O castilhismo enquanto doutrina política materializada num regime, teve três etapas no relacionado à sua elaboração teórica e à sua prática:
1) a primitiva formulação ao redor da Constituição elaborada por Castilhos em 1891, e em torno, também, da defesa dessa Constituição;
2) as propostas modernizadoras elaboradas pela Segunda Geração Castilhista, integrada por Getúlio Vargas (1883-1954), Lindolfo Collor (1889-1942), João Neves da Fontoura e outros;
3) a ordem constitucional formulada ao ensejo do Estado Novo, proclamado em 1937.
A segunda etapa na formulação e na prática do castilhismo, foi materializada pelo que se denominou de Segunda Geração Castilhista, integrada por Getúlio Vargas, Lindolfo Collor, João Neves da Fontoura e outros. Os castilhistas ensejavam uma vertente modernizadora do Estado, ao criarem uma esfera acima dos interesses individuais, identificada com a preservação do Estado, a garantia do bem público.
O conceito de bem público, para os castilhistas, confundia-se com a imposição, por parte do governante esclarecido, de um governo moralizante, que fortalecesse o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais e que velasse pela educação cívica dos cidadãos, origem de toda moral social.
A Segunda Geração Castilhista perpetuaria esse legado de Castilhos, ao fazer do projeto de modernização do Estado e da centralização política os pontos básicos das propostas elaboradas pela Aliança Liberal em 1929 e 1930.
A elite política gaúcha compreendera, sem dúvida, que após as revoltas tenentistas que revelavam um crescente descontentamento com o regime oligárquico da República Velha, cuja caraterística marcante tinha sido a tentativa de privatizar o poder, só seria possível conservar a paz e a unidade nacionais mediante um grande esforço que fortalecesse o Poder Central e o tornasse, mediante a modernização do Estado, um autêntico poder nacional.
Justamente para se contraporem à visão privatista do poder que animava à República Velha, os Castilhistas da Segunda Geração propunham uma clara diferenciação entre a esfera do poder público e a dos interesses privados, assinalando a primazia, no campo político, ao poder público.
Enfatiza Lindolfo Collor a necessidade da separação dos partidos políticos do Estado, a promiscuidade nessa relação seria a base da oligarquia tão comum na República Velha quando os interesses privados se confundiam com os interesses públicos:
“O poder partidário faz o poder público, mas o poder público, por nenhuma forma, deve fazer o poder partidário. No Brasil, a prática, que se pode dizer quase uniforme, tem consistido precisamente no contrário: é o poder público, é o governo que faz, ampara, tonifica, aparelha de recursos o poder partidário, no qual, por sua vez, descansa e confia. É o do ut des mais perfeitamente organizado em benefício dos que governam: é a oligarquia, é a doença mais grave da República. Urge, pois, separar o poder público do poder partidário, por meio de adequada legislação, que dê aos partidos existência legal, que lhes defina a personalidade, os deveres e as responsabilidades. Os governos não se devem confundir com os partidos, nem os partidos com os governos.”
Para a Segunda Geração Castilhista, a finalidade primordial do Poder Central seria garantir o progresso do país e a unidade da Nação. Lindolfo Collor criticava o progresso individual das oligarquias que se dava às custas de amplos setores da Nação que ficavam marginalizados. A anistia entraria como a primeira medida tendente a reconstruir a unidade nacional. Mas também seria necessária a presença tutelar do Estado para garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos.
Getúlio Vargas, no seu discurso de 2 de janeiro de 1930, insistiria nesses aspectos. Para ele, a Aliança Liberal era uma reação à distorção da realidade brasileira, cansada do insolidarismo e do clientelismo ensejados pelos privilégios e monopólios, que vingaram ao longo da República Velha. Competia ao Estado dirigir essa reação, que não poderia ser caótica, mas que deveria se processar “dentro da ordem e do regime.”.
Essa reação centralizadora deveria ser comandada, segundo Lindolfo Collor, pelo próprio Presidente da República. O estadista gaúcho lembrava, a respeito, a tradição castilhista, segundo a qual a figura do Executivo é garantia de unidade do regime. E ia até assinalar-lhe funções que o tornariam um autêntico poder moderador, acima dos partidos:
“(...) O Presidente da República não é chefe de partido, mas chefe da Nação. Como tal, deve pairar acima dos interesses de facção, e nunca alimentá-los com atitudes de premeditada parcialidade. Agindo como chefe da Nação, ouve, perscruta, consulta, transige, coordena, põe de acordo partes porventura desavindas (...).”
E assim, tratar as questões políticas como problemas técnicos.
Os principais aspectos em que se deveria materializar essa reação estatizante e modernizadora ensejada pela Aliança Liberal eram os seguintes, de acordo com as propostas de Getúlio e de Lindolfo Collor:
a) A definitiva presença intervencionista do Estado para modernizar a economia. A conquista da racionalidade econômica deveria abarcar os seguintes itens: adoção da idéia de desenvolvimento econômico. Implantação da indústria siderúrgica nacional, garantia da independência estratégica do Brasil nas áreas industrial e militar. Em relação à agropecuária, reivindicava-se o controle sobre o latifúndio improdutivo, a fim de estimular a produção de alimentos e racionalizar o desenvolvimento da pecuária para competir nos mercados internacionais. No terreno do petróleo, era focalizada a necessidade de desenvolver a produção nacional. No item correspondente às políticas econômicas, era proposta a revisão das tarifas alfandegárias, visando à promoção da indústria nacional. De outro lado, era prevista a estabilidade da moeda, mediante o projeto de remodelação do Banco do Brasil, através de mecanismos intervencionistas nos campos monetário e financeiro. Era previsto, por último, o combate às secas do Nordeste, visando incorporar essa região à economia nacional.
b) Solução orgânica da questão social, mediante a incorporação do trabalhador ao Estado na nova legislação. Neste ponto, de nítida inspiração saint-simoniana e comtiana, ocupava lugar de destaque a proposta de criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
c) A política de imigração como reforço à presença intervencionista e planejadora do Estado na economia.
d) Instrução, educação e saneamento: aspectos sociais que deveriam ser contemplados pelo Estado modernizador e intervencionista. Era prevista, outrossim, a valorização dos cursos técnico-profissionais e do ensino superior. Como forma de aparelhar o Estado para responder a esses itens, era proposta a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública.
e) Moralização da função política: educar os homens públicos para que, abandonando os privilégios da sinecura individual, passem a cumprir a missão de materializar a “educação moral e cívica do povo”.
f) Valorização da autonomia da indústria militar e do papel das Forças Armadas.
g) Racionalização dos quadros do funcionalismo público, no contexto da modernização da economia.
h) Integração física do país ao redor do Governo Central, mediante o plano de viação geral.
A retórica presente na Plataforma da Aliança Liberal revelaria a grande flexibilidade política da Segunda Geração Castilhista, que a soube utilizar num contexto de centralização e de modernização do aparelho estatal e da economia. O discurso de Getúlio de 2 de janeiro de 1930, testemunha a clarividência de Getúlio em relação à crítica que deveria ser feita ao clientelismo político, bem como a sua determinação de tratar as questões políticas como problemas técnicos.
No entanto, quebrada a unidade do grupo que integrava a Segunda Geração Castilhista (que levou ao rompimento entre os jovens políticos gaúchos e Getúlio em 32, sendo as figuras mais importantes nessa dissidência Lindolfo Collor e Neves da Fontoura), ficaria aberto o caminho para a sistematização do autoritarismo de cunho castilhista. A terceira etapa do castilhismo estaria, assim, mais próxima da primeira. Surgiria, no entanto, a proposta de “individualismo grupalista” teorizada por Oliveira Viana, como veremos na III Geração Castilhista.