O Centro de Instrução de Guerra na Selva - CIGS, tem sido nos últimos anos um dos mais importantes atores no desenvolvimento da chamada “Estratégia de resistência” do Exército Brasileiro, para a eventualidade de um confronto militar entre nossas forças e as de um país ou coligação de países com poderio militar bem superior.
Com esse fim desenvolveu todo um arcabouço de treinamento, táticas e provimentos adequados para a Infantaria de Selva do Exército Brasileiro, tornando-se um centro de excelência, reputado como a melhor formação de combatentes de selva em todo o mundo.
PREPARAÇÃO:
Na selva, a sensação de ter o metabolismo alterado é
massacrante. Apesar de estar sempre molhado, seja pela chuva, pela travessia
dos inúmeros cursos d’água (rios e paranás), lagos, igapós e igarapés, ou
simplesmente pela transpiração, o combatente está sempre com sede. Os cuidados
com a alimentação devem ser enormes, pois problemas intestinais que provocam
diarréia agravam o quadro. A perda de oito, dez e até 20 quilos em operações
prolongadas na selva é comum para os guerreiros de selva.
Exatamente devido ao impacto que o ambiente provoca sobre o corpo do
combatente de selva, um dos principais trabalhos exercidos no CIGS para
aumentar a eficiência do combatente de selva é aquele desenvolvido em seu
Laboratório, subordinado à Divisão de Saúde. Por meio de parceria com a
Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Hospital Geral de Manaus (HGeM),
é desenvolvido o Projeto de Pesquisa e Monitoramento Clínico-Laboratorial do
Combatente de Selva. Este projeto tem por objetivo acompanhar o perfil
corporal, hematológico, urinário, parasitológico intestinal e bioquímico dos
alunos do COS, proporcionando dados valiosos sobre as alterações que a
internação prolongada do combatente na selva produz no organismo humano. Os
resultados desta pesquisa vêm sendo usados para a otimização do desempenho do
guerreiro de selva brasileiro.
O papel do CIGS e de sua Divisão de Doutrina e Pesquisa no
aperfeiçoamento do combatente de selva brasileiro vai muito além de pesquisar e
ensinar a construção e uso de abrigos e armadilhas, emprego de armas e
equipamentos, etc. Chega-se ao nível de detalhar, por exemplo, o tipo de tecido
ideal para uso nos uniformes, a técnica de amarração ideal dos cadarços usados
nos coturnos, a composição da ração operacional, o projeto de uma rede de selva
adequada, e muitos outros.
A definição de um tecido ideal para ser usado na confecção dos
uniformes foi tarefa para vários anos, até se chegar ao modelo atual, de forma a permitir a secagem rápida
do uniforme, constantemente exposto à umidade, sem que apresente desconforto ao
militar. O mesmo empenho foi aplicado ao estabelecimento da técnica de
amarração dos cadarços dos coturnos, de modo a permitir sua rápida desamarração
ou mesmo o corte com faca, para que o combatente possa liberar rapidamente seu
equipamento e nadar com maior desenvoltura, se isso significar sua
sobrevivência na hipótese de, por exemplo, cair em águas profundas e
turbulentas.
A definição da composição da ração operacional também mereceu
por parte do CIGS intensos estudos, incluindo a análise de rações utilizadas
por exércitos de outros países. A ração do exército americano, por exemplo, foi
analisada e testada no ambiente da selva amazônica. Devido ao seu elevado teor
de gordura, foi constatado que o combatente de selva que fizesse uso dela
estaria fora de combate em menos de três dias, com sérios problemas intestinais
e diarréia. A ração brasileira, além de estar adaptada ao paladar do soldado
brasileiro —com pratos como arroz e feijão, carne assada e frango , tem elevado
teor protéico e de fibras.
Também faz parte das responsabilidades do CIGS instruir os
participantes dos Cursos de Operações na Selva sobre o correto uso dos recursos
da floresta, seja para a construção de armadilhas (voltadas aos oponentes, ou à
caça e pesca), cuidados com animais peçonhentos, e como usar animais e vegetais
para os mais diversos fins, incluindo a alimentação. Frutas e animais
comestíveis abundam na floresta, assim como os venenosos ou tóxicos. Note-se
que, entre os animais considerados comestíveis, encontram-se algumas larvas e
insetos de aspecto nada apetitoso para o homem da cidade.
Se a selva já é extremamente perigosa e desconfortável durante o
dia, à noite o perigo e o desconforto são ainda maiores. Para permitir que o
guerreiro de selva possa manter e recuperar suas energias, com repouso e
conforto adequados, e mantendo-se a salvo de mosquitos, ofídios, aracnídeos e
outros riscos, o CIGS não mediu esforços para desenvolver uma rede de selva
ideal. O modelo aprovado e em uso atualmente possui mosquiteiro, toldo para
abrigo da chuva (que, sendo impermeável, também pode ser usado para recolher a
água da mesma), compartimento na parte inferior para armazenar as armas e os
equipamentos individuais do combatente, e tirantes de lona resistentes nas
laterais, que permitem sua transformação em uma maca improvisada, simplesmente
passando-se duas hastes de madeira nas laterais.
ARMAMENTO:
Diversas armas, táticas e equipamentos vêm sendo exaustivamente
testados, modificados ou aperfeiçoados pelo EB nos últimos anos, com vistas ao
seu emprego na guerra de selva. Muitos são aprovados e muitos são recusados. A
constatação de que equipamentos receptores GPS não funcionam corretamente sob a
densa cobertura vegetal da floresta, por exemplo, fez com que o Exército
restringisse seu uso somente à instrução e a casos nos quais a determinação de
coordenadas precisas é imprescindível, como numa evacuação aeromédica. Nesta
situação, entretanto, o militar com o receptor seria obrigado a se deslocar até
uma clareira ou até a margem de um rio para usar o equipamento. No dia a dia
das operações de selva do Exército, o que se usa são as tradicionais cartas e bússolas.
Forças excessivamente dependentes de recursos tecnológicos como o GPS poderiam
ficar em sérios apuros na Amazônia.
No que se refere ao armamento individual do guerreiro de selva,
o EB tem, ao mesmo tempo, o problema e a solução. Fuzis de assalto de diversos
tipos foram e são avaliados, incluindo armas de alta qualidade, como o fuzil
alemão Heckler & Koch HK33 e o norte-americano M16A2, ambos no calibre
5,56mm, e o tradicional FAL do Exército Brasileiro, no calibre 7,62mm. O fuzil
padrão das tropas de selva brasileiras é o Pára-FAL, a versão com coronha
rebatível, usada também pelas tropas pára-quedistas brasileiras e outras
unidades. O Pára-FAL tem se mostrado a arma ideal para emprego na selva por
suas características de peso, rusticidade e simplicidade de manuseio. Por outro
lado, sua substituição no futuro será, certamente, um sério problema para o
Exército. O calibre 5,56mm, usado na maior parte dos modernos fuzis de assalto,
é considerado inadequado para o combate de selva, devido ao pequeno peso do
projétil e à sua tendência de assumir uma trajetória instável ao colidir com
pequenos obstáculos, como folhas e galhos de árvores. Isso acaba retirando do
projétil muita energia e, consequentemente, poder de parada (stopping power).
O respeito que o Pára-FAL conquistou entre os combatentes de
selva justifica-se, por exemplo, pelo resultado de um teste realizado numa das
bases de instrução do CIGS, quando um exemplar de cada do HK33, do M16A2 e do
Pára-FAL foram comparados, com o objetivo de determinar sua resistência às
condições da floresta. Numa manhã, cada uma das armas recebeu limpeza e a
necessária manutenção, de acordo com as recomendações do fabricante, foi
municiada e colocada sobre cavaletes de madeira, e exposta ao Sol e à chuva
durante todo o dia e a noite seguinte.
Pela manhã do outro dia, um oficial retirou o HK33 do cavalete e tentou
disparar uma rajada contra um alvo: a arma travou várias vezes. Ao repetir a
experiência com o M16A2, verificou-se que este não disparou um só tiro, pois
estava grimpado. Finalmente, o oficial dirigiu-se ao Pára-FAL, conhecido como
“pit-bull” entre a tropa e, surpreendentemente, não somente conseguiu
descarregar todo o pente no alvo, como ainda remuniciou a arma e repetiu a
dose. Este oficial confidenciou ao autor que não coloca em dúvida a qualidade
das outras duas armas, mas o teste evidencia o fato de que ambas necessitam de
muito mais cuidados e manutenção do que o tradicional e confiável Pára-FAL.
Mas as armas disponíveis para o uso na selva não se resumem ao
fuzil, à faca de combate e ao inseparável facão de mato. Armas incomuns, como
bestas e até mesmo a tradicional zarabatana dos indígenas da região, podem
fazer parte do arsenal do guerreiro de selva. Os modelos de bestas usados têm
grande precisão e poder de penetração, podendo atravessar um corpo humano a
quase 100 metros de distância. Silenciosa e mortal, a besta é considerada uma
arma excelente para eliminar sentinelas. O mesmo se aplica à zarabatana,
principalmente associada a dardos com venenos cujo preparo é um segredo bem
guardado pelo EB e pelos soldados indígenas que, em número cada vez maior,
engrossam as fileiras dos Batalhões de Selva na Amazônia, com excelente
avaliação por parte de seus comandantes.
A importante participação dos índios brasileiros na formação das tropas de
selva brasileiras pôde ser exemplificada durante a Operação Ajuricaba II, em
outubro/novembro de 2003, quando as Forças do Partido Azul, responsáveis pela
defesa da região, usaram soldados indígenas como rádio-operadores. Falando em
sua própria língua, eles evitavam que as comunicações fossem decifradas pelas
forças invasoras, ou Partido Vermelho, compostas por elementos da Brigada
Pára-quedista, Fuzileiros Navais e outras tropas de elite, sediadas em
diferentes regiões do país. Essas, diga-se de passagem, tinham efetivos maiores
e eram dotadas de armas e equipamentos de alta tecnologia, tendo total controle
sobre o espectro eletromagnético na área da operação.
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Acima O CIGS foi o responsável pela retomada dos estudos visando a utilização de duplas de caçadores (Snipers) nas unidades de guerra na selva do Exército Brasileiro. O atirador da foto utiliza a roupa de camuflagem aprovada pelo CIGS e o fuzil Imbel Fz .308 AGLC, no calibre 7,62x 51mm, especialmente desenvolvido para uso por atiradores de elite. |
Num conflito na Amazônia, as forças de selva do EB agiriam em pequenas
frações, mas capazes de inflingir pesadas perdas ao adversário, fazendo uso do
seu conhecimento da floresta para desaparecer sem deixar vestígios. Dentro
deste espírito, uma tática que voltou a ter força dentro do EB nos últimos
anos foi o emprego de equipes de atiradores de elite (snipers), denominados
"caçadores" no Exército. Uma equipe de caçadores é formada por
dois sargentos, sendo um o atirador (o sniper, propriamente) e o outro o
observador (spotter). A arma já testada e aprovada para o uso por essas
equipes é o fuzil Imbel Fz .308 AGLC, de projeto e fabricação nacionais. O AGLC
é uma arma de precisão baseada na ação Mauser, de reconhecida e inegável
confiabilidade e segurança. Com um cano flutuante, tipo “match”, forjado a frio
e adaptado para o tiro com luneta, e usando munição 7,62 x 51mm, a arma saiu-se
muito bem quando comparada a diversos tipos de fuzis de precisão de fabricação
estrangeira. O tipo de camuflagem (ghillie suit) usado pelas equipes de
caçadores também já teve sua eficiência determinada pelo trabalho do CIGS.
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Um grupo de guerreiros de selva desloca-se pela floresta. O primeiro elemento, o esclarecedor, consulta um receptor GPS que só é usado para fins de instrução, uma vez que seu uso é desestimulado no dia-a-dia. Notar a escopeta calibre 12 levada pelo soldado (Foto: Raimundo Valentim). |
Outra arma testada e adotada para uso por tropas de selva é a tradicional
escopeta calibre 12, empregada pelos esclarecedores dos grupos de combate. Como
o esclarecedor é o elemento que vai à frente da formação, precisa de uma arma
com o máximo de poder de fogo, para a possibilidade de um encontro com uma
patrulha inimiga. Outras armas que tiveram seu uso aprovado para guerra na
selva graças aos estudos realizados pelo CIGS foram o lança-granadas de 40 mm e
o lança-chamas.
Mas o trabalho desenvolvido pelo CIGS em busca de meios que
possam fazer valer a chamada “estratégia de resistência” foi ao ponto de testar
e aprovar o emprego da tradicional e popular carabina Puma, modelo Winchester,
de ação por alavanca, fabricada pela empresa Amadeo Rossi, enquanto a Companhia
Brasileira de Cartuchos (CBC) fabrica sua munição, calibre .38. A idéia por
trás disso era encontrar uma arma que fosse de fácil manuseio, relativamente
precisa e barata, que pudesse ser distribuída para reservistas e mesmo entre a
população civil, no evento de uma intervenção militar estrangeira na Amazônia,
e cuja munição fosse facilmente encontrada no comércio. Nos testes realizados
pelo CIGS, ficou demonstrado que a carabina Puma pode ser precisa em distâncias
superiores a 100 metros. Bons atiradores conseguem tiros precisos a quase 200
metros. E, na opinião dos oficiais instrutores do CIGS, 100 metros pode ser a
largura de uma margem a outra de um rio, separando o atirador com a Puma de uma
fração de tropa inimiga.
Uma tática desenvolvida pelo CIGS e já disseminada entre as tropas de guerra na
selva é o emprego de “cachês”, como meio de pré-posicionamento de armas,
munição, medicamentos, rações e outros suprimentos fundamentais às frações de
tropa. Os cachês são, basicamente, depósitos de suprimentos enterrados, com a
finalidade de ressuprimento de tropas nacionais, que estejam operando em nosso
território, em área sob intervenção de uma nação ou força multinacional
incontestavelmente superior, em meios, à brasileira. Os cachês são enterrados
em locais de difícil acesso e percepção pelo invasor, mas de fácil abordagem
pela tropa interessada. Os buracos são resistentes a intempéries, forrados por
madeiras nas laterais e com drenagem no fundo, sendo usados para acondicionar
containers de fibra de vidro com suprimento para pequenas frações (10 a 15
homens). A camuflagem dos “cachês” é tão eficiente que não eles são percebidos
por animais ou nativos.
No primeiro semestre de 2004, o CIGS deverá se envolver na
avaliação de um exemplar do Combat Boat CB90H, uma lancha produzida pela
empresa sueca Dockstavarvet AB, que deverá enviar um exemplar a Manaus em
abril. O CB90H é capaz de transportar 20 soldados totalmente equipados (o
equivalente a cerca de 2,8 toneladas), em velocidades de até 40 nós e com
relativo conforto, mesmo em condições climáticas adversas, sendo capaz de
realizar abicagens violentas em praias ou margens de rios, ocupadas por forças
adversárias. As tropas desembarcam através de uma rampa lançada por sobre a
proa. O CB90 é largamente utilizado pela marinha sueca (172 unidades do CB90H),
e foi exportado para a Noruega (20 CB90N), Malásia (17 CB90H) e México (40
CB90H).
O projeto Búfalo
Uma das primeiras preocupações do CIGS era resolver a questão do transporte de
armas, munição, água, rações e outros equipamentos por frações de tropa
empenhadas na guerra de selva. Assim, na busca de um meio de transporte
eficiente e de baixo custo para o ressuprimento nas operações na selva,
tentou-se a utilização de animais de carga ou que pudessem ser adestrados para
esse fim.
Uma das primeiras tentativas desenvolvidas pelo CIGS foi durante o Comando do
Cel Gélio Fregapani, com a utilização de uma anta, criada desde cedo no
zoológico do Centro com este fim. A experiência infelizmente não obteve
sucesso, já que o animal, selvagem, jamais aceitou que fosse transportada
qualquer carga nas costas.
Outra tentativa, também frustrada, mas que começou a demonstrar
a validade do conceito da utilização de animais, foi executada a partir de 1983
com a utilização de muares. Estes, apesar de historicamente já haverem sido
bastante utilizados, não só pela população civil como em operações militares,
infelizmente não se adaptaram à Amazônia, sendo que o principal problema
verificado foi de natureza veterinária. O animal teve sérios problemas com
apodrecimento de cascos e doenças de natureza epidérmica.
Com a continuidade dos estudos chegou-se finalmente ao búfalo, animal já criado
com sucesso na Amazônia em pelo menos quatro espécies, rústico e com diversas
características que foram ao encontro das necessidades militares para o emprego
de animais.
O chamado Projeto Búfalo nasceu em 2000, e tem demonstrado ser uma das soluções
para as necessidades das tropas de selva brasileiras, devido à resistência do
animal, sua adaptação ao ambiente e, principalmente, à sua capacidade de
transportar 400 kg ou mais de carga no lombo, ou até três vezes isso quando
tracionando carroças.
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