sexta-feira, 11 de maio de 2018

Breve Biografia de André Vidal de Negreiros, Fator Máximo na Expulsão dos Holandeses do Brasil


“De André Vidal direi a Vossa Majestade o que me não atrevi atègora, [...] Tem Vossa Majestade mui poucos no seu reino que sejam como André Vidal; eu o conhecia pouco mais que de vista e fama: é tanto para tudo o demais, como para soldado: muito cristão, muito executivo, muito amigo da justiça e da razão, muito zeloso do serviço de Vossa Majestade, e observador das suas reais ordens, e sobretudo muito desinteressado, e que entende mui bem todas as matérias, posto que não fale em verso, que é falta que lhe achava certo ministro grande da corte de Vossa Majestade. Pelo que tem ajudado a estas cristandades lhe tenho obrigação; mas pelo que toca ao serviço de Vossa majestade (de que nem ainda cá me posso esquecer) digo a Vossa Majestade que está André Vidal perdido no Maranhão, e que não estivera a Índia perdida se Vossa Majestade lha entregara.”

Pe. Anto. Vieira, lamentando a ida de André Vidal
do governo do Maranhão.



André Vidal de Negreiros
É no movimento contra o domínio holandês que surgem os primeiros heróis da nacionalidade, com destaque especial para André Vidal de Negreiros. Segundo palavras de Irinêo Joffily, Vidal, à frente do exército restaurador, foi “o principal heróe brazileiro nos tempos coloniaes”. Hélio Zenaide destaca que Vidal foi um homem”íntegro” e o nomeia como o “herói da guerra contra os holandeses em Pernambuco”.

Esta concepção da existência de um sentimento de brasilidade e amor à terra, fica clara na obra “Vidal de Negreiros: afirmação e grandeza de uma raça”, de Luiz Pinto, que se propõe a realizar uma biografia de Vidal. A obra de Luiz Pinto foi a única que se dedica a apresentar uma biografia mais detalhada de Vidal. Para Luiz Pinto, o domínio holandês no Brasil não teve outra significação senão a econômica, tendo em vista o “espírito mercenário e judaico da Companhia de rapina”. O mesmo, para Pinto, não se passava com os brasileiros que defendiam a colonização lusa: a bandeira que empunhavam contra a Holanda seria a da religião católica contra os hereges calvinistas, o que teria dado à guerra uma característica religiosa.

Segundo o autor, foram as três raças de nossa etnia - a branca, a negra e a indígena, representadas respectivamente por Vidal, Henrique Dias e Camarão, que deram corpo e sentido à guerra de expulsão. E continua: “(...) Vidal foi a alma da restauração, o homem que nunca se curvou ao mêdo, nem a conveniências, nem se sobressaltou frente ao poderio inimigo, de muitas vêses quase esmagado.”.

Entre as tropas arregimentadas na Paraíba para a libertação da Bahia do domínio holandês, em 1624, já se encontrava, como “voluntário da sua terra”, André Vidal de Negreiros, paraibano, então com 18 anos de idade e filho de Francisco Vidal e d. Catarina Ferreira. Seu pai seria senhor do engenho S. João. Nas passagens a seguir, podemos perceber a visão de um herói destemido, um predestinado, devotado à sua terra e à sua religião, que Luiz Pinto visa construir:
“Quando Matias de Albuquerque acudiu aos chamamentos e reclamos da Bahia, arregimentando tropas para combater o invasor batavo, um jovem paraibano vibrou de entusiasmo. Queria lutar também, seguir com os resultados de qualquer maneira, acudir em defesa da sua pátria e da sua religião. (...) O rapaz André, filho do velho Vidal, era dos mais ardorosos. Alistara-se às suas custas. E logo se transformou num propagandista e animador dos mais decididos e corajosos. Moço, desenvolvido, ágil, ouvindo as narrativas dos vencedores, sentia estremecimentos, desejando partir quanto antes em socorro daquele povo.”
Vidal não só se destacou pela sua empolgação e devoção pela causa da expulsão dos holandeses – também se destacou nas batalhas, se tornando um dos soldados mais capazes e distinguidos pelos seus superiores:
“Sem muita demora, André Vidal enquadrou-se à arte da guerra. Os seus superiores hierárquicos começaram logo a distingui-lo, não só pela sua bravura indômita, mas ainda pela sua conduta serena, pelo seu instinto de soldado, pela segurança dos seus planos e rapidez por que procurava executá-los. (...) O principio do amor à terra nativa e à religião era a bandeira que se não ofuscava. Isto determinava as mais cruéis represálias, os mais atrozes combates. Na alma de André Vidal era sacrossanto esse princípio (...). Não se fez demorar o renome de André Vidal de Negreiros no seio da tropa. Distinguido e disputado pelos superiores, viu-se durante a guerra na Bahia nos lugares mais arriscados, marchando à frente como um predestinado. E não se fez silêncio sobre os seus brios de soldado e bravura de patriota, embora contra isso conspirasse a sua grande simplicidade e modéstia.”.
“André Vidal, que logo se fez destro e valente soldado, não só lutou durante toda a fase da expulsão dos flamengos da Bahia como perseguiu a esquadra holandesa fugitiva até deixá-la fora do seu Estado natal”.

Diante de tantas qualidades, o rei de Castela se fez informado das virtudes de Vidal, que foi promovido ao posto de alferes, então com 19 anos de idade. Segundo Pinto, “André Vidal de Negreiros era uma vocação de soldado, tanto pela firmeza moral quanto pela robustez física. Dir-se-ia que a terra de massapê da várzea do rio Paraíba, o seu rio, lhe dera essa seiva, como ainda muita bravura e fidalguia.”.

Após a derrota no Arraial do Bom Jesus, optou-se pelo sistema de guerrilhas e emboscadas, a guerra irregular de extermínio; tática esta que não foi bem aceita pelos “prepotentes castelhanos”. No entanto, André Vidal, após oito anos de estudo na Europa, estaria convencido de que aquele seria o melhor sistema para destruir o poderio flamengo. Para Luiz Pinto, o plano de Vidal seria realmente o mais indicado. Além disso, também teria sido concertado por Vidal o plano da chegada da esquadra de D. Fernando de Mascarenhas (conde da Torre), que não logrou em sucesso.

Mais tarde, com a vitória da restauração no Maranhão, André Vidal foi nomeado governador da capitania. Essa nomeação, seria o pagamento de uma dívida do rei de Portugal. Vidal estava no auge do seu prestígio, e o Conde Maurício de Nassau, que estava voltando para a Europa diante de uma conjuntura desfavorável para a continuação do domínio holandês:
“Cumpria-se assim um antigo compromisso do rei de Portugal para com o herói. De modo que, quando Nassau retornava à pátria européia, André Vidal de Negreiros se fortificava para total execução dos seus planos, traçados e alimentados desde 1632”. Após assumir o governo do Maranhão, em 1645, Vidal não permaneceu lá por muito tempo, pois “cabia-lhe tecer a teia sinistra da guerra”.
Enquanto Teles da Silva despistava os holandeses com falsas promessas de armistício, Vidal organizava os batalhões:
“O que os flamengos não sabiam exatamente, e isso é claro, era que André Vidal tinha um plano concertado e que poria em prática de qualquer maneira, dentro do seu alto patriotismo e fidelidade religiosa. (...) Vidal era firme e queria a guerra de expulsão, ágil e violenta. Mas Nassau não desconfiou das manobras do paraibano. E tanto é que deixou transitar livremente por duas vezes, tanto no Recife quanto na Paraíba. E só através da sua primeira viagem a Recife, quando retornou de Lisboa, é que Vidal conseguiu firmar posição na capital da nova Holanda, arregimentando para as suas hostes o capitalista João Fernandes Vieira, senhor de Engenho da Várzea, no Recife, homem religioso e rico, vaidoso e prepotente, que se tornou um elemento nuclear na guerra”.
Nesta passagem, Vidal é mais uma vez colocado como peça central da guerra de restauração, seu principal articulador, que conseguiu de certo modo “enganar” Nassau, que lhe concedeu livre trânsito pelas capitanias. Vidal fez do Maranhão apenas um ponto de apoio para as suas incursões à Paraíba e Recife, com o objetivo de “colher adeptos, planejar a guerra, animar os fracos, encorajar os medrosos”. E a figura de Vidal vai ficando cada vez mais relevante no tocante à guerra de restauração, como fica evidente na seguinte passagem: 
"A libertação do Brasil do domínio colonial holandês cabe, como já mostraram Varnhagen, João Ribeiro, Hermann Watjen, Pandiá Calógeres e outros intérpretes da luta de restauração, tal como a organização da revolta geral, a epopéia pernambucana, uma das maiores da história da pátria - criação de guerrilhas, emboscadas relâmpagos implantadoras de morte - sem dúvida, ao engenho extraordinário de André Vidal."
Enquanto os dirigentes das duas partes se limitavam ao campo diplomático, Vidal, Henrique Dias, Camarão entre outros, preparavam o cerco do Recife, encurralando a Nova Holanda. D. João IV queria a paz com a Holanda e, ao mesmo tempo, a luta de libertação. Já a única paz que os nativos aceitavam era a conquistada pelas armas, com a capitulação total do agressor. Segundo Luiz Pinto, o rei e o vice-rei tentavam uma trégua. “É nesse passo da crônica que se verifica haver a restauração nascido da coragem, da decisão e as firmeza de André Vidal”. Na tentativa de suspender a luta com os batavos, o vice-rei endereçou uma enérgica recomendação a Vidal, que respondeu de forma altiva e patriótica. Na carta, os chefes rebeldes, Vidal e Martins Soares Moreno, demonstram que, se o rei de Portugal continuasse com o propósito de dar trégua aos holandeses, eles iriam à procura de qualquer príncipe católico a fim de auxiliá-los, relatando inclusive a perturbação e inquietação de muitos nativos ao saber que o rei consideraria “ruins vassalos” os que continuassem na luta contra os flamengos, muitos chegando a pensar em matar suas filhas e esposas para não vê-las em poder do inimigo. Esta carta seria um “grito de rebeldia e de coragem, contra a covardia lusa, a frouxidão de D. João IV, preferindo perder 8 províncias da sua grande colônia a ter de lutar um pouco mais para desenraizar os flamengos invasores”.

A esta altura, Recife já estava sitiada. Com a junção das tropas de Dias, Camarão e Vieira, Vidal assume a “direção geral de chefe supremo das operações militares”. Na primeira batalha dos Guararapes, Vidal ficou na reserva. “Era o homem das horas difíceis, o que traçava, o que executava”. Com o desenrolar do combate, Vidal assumiu o comando. Os flamengos foram derrotados na 1ª batalha dos Guararapes, “onde a bravura da raça brasileira, em plena formação, se marcava proficientemente”. E sobre a ação de Vidal, afirma-se: 
“A influência do mestre de campo André Vidal de Negreiros foi tão evidente, não só no traçar planos certos e tática perfeita como no comandar e avançar à vanguarda, com o destemor de um guerreiro romano”.
Na 2ª batalha dos Guararapes, Vidal foi o comandante dos terços. Segundo Luiz Pinto, antes da batalha, discutia-se o método de acometer o inimigo. Várias opiniões surgiram, mas foi vitorioso o ponto de vista de Vidal: atacar o inimigo, violentamente, partindo do engenho velho dos Guararapes: (...) Os luso-brasileiros não perderam um momento: atacam ferozmente. Vidal avança alucinadamente pela encosta, flanqueado por Antônio Silva e Cardoso. Figueirôa, intrépido, na retaguarda. Vieira, audaz e valente, firma-se a raso, sobre o Boqueirão, com 800 homens, flanqueado por Henrique Dias e Diogo Camarão [sobrinho de Felipe Camarão, que havia falecido]. (...) Derrotados, aniquilados mesmo, os holandeses foram perseguidos até o fim sem nenhuma ação militar. A vitória rolou dos montes Guararapes envolta nos farrapos dos pavilhões inimigos, às pontas de lanças de Vidal, Vieira, Camarão e Henrique Dias.

Após a 2ª batalha dos Guararapes, a situação do Recife era muito difícil para ser sustentada pelos holandeses. A Holanda ainda tentava um entendimento com Portugal, mas já haviam passado quase três anos da última batalha. “Vidal estava inquieto. Queria completar a obra de limpeza”. O auxílio do rei de Portugal estava tardando, até que em fins de 1653, surgiu na costa a grande esquadra tão prometida e esperada. Vidal insistia em terminar o que haviam iniciado, expulsando definitivamente os holandeses de “sua nação”. “Vendo Barreto que a razão estava com Vidal, resolveu, com ele e outros companheiros ilustres, traçar o plano de ataque. Traçado e cumprido”. Poucos dias depois, os holandeses capitularam. É relevante perceber a mensagem incutida nestes últimos acontecimentos: Ninguém estava disposto a continuar a luta pela restauração; apenas Vidal (sempre ele). que queria continuar sua “obra de limpeza”. Insistiu tanto nesta meta que foi atendido: e, mais uma vez, estava certo, pois a vitória dos brasileiros, patriotas e católicos foi definitivamente garantida.

Após longas negociações e forte pressão por parte dos holandeses, finalmente um acordo de paz foi assinado em 1661, “com vergonhosa situação para Portugal e prejuízo para o Brasil”, segundo Pinto. Por intervenção da Inglaterra, foram fixadas as seguintes condições: indenização de 400.000 cruzados por ano, em dinheiro ou em açúcar, sal e tabaco; restituição às Províncias Unidas de toda a artilharia que se encontrasse no Brasil; liberdade de comércio para os holandeses. Ao Brasil, coube uma indenização de 120.000 cruzados, além de 20.000 para dote da infanta que se casou com Carlos II. Essa condescendência de Portugal diante das pressões holandesas e inglesas, segundo Pinto, desvirtuou o sentido da vitória, conquistada pela valentia dos brasileiros, e que lhes custou vidas e imensas fortunas, pois, naquele momento, preferiam a colonização lusa, principalmente por motivos de religião. Como não poderia deixar de ser, Vidal não concordou com as injustas condições do acordo de paz:
“Essa frouxa transigência, que não foi dos nossos heróis, desvirtuou a vitória das batalhas dos Guararapes. Contra ela Vidal de Negreiros quis se opor, mas era uma condição aceita pelos superiores lusos, sob cuja cúpula vivia o Brasil, e seria assim baldada qualquer indisciplina ou reação. Se por esse miserável preço, que os judeus holandeses exigiam com faca nos peitos, conseguimos uma paz definitiva, (paz para eles, na Europa, pois a nossa se argamassou com sangue), e ninguém seria capaz de alterá-la dentro das nossas fronteiras. Valha-nos ao menos esta certeza.”.
No início de 1655, Vidal viajou a Lisboa. Encontrou a Corte em festa, não só pela vitória brasileira, mas também pelo aniversário do rei. D. João fez questão de abraçar o mestre de campo da vitória, estreitar nos braços o guerreiro impávido, que derramou o sangue por várias vezes, que, à maturidade, via-se aleijado de uma perna, mas altivo e varonil. Pois dos 45 anos de idade, quando se achava na Europa, Vidal já contava 27 anos de guerra.

Após dias em Lisboa, Vidal retornou ao governo do Maranhão. Acerca do governo no Maranhão, Sérgio Buarque de Holanda atribui a seguinte citação ao padre Antonio Vieira:
 “Vidal é talvez o único, antes de Gomes Freire, que não procura explorar o braço indígena, e que castiga os motins não por motivos pessoais (como os outros) mas por espírito público. Vai logo embora. ‘Teria salvo a Índia’ - diz o Padre”.
Em face da ida de Barreto de Menezes para o governo da Bahia, Vidal foi escolhido governador de Pernambuco. Porém, não tardou para que Vidal e Menezes entrassem em choque, pois o paraibano não aceitava as imposições da Bahia. Neste momento, Portugal lutava contra a perspectiva de uma luta em Angola, onde se encontrava Fernandes Vieira. Assim, foram trocados os governadores, indo André Vidal para Angola, onde rapidamente consolidou boa política de paz para Portugal. Após mais uma vitória, Vidal queria recolher-se à vida privada.
“Vidal tinha sido um homem de guerra, um homem sem amor, sem uma afeição feminina. A guerra absorveu-o totalmente na melhor fase da existência. Perdera os pais, de cujo contacto se afastara aos 18 anos; as afeições que conquistara foram afeições de guerra. Homem desprendido, sem se preocupar com a sua vida particular, achava ser tempo de afastarse da luta à tranqüilidade da velhice.”.
Todavia, isto não lhe foi possível: Pernambuco passava por uma luta política entre diversas classes de agricultores, comerciantes e soldados. Em 1666, Vidal assume, pela segunda vez, o governo de Pernambuco. No interregno desses conflitos, finalmente pôde Vidal “despertar para a vida”, vivendo em paz os anos que lhe restavam. Na sua velhice, realizou uma verdadeira obra social, deixando grande parte dos seus bens para o “amparo à velhice, à orfandade e aos desvalidos”. Vidal seria “um herói sem empáfia”, que teria recusado todos os oferecimentos que lhe foram feitos, posto à margem comendas, prestígio, glória, tudo, para ajudar aos mais necessitados, o que ressaltaria ainda mais “a sua compreensão de homem público e patriota”.

O seu amor concentrou-se à pátria. Foi um peregrino do civismo, um mago da fé. Fez-se guia do seu povo, sem nunca haver esmorecido, nem recusado, nem temido. Enquanto sentia a pegada do inimigo no chão do Brasil, aí esteve a cobri-la, a apagá-la. Ou morreria na luta ou tangeria os invasores insolentes que menosprezavam a sua religião. O destaque da personalidade de André Vidal avulta em todos os documentos históricos. Fora um soldado brioso, um homem feliz. Sua vida é uma equação cívico-militar, um panorama de lealdade, patriotismo e amor à fé. É o que se sente ao traçar o roteiro da guerra holandesa no Brasil, desde a invasão da Bahia até à de Pernambuco.


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quarta-feira, 9 de maio de 2018

A Teologia do Povo como Contraponto a Teologia da Secularização e a Teologia da Libertação.

"A religiosidade popular é uma atitude típica dos pobres, e os pobres constituem de um modo preferencial, a um povo. Os pobres condensam e tipificam a religião de um povo".
Em 1974,  sínodo sobre evangelização introduz uma nova reflexão que se traduzirá na Evangelii nuntiandi em 1975, como recepção e posterior preparação da III Conferência de Puebla. Nelas se começa a pensar mais o tema da dependência e se inicia uma contraponto a alguns aspectos da Teologia da Libertação. A ascenção pela teología, da cultura e religiosidade populares latino americanas. Entre os teólogos da pastoral popular se encontra sobretudo Lúcio Gera. Que publicam em 1974 “La Iglesia frente a la situación de dependencia” (1974), na qual dialoga de forma respeitosa e crítica com a Teologia da Libertação e seus pressupostos, mostrando apreciações positivas e pontos de distancia, particularmente em relação com a linguajem sobre “salvação” utilizado por esta visão teológica. Certamente, a diferença da visão argentina se relaciona com a experiencia histórica dos movimentos nacionais e populares latino americano como o peronismo. 

A revalorização da cultura religiosa popular apresentada pelo teólogo argentino Lúcio Gera, rechaça as teses secularistas (Teologia da Secularização, proveniente dos EUA) de incompatibilidade radical entre fé e religião.

Gera sugere a superação das alternativas secularidade e sacralidade, e fé e religião, defendendo que o carisma seja aceito pela instituição eclesiástica e sobretudo o respeito da igreja pela autonomia dos povos, criadores de seu próprio destino histórico. 

Ainda que a visão secularizadora mereça ser criticada para dar vez a uma profunda valorização da religiosidade popular, dela também pode assumir-se o primado da fé e a importância da palavra e o carisma para a práxis de libertação. A Teologia do Povo, percebe que tanto a visão sacral como a secular oque se desvaloriza é a mediação da cultura. 

A diferença da Teologia do Povo da Teologia da Libertação esta na compreensão de "povo". A Teologia da Libertação, compreende o povo como classe, uma classe oprimida, recorrendo aos aportes marxistas. Enquanto a Teologia do Povo, concebe o povo por uma perspectiva histórico-cultural. 

A concepção de povo na Teologia do Povo nasce da experiência histórica do peronismo no contexto argentino. Uma compreensão geral do povo permite entende-lo como sujeito coletivo, como uma pluralidade de indivíduos em torno de um fator comum, que leva a pensar nas relações: 1. Povo-nação; 2. Cultura-popular.

1. O povo-nação é uma concepção de caráter político, mas também pode pensar-se que a cultura de um povo concretiza uma decisão política. Por isso o povo-nação é um conceito cultural político, com um ethos cultural ou estilo de vida e uma capacidade de organiza-se.

2. Em relação com a noção de povo-setor – que admite uma grande variedade – o teólogo argetino pensa que “povo” e “popular” qualificam a alguns setores pondo de manifesto que a realidade de ser povo se manifesta preferencialmente neles e que certas características suas, como a sencillez e a pobreza, são aptas para desenvolver uma solidariedade e unidade que os faz povo. 

A teologia do povo, compreende o pobre, não só pela sua situação econômica, mas ante uma condição moral de abertura humilde aos outros, a Deus e aos homens. Por não ter capacidade de poder, essa situação leva o pobre a sentir necessidade de outras pessoas, a pedir, a reclamar e exigir aos que tem poder, a justiça e o afeto que se deve. A primeira condição para pertencer a um povo é a consciência de necessitar de outros e esta é, no pobre, uma consciência viva. Por isso, é mais capaz de ser solidário, dando aos outros e esperando reciprocidade. Por isso chamamos “povo” a uma multitude de pobres. 

A visão expressa no texto de 1979, em coerência com sua visão já esboçada em seu escrito de 1962, mostra a preocupação de não reduzir a realidade e o conceito  de “pobre” a dimensão socioeconômica e de por a ênfase em outro aspecto. Não se pretende negar a dimensão real da pobreza, mas de destacar positivamente o aspecto moral e religioso do pobre, sua qualidade de sujeito crente. Ademais, se considera ao pobre em relação com o povo, a sua capacidade de pertencer a ele, como sujeito político.

Deste modo, a opção pelo povo pobre designa uma opção pela sua libertação, mas sobretudo, uma opção por sua religião, frente a uma "cultura ilustrada", de cunho secularista, que representa uma ameaça para a situação religiosa da América Latina, a Teologia do Povo se destaca por sua insistência  na "cultura popular latino americana" e sua religiosidade. 

E esta religiosidade popular há de ser discernida a luz da fé revelada, sem se opor a ambas, corresponde a pastoral eclesial a tarefa de orientar, fortalecer e purificar a religião do povo. 


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