivistas. No Rio Grande do Sul, esse modelo foi implantado apenas parcialmente, ficando ausente na “campanha gaúcha”, justamente a área de reduto dos liberais-latifundiários, que tanto se opuseram ao modelo Castilhista. Tendo o Rio Grande do Sul Castilhista, funcionado como um guarda-chuva que protegeu Santa Catarina dos tumultos e ações criminosas dessas hordas.

Quando da Revolução de 30, no que pese o presidente (governador) do Estado ter declarado fidelidade ao Presidente Washington Luís, houve ampla adesão política e militar local pela Revolução, forçando o governador a renunciar. A adesão de Santa Catarina foi chave para o corpo das tropas riograndenses, sem o qual não teriam passado para além da Serra Geral. Esse apoio em muito se deveu ao estreito alinhamento histórico entre o PRC e o PRR, que em várias ocasiões apoiou com reforços militares os governos castilhistas no Rio Grande do Sul. 

Esse legado permanece visível no presente: Santa Catarina mantém uma das mais equilibradas distribuições fundiárias do país, uma economia robusta com base em pequenas e médias empresas, e índices elevados de desenvolvimento humano — frutos, em larga medida, do projeto civilizatório positivista, e que mais do que em qualquer outro canto do Brasil, mais prosperou e rendeu frutos em Santa Catarina, posto em prática por homens com obstinada fé na ordem, no progresso e na razão.




Artigos Correlatos: