segunda-feira, 9 de junho de 2025

Star Trek: Uma Utopia Comunista na Cultura Pop – Sob perspectiva castilhista


Star Trek foi originalmente um seriado de ficção científica produzido para a TV estadunidense, entre 1966 e 1969, auge da Guerra Fria, concebida por Gene Roddenberry. O seriado consolidou-se como um dos mais emblemáticos produtos de ficção do século XX, com sucessivas produções cinematográficas, projetando uma humanidade futura que transcende o capitalismo, o Estado-nação e os conflitos sociais. Entre os seus fãs e críticos, é recorrente a caracterização de tal sociedade como comunista. Em um artigo recente, "Star Trek, seriado comunista?" de Yánis Varoufákis, ex-ministro das Finanças da Grécia, no governo Tsipras, em 2015, pelo partido SYRIZA. Varoufákis retoma a temática, traçando paralelos, em que aponta Star Trek como uma referência de "comunismo libertário" diante de uma "esquerda moribunda". Oque Varoufákis chama de "comunismo libertário" é condizente com o "estágio comunista" pregado por Marx, e que converge com o anarquismo, diferenciando assim do "comunismo real" (rejeitado por ele). Nesse diapasão, aproveitamos para analisar, sob uma perspectiva castilhista,  tanto as posições esboçadas por Varoufákis em seu artigo, como o próprio comunismo, tendo como alegoria Star Trek, que oferece em dados momentos, tanto pontos de aproximação, quanto de divergência em relação à doutrina castilhista, que, embora republicana, racionalista e tecnocrática, está profundamente comprometida com o interesse nacional, a ordem social orgânica, e o desenvolvimento material e moral da nação dentro de um Estado forte.

Varoufákis destaca que a sociedade futura retratada em Star Trek aboliu o individualismo capitalista como princípio organizador da vida social. No lugar da competição, impera uma ética de cooperação coletiva, solidariedade e serviço ao bem comum. Os personagens da Frota Estelar não trabalham por lucro, status ou propriedade privada, mas são movidos por curiosidade científica, dever moral e um senso de missão civilizadora. 

O advento tecnológico — como os replicadores de matéria em Star Trek— eliminou a escassez de recursos, o que permitiu a construção de uma economia pós-mercado, onde o trabalho é voluntário e autônomo, mas sempre orientado ao coletivo. Isso se traduz em uma sociedade igualitária, autogerida, e sem exploração, em que os indivíduos se realizam ao contribuir livremente com os outros — um ideal que Varoufákis identifica como "comunismo libertário".

Ele argumenta que essa utopia é compatível com o “estágio final” do comunismo previsto por Marx, onde a abundância tecnológica permite superar a alienação do trabalho e a mediação estatal — convergindo, assim, com as premissas anarquistas de autogestão e abolição do Estado coercitivo.

Varoufákis admite que a Frota Estelar — braço da Federação dos Planetas Unidos — pode ser interpretada, à primeira vista, como uma potência imperialista, expansionista, com uma frota de naves, comandos hierárquicos e intervenções em planetas “primitivos”. Contudo, ele rejeita essa leitura simplista.

A Federação se apresenta como uma força de mediação e contenção do imperialismo real, representado por impérios como o Klingon e o Romulano. A chamada Primeira Diretriz, que proíbe interferência em civilizações menos desenvolvidas, seria um dispositivo ético anti-imperialista, mesmo que nem sempre seguido à risca pelos protagonistas.

Ferengi uma raça alienigena que emula uma sociedade liberal, oque sempre resulta em personalidades avaras.

Varoufákis interpreta a missão da Frota como uma versão cósmica do internacionalismo solidário, onde o conhecimento, a diplomacia e o respeito à autodeterminação prevalecem sobre a dominação ou conquista. Assim, a presença da Frota seria um reflexo das “boas intenções” de uma esquerda pós-nacional, cosmopolita e não-coercitiva, distinta tanto do imperialismo liberal quanto do expansionismo socialista do século XX.

A Diretriz Primeira, como um princípio de não-intervenção imperialista, pode ser interpretada como uma forma elevada de respeito à autodeterminação dos povos. O Castilhismo, embora centralizador internamente, é avesso ao imperialismo externo enquanto violação da soberania das nações. Nesse sentido, Star Trek oferece uma ficção em que o poder tecnológico não gera dominação, mas responsabilidade — uma ideia compatível com a racionalidade ética que permeia o Castilhismo.

A crítica ao imperialismo liberal-capitalista também encontra eco na denúncia castilhista do liberalismo econômico desorganizador, que enfraquece o Estado nacional e submete o destino do povo à especulação internacional.

Contudo, a supressão do Estado e do mercado é frontalmente oposta ao castilhismo. Para Júlio de Castilhos, o Estado é instrumento civilizador e condutor do progresso, sendo indispensável à ordenação social. A extinção do Estado, mesmo sob pretexto de liberdade, é um ideal anárquico aos olhos da tradição castilhista, que vê no Estado forte, técnico e nacionalizador o motor da história.

A proposta de um “comunismo libertário”, como sugerido no artigo, dissolve as hierarquias e funções que, no castilhismo, são organicamente necessárias ao funcionamento da sociedade. O trabalho voluntário, a ausência de propriedade e a abolição do dinheiro representam uma utopia desarrazoada, cujo risco maior seria a desorganização social e a perda de coesão nacional.

Na sociedade trekker, o indivíduo encontra sentido na contribuição livre para o bem comum: médicos cuidam sem remuneracão, cientistas pesquisam por curiosidade e oficiais exploram espaços sem expectativa de lucro. Para Varoufákis, isso reflete uma ética de serviço social voluntário, orientada por um ideal civilizatório e não por interesses privados ou utilitaristas. É nesse contexto que surge um sentido de dever que está na junção entre autonomia pessoal e responsabilidade coletiva — um “vocação moral” que promove o desenvolvimento humano e civilizatório.

Varoufákis cita um episódio de 1988, quando a USS Enterprise encontra uma nave terrestre enferrujada, com câmaras criogênicas contendo plutocratas humanos que pagaram fortunas para serem congelados e lançados ao espaço, na esperança de que alienígenas os curassem de suas doenças, mortais no século XX.

Após a tripulação da Enterprise descongelá-los e curá-los, um deles, Ralph Offenhouse, um empresário, exige contatar seus banqueiros e escritório de advocacia na Terra. O capitão Jean-Luc Picard então lhe conta que, nos trezentos anos que se passaram, muita coisa mudou:
— Picard: As pessoas não são mais obcecadas por acumular coisas. Eliminamos a fome, a carência e a necessidade de posses. Saímos da nossa infância.
— Offenhouse: Você não entendeu. Nunca foi sobre posses. É sobre poder.
— Picard: Poder para quê?
— Offenhouse: Para controlar sua vida, seu destino.
— Picard: Esse tipo de controle é uma ilusão.
— Offenhouse: Sério? Então por que estou aqui?
Então é relatado que o pai do capitão Benjamin Sisko, administra um restaurante em Nova Orleans, apenas por amar a expressão de gratidão nos rostos dos vizinhos que adoram sua comida – de graça, é claro, pois o dinheiro agora é obsoleto.

Também menciona a reação de Picard a Offenhouse que, ao saberem que seriam enviados de volta a Terra "essencialmente comunista", pergunta sombrio: “O que será de mim? Não há vestígio do meu dinheiro. Meu escritório se foi. O que farei? Como viverei? Qual é o desafio?” “O desafio, Sr. Offenhouse”, responde Picard encorajadoramente, “é melhorar a si mesmo, enriquecer a si mesmo. Aproveite!”.

O prazer seria central na versão comunista de Star Trek, que rejeita a noção de que escapar da lógica da acumulação exija que indivíduos se submetam a um coletivo.

A ideia de que o homem deve superar o egoísmo e o espírito de acumulação está presente no castilhismo como ética republicana: o cidadão deve agir em prol do bem comum. A valorização da melhoria pessoal, como no diálogo entre Picard e Offenhouse, ecoa a moralização racional do indivíduo, que é uma meta positiva dentro do castilhismo — desde que subordinada ao interesse nacional.

A noção de que a humanidade alcançará a plenitude com a abolição do dever, da autoridade e da hierarquia é inaceitável. O Castilhismo vê na disciplina, no dever e na ordem os fundamentos da sociedade civilizada. Uma sociedade de prazeres livres, ainda que tecnologicamente avançada, incorre na decadência moral, o que contradiz o ideal castilhista de elevação cívica e religiosa do povo.

A ênfase no individualismo criativo e livre de obrigações sociais concretas desconsidera a necessária função social do indivíduo, central no pensamento castilhista. Diferentemente do universo utópico de Star Trek, e dos anarquistas, no Castilhismo, a liberdade não é absoluta, mas funcional e vinculada ao destino da pátria.

O uso de tecnologia para a superação da miséria material é o ponto forte de confluência. O Castilhismo acredita na técnica como força civilizadora e na necessidade de difundir os meios do progresso material para o bem da coletividade. A analogia entre os replicadores de Star Trek e as máquinas libertadoras de Marx é aceitável se lida como símbolo do poder transformador da técnica — quando guiada por um Estado ético.

O elemento histórico da série, ao mostrar uma transição da barbárie (guetos, apartheid, guerras) para uma civilização racional e pacífica, alinha-se à ideia Castilhista de etapas da civilização, pelas quais o Brasil também deveria passar — saindo da miséria e da ignorância para um estágio superior de ordem, justiça social e soberania nacional.

E aqui, a verdade que os cripto-comunistas que se alcunham genericamente de "socialistas" costumam ocultar (não misturar socialistas não-marxistas, dos marxistas / comunistas). A série, bem como o próprio Varoufáski, e todos os demais autores comunistas e anarquistas, apresenta a eliminação do nacionalismo como passo essencial para o progresso. Eis a ruptura, irreconciliável, com o Castilhismo, que tem no nacionalismo orgânico a base espiritual e política da pátria. O nacionalismo castilhista não é chauvinismo expansionista, mas consciente no destino coletivo e na vontade do Estado. Abandoná-lo significaria dissolver o povo no universalismo estéril. Varoufákis, usa o seriado como uma metáfora, para evocar uma miragem, de modo a canalizar ideais, utópicos, mas, muitas vezes sinceros, de inocente-úteis contra o Nacionalismo. Único meio eficaz para enfrentar as oligarquias internacionais. E que por isso, autores anarquistas e comunistas (ou que se fingem ser) como Noam Chomsky, o próprio Varoufákis, dentre outros, que se prestam a agentes do imperialismo, são tolerados pelo establishment e mais das vezes incentivados, por que servem de armas contra o nacionalismo, o único real e verdadeiro inimigo do imperialismo internacional. 

A Federação de Star Trek, como descrita por Varoufakis, pode representar uma ficção tecnicamente sedutora e até eticamente inspiradora em certos aspectos (superação do imperialismo, abolição da miséria, racionalidade social). Porém, a ideologia subjacente é essencialmente anti-estatal, anti-nacional e individualista em excesso — características incompatíveis com o Castilhismo. 

Se Star Trek tem valor para a doutrina castilhista, ele está: Não no seu comunismo libertário, mas na sua imaginação de uma ordem racional e pacífica baseada na técnica; Não na abolição do nacionalismo, mas na crítica ao imperialismo capitalista, que mutila a autodeterminação dos povos; Não no hedonismo individualista, mas na possibilidade de formar cidadãos éticos, técnicos e solidários — guiados por uma autoridade racional. Portanto, o Castilhismo pode acolher o espírito racionalista e técnico da série, mas rejeita sua utopia libertária e antinacional. Star Trek, se lido com discernimento, pode servir como alegoria crítica — nunca como modelo político.


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sábado, 24 de maio de 2025

O Estado Positivista Catarinense como Realização do Projeto Republicano Brasileiro (1891-1924)


Com a proclamação da República, uma fecunda intelectualidade positivista-militar chegou ao poder em Santa Catarina — e, mais do que em qualquer outro estado do Brasil, conseguiu implementar o projeto político-republicano pensado para o país. Isso ocorreu até mais do que no Rio Grande do Sul, para onde os holofotes — da difamação e da calúnia — costumam apontar. A Constituição de Santa Catarina foi mais influenciada e, por assim dizer, mais alinhada aos preceitos comtianos do que a do Rio Grande do Sul, sempre referendada como 'positivista' (não se nega a influência positivista, mas, no RS, se revela nuances e práticas distintas, que lhe conferem natureza própria, sui generis). O fato é que Santa Catarina, diferentemente do Rio Grande do Sul — que se viu envolto em guerras sangrentas provocadas pelos liberais (exceto nos primeiros anos da República, com a Revolução Federalista, que chegou a ocupar a então capital, Desterro [Florianópolis]) —, ingressou em um período de grande estabilidade após esses eventos, com a consolidação desse grupo político-positivista. Sob a liderança e o prestígio de Lauro Müller, que conseguiu fazer sucessivos sucessores durante todo o curso da República Velha, promovendo um período excepcional de prosperidade em Santa Catarina.


O Partido Republicano Catarinense - PRC

O Partido Republicano Catarinense foi fundado em 27 de junho 1887, por Raulino Júlio Adolfo Horn. Descendente de alemães, graduado em Farmácia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, seguindo a profissão do seu pai. Ajudou a fundar o clube abolicionista de Desterro (Florianópolis) e trabalhou como jornalista, fundando jornais para disseminar os ideais do PRC. 

A República propíciou à difusão das ideias positivistas, especialmente entre militares, engenheiros e jovens formados nas escolas técnicas e militares do Império. E foi desse núcleo positivista que saiu o grupo formado em torno da redação do jornal "O Estado", em Desterro, que congregava intelectuais, juristas e políticos alinhados com os princípios de ordem, progresso e organização racional do Estado. Esses positivistas catarinenses tiveram papel decisivo na elaboração da Constituição Estadual de 1891, que refletia fortemente os ideais de Auguste Comte, preconizando um governo técnico, centralizador e reformista. A influência castilhista também se fez sentir, principalmente através de conexões com o Partido Republicano Rio-Grandense, inspirado por Júlio de Castilhos.

Com proclamação da República, Uma Junta Governativa administrou Santa Catarina de 17 de novembro de 1889 à 2 de dezembro de 1889. O Triunvirato, composta por João Batista do Rego Barros Cavalcanti de Albuquerque, Alexandre Marcelino Bayma e Raulino Júlio Adolfo Horn. Quando o então Presidente Marechal Deodoro da Fonseca, nomeou Lauro Severiano Müller, para Presidente (governador) de Santa Catarina, por indicação de Benjamin Constant. Assumindo em 2 de dezembro de 1889. Interinamente foi substituído pelo Vice-Governador Raulino Júlio Adolpho Horn. Que também veio a renunciar, tendo governado de 24 de agosto à 29 de setembro de 1890. Oportunidade em que entrega o governo ao então vice-governador Gustavo Richard. E segue para o Rio de Janeiro para assumir o cargo de Senador por Santa Catarina (1890-99), e Lauro Müller, o cargo de deputado constituinte (eleito em setembro de 1890).

Müller reassumiu o governo de Santa Catarina em 10 de novembro de1891, quando já se encontrava deflagrada a Guerra Federalista e foi forçado a renunciar 18 dias após. A renúncia de Deodoro em 23 de novembro e a ascensão de Floriano Peixoto, que anulou a dissolução do Congresso. Acarretou na deposição dos governadores deodoristas,em vários estados. Em Santa Catarina, a oposição lberal se voltou contra Lauro Müller na capital – então Desterro – e em vários municípios. Republicanos de Blumenau, liderados por Hercílio Luz, formaram uma coluna armada que se pôs a caminho da capital para defender o governador. Mas, sem a garantia das tropas federais, Müller ponderou que suas chances de resistência eram mínimas e renunciou ao governo em 28 de dezembro. 

Lauro Müller retomou o mandato de deputado em abril de 1892, com a reabertura do Congresso Nacional. Nessa oportunidade, estabeleceu relações com dirigentes do Partido Operário Brasileiro, organizado pelo tipógrafo Luís França e Silva. Solicitando, em maio, à Câmara que examinasse a representação do partido em favor da instituição das oito horas de trabalho. 

Em 1893, passou a prestar apoio ao governo federal. Quando Floriano Peixoto enviou tropas na luta contra os Maragatos, partidários de Silveira Martins, no Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada. Em Santa Catarina, o governador Manuel Joaquim Machado se aproximou dos liberais (maragatos) e rompeu com o governo central, deixando o governo no mês de junho e substituído pelo vice-governador Eliseu Guilherme da Silva. Em setembro, teve início a Revolta da Armada no Rio de Janeiro. Após ser derrotado, o almirante Custódio de Mello se dirigiu com parte da esquadra rebelde para Santa Catarina, aliando-se aos liberais (maragatos). Enquanto Eliseu Guilherme da Silva passava o governo ao segundo vice-governador, Cristóvão Nunes Pires, os revoltosos ocuparam Desterro e instalaram um governo provisório da República chefiado pelo capitão de mar e guerra Frederico Guilherme de Lorena.  

No mês seguinte, Lauro Müller tomou parte na força expedicionária legalista do general Francisco de Paula Argolo, incumbida de impedir o avanço da coluna de Gumercindo Saraiva, advinda do Rio Grande do Sul, sobre Santa Catarina. Mal equipadas e inferiorizadas numericamente, as tropas legalistas evitaram o combate direto, recuando para Curitiba. Os maragatos de Gumercindo Saraiva prosseguiram a ofensiva: conquistaram a capital paranaense, o porto de Paranaguá e a cidade de Lapa (PR), marchando em direção a Itararé (SP). 

Müller retirou-se com as tropas legalistas para São Paulo e não participou das operações militares subsequentes contra os maragatos. Em março de 1894, as forças de Gumercindo deixaram o Paraná e recuaram para o Rio Grande do Sul. Em 22 de abril, o coronel Antônio Moreira César foi nomeado interventor federal em Santa Catarina, quando governou até setembro. Oportunidade em que Hercílio Luz foi empossado como primeiro governador eleito pelo voto direto. Um dos seus primeiros atos como governador foi a mudança do nome da capital estadual para Florianópolis, em homenagem a Floriano Peixoto. 

Reeleito deputado federal em outubro de 1894. Müller tornou-se a figura de maior prestígio da política catarinense no cenário nacional, ao mesmo tempo em que Hercílio Luz se consagrava como principal chefe político no estado. Na Câmara dos Deputados, integrou o grupo de parlamentares florianistas do Partido Republicano Federal - PRF que, sob a liderança do deputado paulista Francisco Glicério, tentou, sem êxito, tutelar as ações do presidente Prudente de Morais (1894-98). Reeleito deputado em 1896, renunciou à Comissão de Orçamento em junho seguinte, em solidariedade a Francisco Glicério, derrotado na eleição para a presidência da Câmara. Também em 1897, cuidou da organização do Partido Republicano Catarinense (PRC), juntamente com o governador Hercílio Luz, com quem acertou a composição dos principais diretórios municipais. De volta ao Rio de Janeiro, participou da convenção oposicionista que lançou o nome de Lauro Sodré às eleições presidenciais de março de 1898, vencidas por Campos Sales, ex-presidente do estado de São Paulo. A eleição para o governo catarinense ocorreu no mesmo ano, com a vitória do capitão Filipe Schmidt, deputado constituinte em 1891 e primo de Müller.

Ao término do seu mandato de deputado federal, Lauro Müller foi eleito senador por Santa Catarina em 1900.   Em 1901, atuou como mediador da crise no PRC entre a ala dissidente de Hercílio Luz, defensor da reconciliação com os liberais, e o grupo do governador Filipe Schmidt, contrário. Müller apoiou a ideia da reconciliação e conseguiu reunificar o partido. Proclamado chefe supremo do PRC, foi eleito governador de Santa Catarina em agosto de 1902. Empossado no mês seguinte, já em novembro passou a chefia da administração estadual ao vicegovernador Vidal Ramos, acedendo ao convite do presidente eleito Rodrigues Alves (1902-06) para integrar seu ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Quando foi um dos principais responsáveis pela remodelação do porto do Rio de Janeiro, obra prioritária do programa de governo do presidente Rodrigues Alves. A modernização do porto e a reforma urbana liderada pelo prefeito Francisco Pereira Passos transformariam radicalmente a fisionomia da capital da República. O plano das obras do porto do Rio de Janeiro ficou a cargo de uma comissão presidida por Müller. Também foi prevista a abertura de duas grandes vias para a comunicação do porto com a cidade: a avenida Central (depois denominada Rio Branco) e a avenida do Mangue (futura Francisco Bicalho). A construção ferroviária com Lauro Müller no Ministério da Viação, teve um acréscimo de 1.560 quilômetros, atingindo o total de 17.240 quilômetros! A Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) prolongou a chamada Linha do Centro, alcançando as cidades de Cordisburgo, Curvelo e Corinto, em Minas Gerais. O alargamento da bitola da EFCB no ramal de São Paulo, obra essencial para a ligação entre as duas maiores cidades do país, foi bastante adiantado. Em outubro de 1904, Lauro Müller autorizou a Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a promover a ligação entre Bauru (SP) e Cuiabá, levando em conta a importância estratégica da comunicação ferroviária entre a região Sudeste e o estado do Mato Grosso. Em setembro de 1906, o primeiro trecho de cem quilômetros da Companhia Noroeste foi inaugurada em cerimônia que contou a presença de Müller, do presidente do estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá, e vários políticos paulistas. Em junho de 1905, o Ministério da Viação promoveu concorrência para a implantação da ferrovia Madeira-Mamoré, por força do Tratado de Petrópolis em novembro de 1903 que obrigara o Brasil a assumir os custos da construção da ferrovia, como forma de compensação à Bolívia pela perda do Acre. A concessão outorgada ao engenheiro Catramby foi adquirida pela Madeira-Mamoré Railway, empresa ligada à Brazil Railway, do empresário estadunidense Percival Farquhar, que levou a cabo o empreendimento.


  • 1891 – Lauro Müller (interinamente)
  • 1891–1894 – João Batista do Rego Barros Cavalcanti Albuquerque
  • 1894–1895 – Hercílio Luz (1º mandato, interrompido)
  • 1895–1898 – Lauro Müller (2º mandato efetivo)
  • 1898–1902 – Filipe Schmidt (1º mandato)
  • 1902–1904 – Alfredo d'Escragnolle Taunay (Barão de Taunay)
  • 1905–1910 – Vidal Ramos (1º mandato)
  • 1910–1914 – Vidal Ramos (2º mandato)
  • 1914–1918 – Filipe Schmidt (2º mandato)
  • 1918–1922 – Hercílio Luz (2º mandato)
  • 1922–1924 – Hercílio Luz (3º mandato; faleceu no cargo)


Raulino Júlio Adolfo Horn (1849–1927)

Filho de imigrantes alemães e natural de São Pedro de Alcântara, Raulino Horn foi farmacêutico, jornalista e político atuante. Fundador do Clube Abolicionista de Desterro e um dos primeiros republicanos catarinenses, Horn teve papel decisivo na militância pelo regime republicano desde 1887.

Foi vice-governador em diversas gestões, sobretudo ao lado de Lauro Müller, e assumiu interinamente o governo estadual várias vezes entre 1890 e 1920, sempre atuando como agente conciliador em momentos de crise. Deputado estadual em três legislaturas e presidente da Assembleia Legislativa, destacou-se por seu compromisso com a ordem institucional e a defesa da república.

Faleceu em 1927, aos 78 anos, sendo uma das vozes mais persistentes do republicanismo e do positivismo técnico em Santa Catarina.


Lauro Severiano Müller (1863–1926)

Lauro Müller, Presidente de SC
por 4 vezes. Deputado Constituinte,
Senador, Marechal do Exército,
ministro e Chanceler.
Figura central do positivismo catarinense e principal liderança política da transição do Império para a República em Santa Catarina. Natural de Itajaí, filho de imigrantes alemães, formou-se engenheiro militar em 1885 na Escola Militar da Praia Vermelha, tornando-se discípulo de Benjamin Constant, que influenciou sua adesão ao positivismo. Nomeado primeiro governador republicano de Santa Catarina em 1889 por Deodoro da Fonseca, inaugurou a administração republicana com foco em educação, infraestrutura e modernização administrativa.

Assumiu o governo estadual várias vezes: inicialmente de 1889 a 1890, depois brevemente em 1891 (renunciou por pressão da Revolução Federalista), e novamente eleito para o período de 1902 a 1906, embora tenha governado apenas 44 dias dessa vez, entregando o cargo ao vice Vidal José de Oliveira Ramos para assumir ministérios federais. Durante seu ministério da Viação (1902-1906), promoveu grandes obras, incluindo a abertura da Avenida Brasil e a ampliação da rede ferroviária, essenciais para o escoamento da produção catarinense.

Foi senador entre 1890–99 e de 1912 até sua morte. Na sessão de 22 de dezembro de 1890, da Câmara Federal foi quem primeiro apresentou na República, a previsão de mudança da capital federal para o Planalto Central. Pioneiro também na iniciativa da realização de obras contra a seca no semiário-árido brasileiro. 

Tendo sido também Ministro das Relações Exteriores, Chanceler, de 1913 à 1917, quando deixou o cargo sob pressão da opinião pública devido à Primeira Guerra Mundial e suas origens germânicas. Em 1918, foi eleito governador de Santa Catarina pela última vez, mas renunciou em favor de Hercílio Luz.

Müller teve papel fundamental na política nacional e na consolidação do positivismo técnico-científico catarinense, atuando no desenvolvimento da infraestrutura e na defesa do interesse regional no cenário federal. Morreu em 1926, sem herdeiros políticos diretos, oque motivou um enfraquecimento ideológico do seu grupo político. Seu nome batiza várias cidades, ruas e logradouros, além do município de Lauro Müller, importante para a mineração do carvão.


Hercílio Pedro da Luz (1860–1924)

Natural de Desterro (hoje Florianópolis), engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Hercílio Luz foi aliado próximo de Lauro Müller e um dos pilares da república catarinense. Durante a Revolução Federalista (1893–95), liderou as forças legalistas em defesa do governo estadual contra os maragatos (liberais).

Governou Santa Catarina em dois mandatos principais (1894–98 e 1918–22), além de exercer a chefia do Executivo interinamente em outras ocasiões. Seu governo destacou-se pela forte ênfase em obras públicas: expansão da malha ferroviária, construção de portos, fomento à colonização do interior e avanço da educação técnica. Sob seu comando, consolidou-se a industrialização incipiente do Vale do Itajaí, especialmente no setor têxtil.

Seu período no governo foi marcado por estabilidade política e desenvolvimento econômico, sustentando a hegemonia do grupo positivista. Faleceu em exercício do terceiro mandato em 1924, deixando um legado de modernização e infraestrutura para o Estado.


Filipe Schmidt (1850–1924)

Advogado formado e natural de São José, Filipe Schmidt foi jornalista e político de destaque no grupo positivista catarinense, aliado de Lauro Müller e Hercílio Luz. Governou Santa Catarina em dois mandatos (1898–02 e 1914–18), período em que consolidou a educação pública republicana e incentivou a colonização e o desenvolvimento industrial, especialmente no setor têxtil.

Sua gestão foi marcada por um perfil técnico, conciliador e moderado, que buscava equilibrar os interesses das oligarquias locais com as demandas modernizadoras da elite republicana. Schmidt foi essencial para estabilizar o regime e promover políticas públicas progressistas, mantendo o apoio político do grupo positivista.

Faleceu em 1924, encerrando, junto com Hercílio Luz, a era dos estadistas técnicos do positivismo em Santa Catarina.


Vidal José de Oliveira Ramos (1866–1954)

Nascido em Lages, Vidal Ramos foi político, jurista e figura importante do republicanismo catarinense, com forte ligação à linha técnica e reformista do positivismo, embora menos ortodoxo que Müller.

Governou Santa Catarina por dois mandatos (1905–06 e 1910–14), assumindo interinamente em outras ocasiões. Durante seus governos, consolidou escolas normais, reorganizou o sistema judiciário estadual, promoveu reformas fiscais e incentivou a construção de ferrovias e pontes. Foi o pioneiro no lançamento das bases da colonização do oeste catarinense, fator decisivo para a posterior expansão agrícola e econômica da região.

Além disso, teve carreira no Legislativo e no Supremo Tribunal Federal. Morreu em 1954, aos 87 anos, sendo o último grande nome do republicanismo tradicional catarinense e a transição para a modernidade institucional.


Industrialização e Modernização Econômica

Sob a égide do Estado positivista, Santa Catarina buscou integrar-se ao modelo de desenvolvimento nacional via industrialização incipiente. Diversas medidas foram implementadas no sentido de fomentar o setor manufatureiro, em especial nas regiões já dinamizadas pela presença de imigrantes alemães e italianos, como o Vale do Itajaí.

A Cia. Hering, fundada em Blumenau em 1880, e ainda hoje ativa, é exemplo vivo de empresa cuja expansão foi catalisada pelas políticas de estímulo ao desenvolvimento regional, com apoio à infraestrutura, à construção de ferrovias e à formação de um mercado consumidor interno. Junto a ela, empresas como a Karsten (1882), a Bunge Alimentos (inicialmente como Moinho Joinville, 1905) e a Tupy (fundada em 1938, mas em um solo fértil economicamente pela base lançada pelos governos anteriores) tornaram-se pilares de um modelo catarinense de indústria associada à organização familiar e ao trabalho disciplinado — valores próprios da cultura germânica incorporada às estruturas do Estado.

A indústria catarinense não foi monopolizada por grandes conglomerados, mas estruturada a partir de indústrias familiares e média propriedade rural articulada com a manufatura. Este modelo assentou as bases de um capitalismo regional de feições singulares, profundamente vinculado à cultura do trabalho e à autogestão comunitária estimados pelo Estado Positivista Catarinense.


Colonização e a Imigração como Vetores de Desenvolvimento

Outra característica estrutural do Estado positivista catarinense foi sua política de colonização e imigração, especialmente voltada para o interior e oeste do território. Por meio da ação do governo, terras devolutas foram demarcadas e organizadas para receber imigrantes europeus, principalmente italianos e alemães.

A colonização não foi apenas uma resposta à necessidade de povoamento, mas um projeto civilizatório, como parte do projeto republicano para todo o Brasil: formar pequenas comunidades disciplinadas, organizadas em torno do trabalho agrícola e do associativismo. O Estado ofereceu apoio institucional para essa expansão, promovendo a regularização fundiária, assistência técnica e serviços públicos básicos.

A colonização no oeste catarinense ocorreu por intermédio das companhias colonizadoras, em estreita colaboração com o governo estadual que almejava uma ocupação territorial concomitante ao desenvolvimento de uma atividade econômica. Essas companhias eram formadas, em sua grande maioria, por comerciantes e especuladores — “os empresários da  colonização” — que loteavam e comercializavam suas áreas individualmente, enquanto o governo estadual abriam estradas e realizava obras de infraestrutura.

Este movimento impulsionou o desenvolvimento da policultura, adaptada às condições geográficas da região e à tradição agrária dos colonos, e deu origem ao modelo fundiário de pequenas e médias propriedades, base econômica e social do mercado interno catarinense.


Hercílio Luz e a Consolidação da República Catarinense

Após a Revolução Federalista (1893–1895), que buscou deter o avanço da centralização republicana, Hercílio Luz emergiu como líder da pacificação institucional. Membro do antigo Partido Conservador, tornou-se republicano e assumiu o governo estadual, onde deu continuidade à política de modernização e estruturação estatal.

Seu mandato foi marcado por obras de vulto — como a idealização da ponte que hoje leva seu nome — e pela continuidade do projeto de colonização e desenvolvimento econômico. Sob sua liderança, consolidou-se o modelo de Estado técnico-burocrático, em que o mérito, a disciplina administrativa e a ordem eram os pilares da administração.


A Marcha  para o Oeste:

No campo da imigração e da colonização, o projeto positivista de organização da sociedade manifestou-se de forma clara. O Estado incentivou a vinda de imigrantes europeus, especialmente alemães, que já vinham se estabelecendo em Santa Catarina desde meados do século XIX. Com apoio governamental, diversas colônias foram fundadas, como Blumenau (1850), Joinville (1851), Brusque (1860) e Itajaí, ampliando-se no período republicano para o Alto Vale do Itajaí, o Planalto Serrano e o Oeste. A presença alemã em Santa Catarina chegou a somar mais de 150 mil imigrantes diretos e seus descendentes ao final do século XIX, consolidando um cinturão germânico no território estadual. Essas colônias foram organizadas com base em núcleos urbanos planejados, com pequenas propriedades agrícolas ao redor, seguindo modelo racional e produtivista caro aos positivistas. A instrução pública foi fortemente estimulada nesses núcleos, com escolas bilíngues e incentivo à formação técnica e moralista.

Com a expansão da ocupação do interior do estado, especialmente nas regiões do planalto e do oeste, o governo estadual impulsionou um ambicioso projeto de colonização e infraestrutura, articulado ao avanço ferroviário. A Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, passando por Mafra, Lages e chegando até o Rio Grande do Sul, foi fundamental para a fixação de colonos em áreas remotas, bem como para o escoamento da produção agrícola e madeireira. Outro ramal estratégico foi o que ligava o interior ao porto de Tubarão, consolidando uma via de exportação para os produtos do planalto e da serra catarinense. O apoio governamental à construção dessas linhas férreas evidenciava o ideário positivista de progresso via ciência e técnica. Essas ferrovias não só facilitaram o acesso a terras antes isoladas, como permitiram uma colonização sistemática, baseada em lotes planejados, cooperativas agrícolas, incentivos fiscais e escolas técnicas.

O Estado catarinense, sob gestão de políticos com formação técnica e influenciados pela doutrina positivista, desenvolveu políticas de infraestrutura voltadas para a modernização econômica e social. Implantaram-se redes de telégrafo, estradas vicinais e pontes metálicas em regiões colonizadas, conectando os núcleos imigrantes entre si e com os centros urbanos. O Departamento de Terras e Colonização do Estado, criado ainda no final do século XIX, foi o responsável pela gestão dos lotes, pela regularização fundiária e pelo direcionamento dos imigrantes para áreas estratégicas, atuando em estreita colaboração com empresas colonizadoras privadas.

O Positivismo Catarinense materializou-se na constituição estadual, na política de colonização ordenada, na expansão ferroviária, na aposta em uma sociedade disciplinada, instruída e economicamente produtiva. A presença dos imigrantes alemães e a racionalidade com que se planejaram seus assentamentos refletem de forma clara os ideais de organização e progresso que marcaram a transição catarinense para a modernidade republicana.


O Modelo Republicano de Estado e Sociedade

O que se constituiu em Santa Catarina entre 1889 e 1930 não foi apenas a adaptação à forma republicana, mas a edificação de um modelo regional de Estado, com forte base racionalizadora, na política de imigração dirigida, no fomento à pequena propriedade e na industrialização descentralizada.

A formação de mini-fúndios, a predominância da policultura e a existência de um mercado interno ativo e autônomo foram produtos diretos das políticas promovidas por este Estado técnico-científico, organizado por engenheiros, e administradores positivistas. No Rio Grande do Sul, esse modelo foi implantado apenas parcialmente, ficando ausente na “campanha gaúcha”, justamente a área de reduto dos liberais-latifundiários, que tanto se opuseram ao modelo Castilhista. Tendo o Rio Grande do Sul Castilhista, funcionado como um guarda-chuva que protegeu Santa Catarina dos tumultos e ações criminosas dessas hordas.

Quando da Revolução de 30, no que pese o presidente (governador) do Estado ter declarado fidelidade ao Presidente Washington Luís, houve ampla adesão política e militar local pela Revolução, forçando o governador a renunciar. A adesão de Santa Catarina foi chave para o corpo das tropas riograndenses, sem o qual não teriam passado para além da Serra Geral. Esse apoio em muito se deveu ao estreito alinhamento histórico entre o PRC e o PRR, que em várias ocasiões apoiou com reforços militares os governos castilhistas no Rio Grande do Sul. 

Esse legado permanece visível no presente: Santa Catarina mantém uma das mais equilibradas distribuições fundiárias do país, uma economia robusta com base em pequenas e médias empresas, e índices elevados de desenvolvimento humano — frutos, em larga medida, do projeto civilizatório positivista, e que mais do que em qualquer outro canto do Brasil, mais prosperou e rendeu frutos em Santa Catarina, posto em prática por homens com obstinada fé na ordem, no progresso e na razão.




Artigos Correlatos:

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Entrevista com o Chefe do Círculo Castilhista - O Castilhista.

Após breve espera, nosso entrevistado adentra com um sorriso franco e pedido de desculpas, mais por cortesia do que culpa. A farda negra, galões dourados nos ombros e o lenço branco ao pescoço parece encarnar um capitão cavalheiresco saído dos livros de História. Recosta-se na poltrona com a naturalidade de quem conhece o peso da própria presença. Acende o charuto sem cerimônia, e a fumaça sobe lenta, cruzando os feixes de luz que contrasta sua face entre a claridade e a penumbra, como quem guarda mais do que revela. As linhas do rosto, corretas, se destacam e denunciam a nobre e antiga estirpe que descende. A franja, caida descuidada sobre a fronte, como um véu, lhe intensificava ainda mais o olhar penetrante, hipnótico, daqueles que medem, não apenas miram. E, a cada resposta, denota argucia. Inteligente sem afetação, cortês sem subserviência, patriota sem fantasia — é homem cuja justiça vem antes da pose, e cuja palavra, ainda que breve, ecoa como sentença. 

Editorial

O que é o castilhismo?

O Castilhista: - Castilhismo é uma ideologia surgida em 1882, e que terá como marco a instituição da Constituição do Rio Grande do Sul, em 1891, por Júlio de Castilhos. Que tem como alguns de seus princípios a centralização administrativa, o anti-patrimonialismo (não uso da máquina pública para fins pessoais), a tecnificação do Estado, além ser norteado por um conjunto de valores humanistas, socialistas e evolucionistas, conferindo ao Estado uma tutela moralizadora sobre a sociedade.


E onde ou… qual a origem do castilhismo?

O Castilhista: - A fundação do jornal A Federação por Venâncio Aires, Júlio de Castilhos, dentre outros, incluso o próprio pai de Getúlio, Manoel Vargas. E que terá como marco consagratório a instituição da Constituição Castilhista de 1891, materialização do ideário castilhista.


Podemos dizer que o castilhismo é um ideário nacionalista?

O Castilhista: - Única e verdadeira ideologia nacionalista brasileira. É preciso frisar que todo e qualquer ideário nacionalista, necessariamente, há que se fundar em seu escopo de tradições, e o castilhismo tem profundas raízes nas idéias pombalinas, que se transladam para o Brasil ainda na época colonial, e que seguindo um corpo de tradições ainda mais antigas, de ideias renascentistas no bojo do próprio descobrimento do Brasil e que permeava seus primeiros povoadores.  E assim, o Castilhismo se revela como primeira ideologia nacionalista brasileira. Ideologia, porque implica numa sistematização de ideias de defesa dos interesses brasileiros, e que terá no cenário nacional, como primeiro governo nacionalista, a figura do marechal Floriano Peixoto.


Quais são os principais ideais pregados pela doutrina castilhista? Isso é no que o castilhismo acredita?

O Castilhista: - Há todo um corpo ideológico que não se resume a algumas citações, mais exemplificadamente podemos citar a instituição de um Estado técnico, centralizado, animado por um corpo político norteado por ideias racionalizadoras. Esse Estado Castilhista, incorpora instituições política Democráticas, verdadeiramente democráticas, oque implica em referendos populares, destituição do executivo a qualquer tempo por meio de plebiscito, chamado mandato revocatório ou recall, e sumamente importante o princípio da continuidade administrativa por intermédio da reeleição ilimitada, ou seja, o executivo pode ser reconduzido ao cargo tantas vezes seja reeleito, com um detalhe que na constituição castilhista previa que a reeleição deveria se dar por quorum qualificado,  não bastava maioria simples para ser reeleito, e sim ter ¾ dos votos, oque implicava em uma quase aclamação popular. E naturalmente a defesa da nacionalidade brasileira.


Quando lemos a primeira vez sobre castilhismo, nos deparamos com o nome “Júlio de Castilho” como seu construtor, mas hoje no Brasil, esse nome é pouco falado. Para o castilhismo, quem foi Júlio de Castilho?

O Castilhista: - Júlio de Castilhos foi Presidente do Rio Grande do Sul (oque equivale na atualidade ao atual cargo de governador), em 1891, quando institui a Constituição Castilhista, e de 1893 à 1898. E que norteou toda geração de políticos que o sucederão, proeminentemente Getúlio Vargas.


Quais a principais fontes do castilhismo?

O Castilhista: - A Constituição do Rio Grande do Sul de 1891, instituída por Júlio de Castilhos, por isso dita Castilhista. É importante salientar que diferente de outras ideologias, o Castilhismo não parte de elucubrações abstratas, que como regra nunca se materializaram. Mais de um corpo legislativo materializado que dar forma a um Estado com forte substrato nas instituições políticas testadas e aprovadas ao longo do século. O Castilhismo não cai em ilações estéreis, parte de pressupostos empíricos, de comprovada eficácia. Daí o sucesso de suas instituições e seus governos.


Qual a importância do castilhismo para a história do Brasil e, qual seu impacto na história e hoje?

O Castilhista: - Enorme! O Estado Novo é a materialização do Estado Castilhista no Plano Nacional. E mesmo mundial, foi a cartilha castilhista, por intermédio de Vargas, que serviu de modelo para Delano Roosevelt nos EUA, implementar o New Deal. Com ele se sedimenta a tecnificação dos Estados Modernos, que quase todos em maior ou menor grau possuem, na atualidade, não se deve cair no anacronismo, que isso existia antes, antes, grassava o mais aviltante e abjeto fisiologismo, não só no Brasil como no resto do mundo, e assim, com a tecnificação do Estado, a ocupação dos cargos públicos passou a ocorrer, por pessoas tecnicamente qualificadas. Bem como a concepção de um Estado regulador da economia e fortemente intervencionista, tanto na área econômica quanto social.


Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e Leonel Brizola são vistos como castilhistas segundo alguns adeptos que conhecemos. Isso está correto? Existem outros que podem ser citados como grandes do Brasil seja na política, cultura ou outro meio?

O Castilhista: - Sim, Floriano Peixoto foi aliado político de Júlio de Castilhos, lhe auxiliando na guerra federalista, contra os maragatos (liberais), teria sido seu natural sucessor na presidência, não fosse a manobra da bancada cafeicultora para afastá-lo e fazer como sucessor o Prudente de Morais. A quem Floriano, como lhe era característico, devotou verdadeiro ódio, deixando quando da sua entrega do cargo, o Itamaraty, então sede do governo da República literalmente vazio, sem nenhum móvel. A mencionar, que foi no governo de Prudente de Morais, e NÃO de Floriano, como propaganda certos patifes, que ocorreu o massacre do povoado de Canudos. Getúlio dispensa maiores comentários, seu pai foi um dos fundadores do Partido Republicano Riograndense juntamente com Júlio de Castilhos, foi também líder da Juventude Castilhista, e sempre externou Castilhos como sua maior inspiração dentro da política. Brizola, embora seu pai fosse maragato, teve formação castilhista, estudou no Colégio Júlio de Castilhos, uma das mais renomadas instituições de ensino do Rio Grande do Sul, e tradicional centro castilhista. Há vários outros vultos como Padre Landell de Moura, inventor do Rádio, o próprio Pinheiro Machado, braço direito de Júlio de Castilhos, que foi o mais poderoso senador da República, etc…


Existe relação do Castilhismo com a República e a Democracia no Brasil?

O Castilhista: - Com a República naturalmente, o Castilhismo é uma corrente republicana, quando da instituição da República. O Castilhismo incorpora valores jacobinos dos pleitos democráticos (plebiscitos, referendos, eleições diretas), diferentemente do positivismo. A Democracia, no castilhismo não é mero enfeite, é prática incorporada a suas instituições. Muito diferente do regime representativo liberal, que se outorga “democrático” quando na verdade, é radical opositor, uma oligarquia com máscara de “democracia”. Falsa-democracia.


E o que o castilhismo penso sobre separatismos no Brasil?

O Castilhista: - Abjeto! É a desintegração de todo projeto político de uma nação, impensável! Repugnante! A negação da nacionalidade e alta traição aos nossos ancestrais.


Qual a visão dos castilhistas sobre o antigo PRONA e Enéas Carneiro? Há consenso? Suas ideias eram próximas a algo que o castilhismo acredita?

O Castilhista: - Figura menor, sem maior relevância tanto no cenário político, como tão pouco na história do Brasil. Oque chamais de “suas ideias”, em verdade são ideias do Bautista Vidal, esse sim, figura proeminente no ideário nacionalista. E as ideias do Bautista Vidal são totalmente convergentes com as do castilhismo, embora o Bautista Vidal não tenha tido uma formação castilhista, sua atuação de técnico no governo Geisel, lhe deu uma natural visão tecnicista do Estado, oque lhe confere alinhamento ideológico com o castilhismo.


Em termos mais básicos, podemos definir a Terceira Posição como um conjunto de ideários que possuem em comum a oposição ao liberalismo capitalista e ao socialismo marxista, assim como hoje, pode ser traduzido na aposição ao conservadorismo e progressismo de caráter liberal. O castilhismo, como doutrina, concorda com esse posicionamento? Existem diferenças e similitudes do castilhismo e os segmentos político-ideológicos de origem terceirista?

O Castilhista: - É importante ressaltar que o “socialismo” em sua concepção originaria pensada por Saint Simon que cunhou o termo (socialismo), o socialismo é capitalista. “Capitalismo” não é um modelo político. É uma relação econômica de acumulação de capital, apenas isso. O liberalismo sim, é um modelo político. Quanto ao termo “Terceira Posição”, foi cunhado por Perón, que o compreendida em um sentido geopolítico, de não alinhamento aos EUA, nem a URSS. Logo o Castilhismo adere a essa concepção, e isso não é mero desdobramento lógico, se materializa com a adesão de Getúlio a Perón por intermédio do pacto do ABC, que visava a formação de um bloco político da América do Sul. Como por Brizola, quando dizia: “nem Washington, nem Moscou”.


Uma doutrina nacionalista de caráter nacional brasileiro que entrou em cena novamente e ficou popular em alguns meios pequenos de nacionalistas no Brasil foi à temática “integralismo”. Qual visão o castilhismo possui sobre o integralismo? Existem diferenças e semelhanças?

O Castilhista: - O integralismo, por mais que neguem, foi um plágio do Plínio Salgado dos movimentos europeus ocorridos na época. É bem verdade, que houve o esforço de alguns intelectuais, e até do próprio Plínio, de lhe dar aspectos originais. Oque ao meu ver, ele não consegue, apenas embaralha pontos de doutrinas diversas, notadamente de autores europeus, e desse ecletismo chama a isso de "novo". Sendo mais objetivo, o Plínio se baseou flagrantemente no filosofo francês Charles Maurras, de onde tirará o próprio nome “integralismo”, e a alusão ao símbolo grego, sigma, usado na matemática como sinal de soma. Alguns dementes tendem a lhe dar contornos místicos….. ridículo! Também flagrante, no plano institucional, a copia do modelo corporativista do fascismo italiano. Negam os integralistas, no caso o próprio Plínio, dizendo que a composição do conselho corporativo no integralismo era diferente… por exemplo, havia a representação dos professores, oque não havia no caso italiano. Oque obviamente não desnatura o modelo copiado. Para quem não esta familiarizado, o modelo corporativo fascista, nada mais é do que um sistema parlamentarista, em que, ao invés dos representantes do parlamento (câmara corporativa) ser eleito diretamente pelo voto popular, eles são indicados por seus respectivos sindicatos. A composição da câmara corporativa muda conforme, arbitrariamente, for estipulado. Assim, algumas categorias poderão estar representadas, outras não. Dito isso, o Castilhismo difere da fórmula institucional apresentada pelo Integralismo, ou seja, o corporativismo, pois isso implica na perda de poder do executivo, pois no Regime Castilhista há maior concentração de poder no Executivo. No Castilhismo, o parlamento (e seu equivalente no fascismo a câmara corporativa) não tem poder de legislar e tão pouco decisório. Embora tratem os “presidentes”(Dulce, Führer, etc…) dos regimes fascistas (falo do termo em seu sentido genérico) como ditadores, isso no plano institucional em tempos de normalidade, não ocorre, pois essas figuras só intervém excepcionalmente para dirimir conflitos. Na prática, a condução da política nacional é exercida pela câmara corporativa. Bem similar a figura dos Reis das monarquias parlamentarista, não é? Acredite, não é mera coincidência a instituições de monarquias na península escandinava e no Japão pós Segunda Guerra. A centralidade que gozaram os lideres fascistas no curso da segunda guerra devem muito mais ao estado de guerra, que naturalmente centraliza as ações políticas, do que ao modelo institucional aplicados em tempos de normalidade institucional. Podemos ressalvar, o modelo Nacional Socialista, em que a figura do “Führer” tinha poderes bem mais centralizados, oque acaba por tornar a câmara corporativa subordinada a suas decisões. Há várias outras divergências… o integralismo no plano econômico, não previa expressamente a atuação do Estado na economia, fomentando a atividade industrial e tecnológica, as tratativas nesses aspectos são muito parcas, talvez tanto por incompetência dos seus ideólogos como por flerte com setores liberais, com quem o Plínio Salgado sempre manteve laços. Basta lembrar que o Plínio propunha entregar a exploração mineral de jazidas no sul do país a Alemanha, em troca de apoio financeiro para derrubar Vargas e tomar o poder. Oque naturalmente, se depreende que o “nacionalismo” do integralismo de Plínio Salgado, era meramente de fachada, canto da sereia para atrair incautos, e nesse aspecto não negamos nacionalistas sinceros que integraram as hostes integralistas na década de 30, como Câmara Cascudo, dentre outros.


Atualmente, existem grupos que se intitulam “herdeiros” do legado político e ideológico do integralismo brasileiro (pregado pela AIB – Ação integralista Brasileira nos anos 1930). Como os castilhistas os vêem atualmente? Eles defendem aquilo que pregou o integralismo de fato? Enxergam os castilhistas uma diferença abissal entre o integralismo histórico e essa tentativa atual?

O Castilhista: - O Integralismo tem duas fases bem distintas, sua formação, que foi prestigiado por Vargas, e que há muito deve sua popularidade, e logo mostrou que nada mais era do que um movimento oportunista,  acarretando na sua dissolução em 37, teve vida relativamente curta. Com a dissolução da AIB, Plínio Salgado e Miguel Reale mostraram sua verdadeira natureza, a de liberais, Gustavo Barroso destoa, único da tríade Integralista que coerentemente manteve do inicio ao fim um discurso e uma postura verdadeiramente nacionalista. Na atualidade, elementos que se dizem “integralistas”, em verdade, não passam de liberais fantasiados de integralistas, não por acaso, tem horror ao Gustavo Barroso, só o mencionando para manter aparências. Ardil para atrair incautos. Atuam como cavalo de troia, quintas colunas. Os neointegralistas atuais nascem no seio do círculo monárquico, impregnada de gnosticismo maçônico, travestido de catolicismo conservador, e liberalismo dos mais infames e entreguistas.


É correto afirmar que o castilhismo caiu em desuso hoje em dia ou ele continua ativo na real politique em algum nível?

O Castilhista: - Toda ideologia se não esta implantada esta em desuso. Porém várias proposições do modelo castilhista continuam vigente, institucionalmente, a tecnificação do Estado se não plena, ao menos parcialmente continua vigente nos Estado Modernos. Isso por si só mostra sua atualidade. A planificação da economia, materializada na lei plurianual, e que é existente em quase todos os Estado Modernos, se é comprida ou não, são outros 500, também é uma consagração das ideias castilhistas. Então seu ideário, ainda que parcialmente, esta e continuará ativo, e mesmo ocorrendo retrocessos será um farol a alumiar os que vagam na escuridão. Ideias não morrem. Brizola não era um ideólogo, mas além de sua formação castilhista, tinha consciência da ideologia castilhista, sempre andava com um manifesto de Júlio de Castilhos no bolso. E nós do Círculo Castilhista somos legatários dessa tradição, somos a V Geração Castilhista, e enfrentando os problemas da vida nacional de nossa época, e dentro do nosso contexto, a ferve nacionalista esta mais acessa do que nas gerações anteriores.


Existe atualmente uma representação formal na sociedade ou política nacional que levante a bandeira ou os valores do castilhismo?

O Castilhista: - Unicamente nós do Círculo Castilhista. O PDT após o falecimento do Brizola, se degenerou, virou sigla de aluguel, nada representa do ideário de Castilhos, Brizola, Vargas e Goulart.


Na visão castilhista, qual o ideal que se pode ter do Brasil como país e como nação. Somos nação, nações ou Império?

O Castilhista: - Um verdadeiro nacionalista, concebe apenas uma única nacionalidade, fora disso é a negação do próprio nacionalismo. A pergunta é pertinente, embora óbvia, pela disseminação de alguns nichos que se outorgam, falsamente, como “nacionalistas”, ao mesmo tempo que negam a existência da nação brasileira, que segundo esses patifes, seria o Brasil composto por “várias nações”.  Nação é uma unidade política, de um povo que goza de uma mesma origem, e que por derivação, organicamente, tem uma mesma língua e credo. Isso não implica em se ter uma uniformidade racial, como idealizam alguns, que se quer existe ou existiu em outros países. Os brasileiros não só são uma nação, como são a mais antiga formação nacional das Américas, e mesmo de tantas quantas, atualmente, existentes na Europa, mais do que a Alemã, e do que a Italiana a guisa de comparação.


Uma coisa que tem se popularizado bastante no mundo é a Quarta Teoria Política – cujo expoente mais popular é o filósofo russo e cientista político Aleksandr Dugin -, entre alguns nichos de dissidências políticos alternativos como outra forma de resposta ao atual pensamento dicotômico do sistema ou establishment. Existem prós e contras em relação a essa linha de pensamento? Quais seriam elas?

O Castilhista: - Quarta Teoria Política é ideologia de exportação do imperialismo russo para seus países satélites, afim de fragmentá-los, velha máxima, dividir para conquistar. É que faz parte da guerra híbrida por parte dos russos. Oque eles propugnam é a fórmula da auto-destruição. Cavalos de Troias, quintas colunas, o oferecimento de maçã envenenada. Dentre outras acepções, falam em defesa de identidades locais, ou mesmo, regionais… é a negação do nacionalismo. Para mensurar o absurdo, imagine um grupo turco, que é um contingente de longa data presente na Alemanha reivindicando “direito” de preservar sua identidade  em plena Alemanha! Soa absurdo? Pois oque a 4ªTP defende. Puro identitarismo. Não é de se espantar serem próximos a comunidades muçulmanas. É bastante conveniente para esses nichos aderirem a esses crápulas para defenderem a aplicação de eventuais leis muçulmanas a sua comunidade, ao arrepio da legislação nacional, ao mesmo tempo que abre caminho para infiltração de agentes externos dentro do país. E isso não toca apenas aos muçulmanos. O mesmo principio vale para qualquer agrupamento estrangeiro. É a dilaceração da nação!


Qual a visão geral do atual governo na “gestão Bolsonaro” segundo a óptica castilhista?

O Castilhista: - Como dizíamos, o período Temer estava sendo catastrófico, uma eventual Éra Bolsonaro seria apocalíptica, e assim foi. Agora não podemos acusá-lo de fraude, tudo que ele fez ele disse que faria.


Qual a visão castilhista em relação ao fenômeno do “olavismo” no Brasil?

O Castilhista:  - Esta no contexto de Guerra de Quarta Geração, Guerra Híbrida, do qual a Quarta Teoria Política também esta inclusa.


Qual a visão castilhista sobre a atual conjuntura “direita tupiniquim”? É um fenômeno exclusivo de nossos tempos atuais?

O Castilhista: - A Direita no Brasil é oque sempre foi, um fantoche de atores externos. Não tem vida própria, são financiados e articulados por estrangeiros contra o País. São e sempre foram anti-brasileiros. Inimigos do Brasil.


Revoluções coloridas no Brasil e no mundo. Qual a visão castilhista sobre o assunto?

O Castilhista: - Manipulações externas, guerra de quarta geração, como foi as manifestações de 2013, ou o “Lawfare” contra o Lula, que é a cooptação de parte do judiciário lhe imputando crimes, que julgados procedentes ou não, indiferente do resultado, maculam a imagem política. Esse é o objetivo, não importa se ao final o agente político seja inocentado, a intensa propaganda contra sua pessoa, macula sua imagem o inviabilizando politicamente.


Não é de hoje, toda forma de pensamento que segue na contramão do que é estabelecido pelo sistema como “politicamente correto” é chamado de racismo e fascismo. Como o castilhismo enxerga a questão étnica do brasileiro na história e na atualidade? Sofremos de falta de pertencimento e união?

O Castilhista: - Não creio adequado o termo “politicamente correto”, embora compreenda o sentido. Não há que dar azo a relativismos morais, oque é certo é certo e oque é errado é errado. Conceitualmente, só é admissível oque é politicamente correto. Embora mais uma vez, compreendo que não é o sentido no qual se emprega o termo. Isso posto, é preciso contextualizar. Jogar no mesmo saco, racismo, fascismo é mero chavões de quem não compreende nem um nem outro, e quase sempre, tem uma concepção equivocada do que seja. Ignorantes! Os brasileiros são uma única unidade étnica, e que formam um Estado Uni-Étnico. Dizer que o Brasil é multicultural é uma hedionda mentira. Oque ocorre no Brasil – e isso não nos é exclusivo -, é um desmantelamento do Estado Nacional, da nacionalidade, em todos os países do mundo as nacionalidades estão sendo atacadas, de modo a dar lugar a uma massa sem unidade, e sem identidade, oque os romanos desdenhosamente chamavam de plebe. O tempo passa, o tempo muda e as estratégias de dominação continuam as mesmas… A nacionalidade periclita!


Onde as pessoas podem saber mais sobre castilhismo e qual a literatura para entendê-lo?

O Castilhista: - Em nosso simplório Blog Ressurreição Nacionalista ( http://ressurreicaonacionalista.blogspot.com ), que é um portal de difusão da ideologia castilhista e que também trata brasileiramente das Cousas do Brasil, do nosso Brasil. E no Círculo Castilhista, que congrega os adeptos do castilhismo, e que desde já convidamos a todos os nacionalistas sinceros ingressar.


Sinta-se livre para fazer suas considerações finais

O Castilhista: - O símbolo do Fascio entrelaçado por gravetos, consagrado pelos romanos, e que foi adotado pelos positivistas, meio século antes do fascismo, simboliza o princípio que mantém uma comunidade forte, capaz de superar e vencer as adversidades. Essa alegoria ainda permanece viva a lembrar a fórmula da prosperidade. O Nacionalismo é esse fascio que mantém seus nacionais unidos, a defesa da identidade nacional, sua língua, seu credo, seu sangue, é que dá coesão a um agrupamento humano, sem ela, cessa sua força e se torna vulnerável e frágil. Não é por acaso, que todos os países, em qualquer época, que lançaram mão de uma ideologia nacionalista se tornaram fortes e foram capazes de propiciar prosperidade aos seus cidadãos. E isso se opera através do Estado, aglutinador da vontade popular, nunca por intermédio de entidades privadas que só visam seus ganhos pessoais. Assim um povo unificado por um Estado no desejo de ser materialmente grande, com virtudes de vontade para transformar esse desejo em necessidade de dominar seus meios, como realização de seu destino; um povo levado por chefes com valor de alma necessário para sentir e condensar as tendências e necessidades gerais. Com dirigentes assim a nação forte se realiza!

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Ao sinal do término, apaga o charuto no cinzeiro. Toca, pela última vez, o bigode — gesto breve, quase ritual — e ergue-se com um largo sorriso, congratulando-se calorosamente conosco, como quem acolhe mais um camarada à sua trincheira. Em seguida, é envolvido por seus pares, que cotejam sua saída pelo corredor, até que se perde de vista, ao ressoar dos seus passos. 

Fica no ambiente o rastro da fumaça e de suas palavras, como ecos de um tempo em que a defesa da Pátria não era ornamento, mas dever. E ali, na penumbra onde luz e sombra ainda duelam sobre a poltrona vazia, permanece a impressão vívida de uma presença que não se apaga com a ausência — mas antes se amplia, como marca cravada na memória.

Fora mais que uma entrevista: fora encontro com um desses raros homens que cruzam o destino de uma nação como enviados por Deus. Desses que não se dobram à fortuna, mas a conquistam.


quinta-feira, 20 de março de 2025

O Catolicismo Tradicional Brasileiro - A Alma do Brasil.

Há pelo menos dois tipos de catolicismo no Brasil: o oficial e o popular. Esta dualidade é antiga, desde o período colonial, e muitas vezes em oposição: o catolicismo doméstico dos primeiros colonos, dos chefes de família, e o catolicismo mais Romano, mais universalista, das ordens religiosas e principalmente dos jesuítas. É difícil precisar quais as proporções dos adeptos de um ou outro dos dois tipos de catolicismo, pois não são captáveis por meio de estatísticas.

Tal dualidade não é exclusivamente brasileira, mas universal; em todos os países existiu sempre oposição entre de um lado as necessidades religiosas espontâneamente formuladas pela massa da população aliadas à conservação de antigas tradições religiosas e, de outro lado, a estrutura de uma hierarquia sacerdotal, sustentada por um dogmatismo mais ou menos rígido.

Os sacerdotes, em sua maioria, permanecem nas cidades ou nas zonas mais populosas; no sertão e nas zonas rurais em geral são sempre escassos. As paróquias do interior, muito vastas, raramente dispõem de um vigário ali residindo em permanência, e muitas vezes um só cura tem a seu cargo mais de uma paróquia; a extensão a percorrer é de tal ordem que a maioria das localidades recebe a visita do vigário apenas uma vez por ano.

Mesmo nas cidades, a falta de padres é significativa, como demonstrado por dados de meados do século XX, que revelam uma proporção insuficiente de clérigos para o tamanho da população. A prática religiosa varia consideravelmente entre as classes sociais. As elites, mais instruídas religiosamente e residentes em bairros melhor servidos de padres, apresentam maior frequência de prática religiosa, representando cerca de 15 a 20% dos praticantes regulares.

A instrução religiosa ministrada por sacerdotes é rara e atinge crianças de nível social elevado, as quais seguem cursos de catecismo durante alguns meses, preparando-se para a primeira comunhão. As crianças da plebe, seja em zona urbana, seja rural, são instruídas por seus pais ou parentes, quase sempre analfabetos e que, por sua vez, foram no passado instruídos do mesmo modo. A fé é assim transmitida de geração em geração por uma espécie de inércia conservadora. A grande maioria dos católicos brasileiros recebem-na de herança sem praticamente conhecerem a doutrina. É neste contexto que hoje se difundem cada vez mais o protestantismo e o espiritismo.


2 — Formação do catolicismo popular brasileiro.

Durante todo o período colonial e mesmo após, a carência de párocos e, por conseguinte, de assistência religiosa, forçou o brasileiro a adaptar-se. Tal adaptação, espontânea, expressou-se numa reorganização e reinterpretação do catolicismo tradicional, trazido pelos colonos portugueses de um lado, e do catolicismo oficial, trazido pelos poucos sacerdotes que aqui aportaram, de outro. Neste processo, elementos novos surgiram; elementos antigos ou pertencentes à religião oficial haverem sofrido transformações; dogma e liturgia haverem sido deformados por necessidades locais ou pela imaginação de líderes religiosos falhos de adequada instrução. Apesar das diferenças entre o culto oficial e o culto popular, a grande maioria dos brasileiros se tinham como muito bons católicos, a tradição lhes ditou o apego a esta forma religiosa.

O suposto sincretismo, difundido nas últimas décadas, mais das vezes por autores maçônicos, entre o catolicismo e outras manifestações religiosas, notadamente de matriz africana, é uma falácia. À época colonial até hodiernamente, no meio rural, os cultos africanos foram inexistentes quase por completo. A guisa de exemplo os residentes no quilombo dos Palmares, são reportados como católicos. Bem como as ditas "comunidades quilombolas" remanescentes, são todas católicas, sem resquício de sincretismos com cultos africanos. A manifestação de cultos de origem africana só se verificam a partir do início do século XIX, durante o Império, ainda assim circunscrita a nichos. Fomentados por uma política liberal de condescendência, de cariz maçônico, promovida pela monarquia, especialmente nas grandes cidades, que fomentou o surgimento da maçonaria negra, propiciada por libertos unidos a grupos abolicionistas quase sempre ligados à maçonaria. E por assim, é um fenômeno tardio e eminentemente urbano. No meio rural, a ausência desses grupos, propiciou que o catolicismo popular se conservasse mais 'puro' do que o das cidades, permanecendo fiel às suas origens portuguesas.

O sincretismo com as religiões indígenas foi inexpressivo. Na Amazônia, as sobrevivências  foram  mais visíveis; mas, ao contrário do que se observa com os cultos africanos, quanto mais se penetrar na floresta, mais numerosos haverem sido os elementos de religiões aborígenes associados ao catolicismo. Trata-se, todavia, de fenômeno localizado em área geográfica limitada e precisa, e não de fenômeno difundido em geral no país. E embora ali estejam as crenças muitas vezes embebidas de elementos indígenas, a organização religiosa, as festas revelarem claramente sua origem portuguesa. A pajelança, culto religioso que une catolicismo e religião indígena, não atingiu nunca a mesma importância do candomblé de origem africana: tendo sua difusão sido muito restrita.

O Catolicismo no Sertão brasileiro foi mantido muito mais próximo daquele trazido pelos portugueses nos dois primeiros séculos da colonização, e que evoluiu, por assim dizer, fechado sobre si mesmo. Ora, a maior parte dos elementos religiosos trazidos para o Brasil eram parte, já em Portugal, da religião popular; pois o campones português, especialmente o nortenho, ao emigrar, trouxe consigo suas crenças. Porém, ao persistir, este catolicismo popular veio a cindir em dois: um catolicismo urbano e um rural. Esta divisão se deu com o correr do tempo; a princípio, formavam uma unidade que era o catolicismo popular simplesmente. Mas, à medida que no Brasil se disseminou um estilo de vida urbano de tipo ocidental — iniciado com a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro — o catolicismo popular urbano se distanciou de seu irmão rural. É esta segunda forma do catolicismo popular que nos deteremos.


3 — A civilização tradicional na sociedade brasileira atual.

A civilização rural que hoje encontramos no interior do país é o prolongamento da antiga civilização brasileira, que teve início com a colonização portuguesa. Homogênea em toda a enorme colônia, no fim do século XVII já se havia consolidado. E no fim do século XVIII, apresentava caracteres próprios e inconfundíveis com os de sua matriz lusitana. No século XVIII, já se havia estabilizado esta verdadeira civilização brasileira, muitos de cujos traços persistem hodiernamente em todo o país.

Durante o período colonial, a civilização brasileira tradicional era uma só, tanto na zona rural quanto nas cidades. Práticas religiosas como a Dança de Gonçalo realizavam-se nas igrejas de Salvador, Recife, Rio de Janeiro, etc.. . A transferência da Família Real portuguesa em 1808, e a modernização urbana decorrente de sua instalação no Rio de Janeiro, impeliu o processo de modernização, progredindo cada vez mais, e aos poucos apagando aquela civilização tradicional das cidades maiores, em seguida das pequenas capitais provincianas, para finalmente remanescer nos vilarejos e povoados. Hoje em dia, encontramo-la em grande parte do Norte, do Nordeste, do Centro-Oeste do País.

Todavia, o processo de modernização nunca se espraiou de forma regular e homogênea no espaço brasileiro. Assim mesmo ao pé da Serra do Mar, no pregueado da Serra da Mantiqueira, a pequena distância da capital paulista, inúmeros grupos de vizinhanças mantiveram-se presos ao estilo de vida e conservaram-lhe o catolicismo tradicional. Desta, destaca-se uma minoria de grandes proprietários perfeitamente adaptados à vida moderna; um conjunto de médios fazendeiros, compondo pequena classe intermediária; uma mão de obra assalariada não muito numerosa. O restante, segundo estimativa superficial seria de 60% do total rural, que constitui a maioria da população rural, composta de camponeses no sentido etnológico da palavra. São eles os grandes conservadores da tradicional civilização brasileira.


4 — Composição do catolicismo tradicional.

Devido ao povoamento disperso do interior do País e à falta de indivíduos convenientemente instruídos do ponto de vista religioso, cuja ação poderia ter tornado mais homogêneos doutrina e ritos, a prática religiosa rural apresentou muita variação em torno dos mesmos temas centrais. Em regiões tão afastadas umas das outras quanto a "zona serrana" do Estado de Santa Catarina, os sertões do Nordeste ou as florestas da Amazônia, são encontrados elementos religiosos semelhantes; sua distribuição, porém, não se faz por igual e muitas vezes não figuram em regiões intermediárias. Isto é, surgem num ponto e em seguida muito mais além, mostrando que sua disseminação foi inteiramente irregular. São, todavia, sempre os mesmos elementos.

Por outro lado, embora semelhantes e mantendo o mesmo esquema básico fundamental, os detalhes são diversos quando se passa de uma região para outra. Poderíamos elaborar uma longa lista destas práticas: as penitências; as orações rústicas; as comemorações do Dia de Reis; as festas de São João; a Semana Santa; sem falar nas danças folclóricas como o Boi-bumbá, — danças que animam festas religiosas e profanas.

Bumba-Meu-Boi em Santa Catarina. Manifestação religiosa
presente em todo Brasil. Ligado a festa de São Gonçalo.
Com os bois simulando touradas. Que por sua vez remete
a antigos festejos celto-lusitanos.
Os variados tipos de Dança de São Gonçalo ilustram a riqueza a que nos estamos referindo. Trata-se de antigo rito religioso português, com função de agradecer ao santo graças alcançadas. Embora proibida pela Igreja durante o século XVIII em Portugal, persistiu no Brasil e continua a existir até hoje, mesmo em regiões rurais consideradas modernizadas, como as do Estado de São Paulo, e sem mudar de função. Porém, enquanto no norte da Bahia é realizada por duas fileiras de "dançadeiras" que dançam cantando diante do altar, cada fileira tendo à testa dois músicos; enquanto no interior do Estado de São Paulo uma fileira de mulheres dança de par com uma fileira de homens; no Estado de Goiás somente dançam homens em duas fileiras. A coreografia diferente um pouco também, as evoluções das fileiras dançantes não são as mesmas nas diversas regiões. Todavia, os versos cantados são praticamente os mesmos por toda a parte, a variação é mínima. A ordenação da reunião que acompanha a dança é também diferente conforme o lugar: em São Paulo, a verdadeira festa comportando importante procissão; na Bahia, ao contrário, somente a dança é realizada diante do altar e do público. Este exemplo mostra que as variações são apenas de detalhes, uma vez que o objetivo e a função do rito permanecem idênticos por toda parte: a dança tem por fim agradecer ao santo uma graça alcançada. São práticas religiosas semelhantes a esta que formam o acervo do catolicismo tradicional brasileiro.


5 — Os grupos de base da antiga sociedade tradicional brasileira.

A conformação do catolicismo tradicional brasileiro deve-se, em grande medida, à conjugação de dois fatores essenciais: a influência do catolicismo popular português e a escassez de sacerdotes. Em Portugal, a religiosidade popular estruturava-se, e ainda se estrutura, em torno do culto aos santos, cujos padroeiros, venerados em dias solenes, são motivo de orgulho para aldeias e famílias. Essa tradição transladou-se integralmente para o Brasil, onde o culto aos santos permaneceu como eixo fundamental da religiosidade popular. Entretanto, a plena compreensão desse fenômeno exige a consideração das estruturas sociais que sustentam a vida camponesa no Brasil: a família e o grupo de vizinhança.

Diferentemente do modelo aldeão europeu, o brasileiro raramente habita em povoações, erguendo sua morada nas terras que cultiva, em relativo isolamento. Cada família mantém independência econômica, e um conjunto dessas unidades domésticas forma o grupo de vizinhança, denominado “bairro rural” em certas regiões paulistas, mineiras e paranaenses. O bairro rural, usualmente, tem por núcleo uma capela, evidência da presença de um grupo coeso, ainda que disperso geograficamente. Essa configuração espacial, comum a diversas regiões do país, torna a paisagem aparentemente desabitada, mas pontilhada por pequenas ermidas e algumas habitações ao redor.

A vida nesses grupos alterna períodos de isolamento e de reunião, sendo as festividades religiosas os principais momentos de congregação. À aproximação do dia consagrado ao santo padroeiro, as famílias abandonam momentaneamente suas propriedades e, trajando suas melhores vestes, convergem para a capela do bairro, marco simbólico da unidade social que transcende o núcleo doméstico. A participação comum nos festejos reforça os laços de solidariedade entre os membros do grupo, que, além do vínculo familiar, compartilham um espírito comunitário, manifesto tanto na assistência mútua quanto na organização dos ritos festivos. Assim, a capela do bairro rural torna-se o centro gravitacional da vida social e religiosa, consolidando a identidade coletiva de uma população dispersa.


6 — O festeiro e a organização da festa religiosa.

No Brasil tradicional, as festividades em honra ao padroeiro seguiam um modelo padronizado, no qual a figura central era o festeiro, responsável pela organização e pelo custeio parcial do evento. Escolhido anualmente, geralmente entre os sitiantes mais prósperos, cabia-lhe prover a alimentação dos participantes, bem como angariar donativos para complementar os gastos. Para isso, era comum que percorresse a comunidade solicitando contribuições ou que delegasse tal tarefa a um grupo específico, a Folia.

A Folia, composta por um porta-estandarte que conduzia a bandeira do santo, músicos e um animal de carga, visitava os sítios entoando cânticos e recolhendo oferendas. Sua chegada era anunciada por rojões, atraindo os vizinhos e promovendo reuniões espontâneas em menor escala. A bandeira adentrava os lares, sendo reverenciada com orações e ladainhas, enquanto enfermos lhe tocavam as fitas em busca de curas. Os anfitriões, além de alimentarem os foliões, ofertavam gêneros como aves, suínos ou cereais, acompanhando o grupo até a fronteira de suas terras.

Na semana da festa, todas as famílias do bairro rural se dirigiam para a capela, onde erguiam alojamentos improvisados. A preparação do evento envolvia esforços coletivos: homens abasteciam as fogueiras, enquanto mulheres cozinhavam em grandes tachos para garantir a partilha do alimento. O ápice das celebrações incluía refeições comunitárias, rezas, procissões e, ao cair da noite, leilões de prendas, desafios e danças folclóricas. Em comunidades mais integradas e economicamente estáveis, preservavam-se encenações teatrais tradicionais, como conçadas, cavalhadas, Nau Catarineta e Bumba-meu-Boi. Contudo, a encenação exigia recursos e disponibilidade, sendo inviável em bairros mais pobres ou divididos por conflitos internos.

Os custos da festividade eram cobertos por múltiplos peditórios, como as esmolas das Folias, os rendimentos dos leilões e as contribuições oriundas das peças teatrais, garantindo um caráter coletivo ao evento. O festeiro, enquanto organizador e figura central, dirigia as cerimônias e distribuía as tarefas. Embora um sacerdote pudesse ser convidado para oficiar a missa, sua presença era secundária, pois o festeiro permanecia como a autoridade máxima da celebração. Essa autonomia frequentemente gerava atritos entre festeiros e clero, sobretudo quando o padre condenava folguedos como a Dança de São Gonçalo, considerados pelos camponeses como expressões legítimas da fé popular. Assim, a festa do padroeiro não apenas consolidava a religiosidade local, mas reafirmava a coesão social e a autossuficiência dos grupos de vizinhança na organização de suas práticas devocionais.


7 — O culto dos santos.

Casa sertaneja com santos de devoção.
Em casas mais abastadas, havia um quarto
exclusivo para orações. Nas casas-grandes
uma capela era sempre erguida junto a casa,
ou em um ponto mais alto da fazenda.
A festividade religiosa ocupa papel central no universo brasileiro, constituindo-se como a manifestação tradicional de devoção ao santo padroeiro local. A crença popular atribui ao patrono poderes sobre a ordem natural, sendo-lhe creditada a capacidade de punir os fiéis negligentes com secas, pragas e outras adversidades. No entanto, a relação entre o santo e a comunidade não se limita à veneração passiva: seus devotos, percebendo-lhe um caráter humanizado, impõem-lhe também sanções quando julgam sua ação injusta, relegando sua imagem a locais menos prestigiosos, privando-a de oferendas ou até castigando.

A imagem sagrada não é meramente representativa, mas a concretização física da presença do santo, que, ao mesmo tempo, se insere na ordem natural – por sua constituição material – e na ordem sobrenatural – por sua essência divina. Assim, a interação entre fiéis e padroeiro assume um caráter de reciprocidade, em que a oferenda feita ao santo não é desinteressada, mas uma forma de pacto, esperando-se a concessão de graças em contrapartida. Se a reciprocidade for rompida, o devoto se julga no direito de compelir o santo a cumprir sua parte.

Cada bairro possui seu padroeiro, e cada lar, seu santo doméstico, que recebe honrarias através de orações e celebrações privadas. As novenas e ladainhas realizadas no oratório familiar representam novas oportunidades para reuniões comunitárias, reforçando os laços sociais entre parentes e vizinhos. Nessas ocasiões, após o término das atividades do dia, os moradores se reúnem para entoar cânticos e proferir preces diante do altar ornamentado, sob a condução de um sacristão especialmente requisitado para presidir as cerimônias.

fragmento do quadro de Frans Post retratando uma capela junto a casa-grande e um engenho.
Ao lado, Casa-Grande do engenho Monjope com sua capela, em Igaraçu-PE.

8 — O Sacristão.

No contexto do catolicismo tradicional brasileiro, o sacristão configura-se como a figura central na preservação e transmissão dos ritos religiosos e das práticas devocionais populares. Detentor do conhecimento acerca de orações, ladainhas e cerimônias, assume o papel de intermediário entre a comunidade e o sagrado, sendo também denominado “tirador de rezas” ou sacristão. Sua função pode ser desempenhada por mulheres de idade avançada, solteironas ou viúvas, sendo, em muitos casos, um ofício transmitido hereditariamente.

O sacristão exerce uma autoridade inconteste em questões espirituais, sendo consultado sobre fenômenos místicos, vidas de santos e o calendário litúrgico. Detém familiaridade com orações específicas para diferentes momentos da existência — nascimento, batismo, morte — e domina a execução de ritos tradicionais, como a Dança de São Gonçalo e diversas penitências e procissões. Ademais, possui um papel organizador nos festejos populares que mesclam o sagrado e o profano, tais como as cavalhadas, o Bumba-meu-Boi, funcionando, assim, como guardião da memória religiosa do grupo.

A remuneração pelo exercício dessa função varia. Embora alguns sacristões atuem gratuitamente em razão de promessas ou votos, a prática remunerada é comum, sendo os honorários ajustados previamente. Em muitas comunidades rurais, ele organiza ritos voltados ao auxílio das almas do purgatório, cujas manifestações são temidas e requerem a intervenção dos vivos. Tais ritos, como a Dança de São Gonçalo ou a Procissão de Covas, assumem formas variadas conforme a região, mas visam ao “refrigério das almas”, promovendo a pacificação dos mortos e evitando suas represálias sobre os vivos.

A presença do sacristão fomenta o surgimento de associações religiosas e grupos penitenciais, que percorrem as capelas e cruzeiros, entoando rezas e cânticos. As penitências, uma das mais reconhecidas reminiscências célticas no catolicismo europeu e, por desiderato, no brasileiro, são organizadas segundo critérios de idade e gênero. Elas desempenham um duplo papel: fortalecem a coesão comunitária e funcionam como um mecanismo de ordem e controle moral, vedando a participação daqueles que nutrem inimizades. A regularidade desses atos litúrgicos está condicionada ao calendário agrícola, intensificando-se nos períodos de entressafra.

"Entre os mais zelosos, há os que fazem promessas de andar descalços em longas jornadas, outros de carregar pesadas cruzes, e não são poucos os que se impõem jejuns rigorosos e cilícios para expiar suas culpas." - Frei Vicente, 1627. 

"Os mais devotos, nas sextas-feiras e na Semana Santa, tomam disciplinas públicas, açoitando-se diante dos altares, pedindo a misericórdia de Deus pelos pecados seus e dos outros." - Giovanni Antonio Andreoni (Antonil), jesuíta italiano, 1711.

"Saíam às ruas encapuzados, descalços, açoitando-se até que o sangue lhes banhasse as costas, em sinal de contrição e sacrifício." - relato sobre a Irmandades da Boa Morte, de Nossa Senhora dos Passos e dos Flagelantes, Bahia.

No seio do catolicismo popular, o sacristão e o festeiro desempenham funções que, na estrutura oficial da Igreja, caberiam ao sacerdote. O festeiro organiza as festividades, enquanto o sacristão mantém o vínculo direto com o transcendente. Essa organização permite que as comunidades rurais preservem certa autonomia religiosa, alheias à hierarquia eclesiástica formal. Esse distanciamento se manifesta, inclusive, na hierarquização dos sacramentos: apenas o batismo mantém um prestígio inquestionável, enquanto outros ritos, como o matrimônio e a extrema-unção, são frequentemente substituídos por práticas costumeiras.

O batismo, essencial por garantir a salvação da criança em um contexto de alta mortalidade infantil, estrutura a rede de compadrio, elemento fundamental para a coesão social. Esse laço ritual cria vínculos de solidariedade intergeracional, garantindo suporte mútuo entre padrinhos e afilhados ao longo da vida: "Minha comadre, aqui está seu filho que levei pagão e lhe entrego cristão". Dizia-se a mãe ao receber da madrinha de volta nos braços, a criança já batizada.

Além do batismo formal, práticas alternativas de compadrio, como os ritos de São João e da Semana Santa, reforçam os laços comunitários, promovendo a integração e a estabilidade social.

A atuação dos sacristões e festeiros revela, assim, a fusão entre religiosidade e organização social no mundo rural brasileiro, onde o catolicismo se perpetua não apenas pela institucionalidade clerical, mas sobretudo pela ação dessas figuras, que asseguram a continuidade das tradições e valores comunitários.

10 — Função dos ritos do catolicismo tradicional brasileiro.

Os ritos do catolicismo popular preservados no meio rural brasileiro desempenham um papel fundamental na consolidação dos laços comunitários. As festividades religiosas reforçam a coesão entre os vizinhos, enquanto as novenas familiares fortalecem os vínculos entre as famílias e os diversos ritos do compadrio promovem a solidariedade entre os indivíduos. A permanência desses ritos, em detrimento de outros, decorre da notável instabilidade do povoamento rural no Brasil. O caboclo raramente se fixa de modo permanente em uma localidade, pois seus pequenos estabelecimentos agrícolas são precários e a vastidão do território disponível favorece sua mobilidade. Aproximadamente 40% do território brasileiro permanece inexplorado ou ocupado de maneira dispersa por núcleos urbanos e rurais.

As práticas agrícolas tradicionais, como a coivara e o cultivo itinerante, acentuam essa tendência ao deslocamento. O caboclo cultiva a terra até que esta se esgote, deslocando-se então para novas áreas, onde repete o ciclo de derrubada e plantio. Suas moradias rústicas, feitas de pau-a-pique e cobertas de folhas de pindoba, são facilmente erguidas e abandonadas. Essa mobilidade se estende ao grupo de vizinhança, que, ao mudar-se, transfere também sua capela para um novo local, deixando a antiga sucumbir ao tempo e à vegetação.

Diferente das tradicionais famílias, estanques, em sua endogamia, que permeiam por gerações a mesma localidade. Nas classes baixas a vizinhança raramente é composta por descendentes de um mesmo tronco familiar, ao contrário, um conjunto de famílias conjugais sem laços de parentesco próximo. A mobilidade é regra entre seus membros, e os recém-casados frequentemente partem em busca de melhores condições de vida, integrando-se a novos bairros rurais. Esses núcleos são abertos à chegada de novos integrantes, desde que estes participem ativamente da vida coletiva. Nesse contexto, as festividades religiosas e o compadrio desempenham um papel essencial na integração social, sendo a contribuição para a Folia o primeiro passo para a aceitação na comunidade, processo que se consolida com o estabelecimento de laços de compadrio com famílias locais.


11 — Fatores que dão ao catolicismo tradicional sua fisionomia.

A configuração do catolicismo tradicional no Brasil foi moldada por fatores estruturais que marcaram a organização social da população rural. A dispersão demográfica em um território vasto, a mobilidade imposta por uma agricultura predatória e a fluidez das comunidades de vizinhança determinaram a forma assumida pela religiosidade popular. Esses fatores, somados à escassez de clérigos e à herança do catolicismo popular português, fizeram com que a população rural selecionasse os ritos e associações religiosas mais adequados às suas necessidades. Assim, práticas como a festa, a novena e o batismo foram preservadas, bem como os grupos de dançadeiras de São Gonçalo e os penitentes, todos voltados ao fortalecimento dos laços sociais e familiares.

No interior desse universo religioso, estruturou-se uma hierarquia peculiar, representada pelo festeiro e pelo sacristão. O primeiro assume a organização das cerimônias coletivas, enquanto o segundo mantém a mediação entre as famílias e o sobrenatural. A religião, nesse contexto, assume primariamente uma função social, e não estritamente espiritual ou moral. Os valores religiosos não são buscados por si mesmos, mas sim como instrumentos para a coesão da comunidade. A melhoria individual se justifica na medida em que contribui para a harmonia social, e não como um fim em si.

Além de seu caráter social, o catolicismo tradicional brasileiro distingue-se por sua natureza utilitária. O culto dos santos, as festas e as novenas operam dentro de uma lógica de troca simbólica (do ut des), na qual os fiéis oferecem devoção e sacrifícios em busca de benefícios concretos. Essa relação pode levar tanto à cólera do santo contra seus devotos quanto ao descontentamento dos fiéis com o santo, resultando em represálias de ambas as partes.

Apesar das variações regionais, os elementos fundamentais dessa religiosidade são homogêneos em todo o território nacional. A estrutura básica é composta por ritos, crenças e um sistema hierárquico mínimo, no qual o festeiro e o sacristão figuram como agentes do culto. Essa simplicidade permite grande flexibilidade, abrindo espaço para inovações espontâneas dentro de um esquema religioso rudimentar e fluido.

O catolicismo tradicional e o bairro rural tradicional refletem-se mutuamente, compartilhando uma mesma lógica de organização precária e adaptável. Contudo, essa configuração é condicionada à manutenção de um modo de vida seminômade e economicamente sustentável. Onde ocorre a fixação definitiva da população e o declínio da prosperidade dos sitiantes, observa-se o empobrecimento da religião. Festividades antes elaboradas tornam-se progressivamente mais modestas, as Folias reduzem seus percursos e as procissões perdem seu apelo comunitário. Com o enfraquecimento da religiosidade popular, desestrutura-se também o bairro rural, cujas famílias passam a coexistir de maneira mais fragmentada e menos solidária.

Assim, o catolicismo tradicional e o bairro rural não apenas surgiram em resposta às mesmas condições, mas também compartilham um destino comum. A decadência de um implica necessariamente a dissolução do outro, pois ambos são elementos interdependentes na estrutura da sociedade rural brasileira.


12 — Conclusão.

O catolicismo tradicional brasileiro, vinculado à estrutura social do bairro rural tradicional, encontra-se sob ameaça em virtude das transformações no mundo rural. O avanço das vias de comunicação, a reorganização fundiária que favorece médias e grandes propriedades e a urbanização crescente tendem a extinguir essa forma específica de religiosidade, substituindo-a por novas configurações religiosas mais institucionalizadas. Além disso, a disseminação do protestantismo e do espiritismo acelera esse processo de dissolução das práticas rústicas.

Embora esse catolicismo tenha resistido ao longo do tempo, ele se apresenta como uma sobrevivência do passado, sem perspectivas claras de adaptação ao futuro. A transformação em curso, porém, não ocorre de forma abrupta, e parte significativa da população rural experimenta uma mudança sutil em sua vivência religiosa, muitas vezes imperceptível sem uma análise mais profunda.

Esse fenômeno provoca repercussões sociais e psicológicas, ainda pouco estudadas, sobretudo pela gradual destruição da configuração social do bairro rural. Paralelamente, observa-se um crescimento do cristianismo institucionalizado, mais alinhado às normas eclesiásticas, que se expande à medida que a sociedade brasileira se urbaniza e moderniza. Diferentemente do que postulam os modelos clássicos de secularização, no Brasil esse processo não resulta na redução da religiosidade, mas no fortalecimento das religiões oficiais em detrimento das manifestações tradicionais. A urbanização, assim, intensifica a polarização entre a religiosidade estruturada das cidades e a fluidez característica da religião popular do campo, acelerando a decadência da civilização tradicional.


O Castilhista


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