sábado, 23 de julho de 2016

RETRATO MOLECULAR DO BRASIL

Sérgio D. J. Pena 

Muitos autores, usando metodologia histórica, sociológica e antropológica, já analisaram as origens do povo brasileiro: Paulo Prado em Retrato do Brasil (1927), Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1933), Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala (1933) e Darcy Ribeiro em várias obras, culminando em O Povo Brasileiro (1995). Nós usamos novas ferramentas - a genética molecular e a genética de populações - para reconstituir e compreender o processo que gerou o brasileiro atual, no momento em que comemoramos 500 anos da chegada dos europeus ao Brasil.

A filogeografia é o campo de estudo dos princípios e processos que governam a distribuição geográfica de linhagens genealógicas dentro das espécies, com ênfase em fatores históricos. Ela integra conhecimentos de genética molecular, genética de populações, filogenética, demografia e geografia histórica. Sabendo que linhagens genealógicas ameríndias, européias e africanas contribuíram para a composição da população brasileira, decidimos mapear na população branca do Brasil atual as distribuições espaciais destas linhagens em um contexto histórico. Para isso, amostras de DNA da população do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil foram estudadas com dois marcadores moleculares de linhagens genealógicas: o cromossomo Y para estabelecer linhagens paternas (patrilinhagens) e o DNA mitocondrial para estabelecer linhagens maternas (matrilinhagens). Comparações com estudos realizados em populações de outros países permitiram estabelecer a origem geográfica da vasta maioria dessas linhagens genealógicas. 

A genética reconstruindo a história

O segmento exclusivo do cromossomo sexual Y (presente apenas em homens) e o DNA mitocondrial (DNA presente em organelas celulares denominadas mitocôndrias) apresentam propriedades genéticas em comum. Primeiro, eles são herdados de apenas um dos pais: o cromossomo Y é transmitido apenas através do espermatozóide paterno apenas para filhos homens e o DNA mitocondrial é transmitido através do óvulo materno para filhos e filhas. Segundo, não trocam genes com outros segmentos genômicos (não se recombinam), sendo transmitidos às gerações seguintes em blocos de genes (denominados 'haplótipos').

Esses blocos permanecem inalterados em patrilinhagens ou matrilinhagens até que ocorra uma mutação. As mutações ocorridas durante a evolução humana geraram variações (polimorfismos) dos haplótipos que servem como marcadores de linhagem. Além disso, o cromossomo Y e o DNA mitocondrial fornecem informações complementares, permitindo traçar patrilinhagens e matrilinhagens que alcançam dezenas de gerações no passado, podendo assim reconstruir a história genética de um povo.


As variações do cromossomo Y e do DNA mitocondrial

A maior parte (mais de 90%) do cromossomo Y humano não sofre recombinação - os haplótipos são transmitidos inalterados de pai para filho por gerações e gerações. Para identificar os diferentes haplótipos necessitamos estudar polimorfismos de DNA do cromossomo Y que possuam velocidades evolucionárias diferentes. No estudo das linhagens em brasileiros, optamos por polimorfismos de evolução lenta, ou UEPs (do inglês unique event polymorphisms), que indicam eventos mutacionais únicos. Há dois tipos de UEPs: os que resultam da mudança de uma só base da seqüência do DNA (SNP, do inglês single nucleotide polymorphism), e os decorrentes da entrada de uma curta seqüência de bases (retroposon) em uma determinada posição no cromossomo. A identificação desses polimorfismos é utilíssima para a reconstrução da história de migrações em populações humanas.

O DNA mitocondrial humano possui duas regiões com propriedades evolutivas diferentes. A maior região (mais de 90% do total) é codificante, ou seja, é usada como molde para síntese de RNA. A taxa de mutação nesta região é aproximadamente 5 vezes maior do que do DNA nuclear. A segunda região, chamada de 'alça D', tem em torno de 1.122 pares de bases, não é codificante e evolui cinco vezes mais rápido que o resto da molécula (portanto, 25 vezes mais rápido que o DNA nuclear). Em geral, estudam-se as duas regiões, seqüenciando o DNA mitocondrial nos dois trechos mais variáveis da alça D e procurando SNPs em posições específicas da região maior. A busca de SNPs é feita com enzimas de restrição, que cortam o DNA em seqüências específicas (com quatro a seis bases) -- alterações na seqüência do DNA mitocondrial podem eliminar sítios de restrições ou criar um novo onde não havia nenhum. SNPs estudados com enzimas de restrição recebem o nome especial de RFLPs (do inglês restriction fragment length polymorphisms, ou seja, polimorfismos de tamanho de fragmentos de restrição).


Amostragem da população brasileira

O Brasil tinha 157.070.163 habitantes em 1996, distribuídos pelas regiões Norte (11.288.259), Nordeste (44.766.851), Sudeste (67.000.738), Sul (23.513.736) e Centro-Oeste (10.500.579), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE. Quanto à raça [1] o IBGE adota um critério simplista, segundo a cor da pele (por autoclassificação): branca, preta, amarela, parda, indígena e sem declaração. Há um claro gradiente (do Norte para o Sul) nas proporções relativas das cores de pele: brancos são 22,7% da população no Norte e 83,3% no Sul. Esses dados demonstram a dificuldade de obter uma amostra representativa da população brasileira para pesquisa genética, principalmente sabendo-se que tais estudos são complexos demais para permitir a análise de grande número de indivíduos. 

Nós optamos, por razões teóricas e logísticas pelo estudo de uma amostra de 200 indivíduos (247 para o DNA mitocondrial), o que é um bom número em termos de estudos filogeográficos humanos, distribuídos em quatro das cinco principais regiões geográficas do Brasil: 50 indivíduos do Sudeste (99 pessoas no caso do DNA mitocondrial), 50 indivíduos do Norte, 50 indivíduos do Nordeste e 50 indivíduos do Sul. 

Para evitar que essa escolha, em cada região, afetasse os resultados, restringimos nossa amostra à população branca, majoritária no Brasil (51,6%). Obtivemos amostras de DNA (codificadas para garantir total anonimato) de indivíduos não-aparentados. A amostragem, porém, incluiu principalmente pessoas de classe média e classe média alta, o que poderia afetar as conclusões dos estudos. Por isso, amostras de DNA de trabalhadores rurais brancos do Vale do Jequitinhonha (MG) -- cedidas pelo Professor Carlos Maurício Antunes e Roberto Campos Amado do Departamento de Parasitologia da UFMG -- foram estudadas, para comparação. 

Patrilinhagens em brasileiros brancos

Nosso estudo filogeográfico de brasileiros brancos permitiu deduzir que a imensa maioria das linhagens de cromossomo Y do País é de origem européia, mais especificamente portuguesa (como revela a semelhança com dados referentes a 93 portugueses, obtidos em colaboração com o geneticista Jorge Rocha, da Universidade do Porto). Chama atenção a contribuição mínima de cromossomos Y vindos da África sub-Saara (haplogrupo 8, com 2% do total) e ameríndios (haplogrupo 18, nenhum). 

Em contraste, os cromossomos Y europeus (haplogrupo 1) estão presentes na grande maioria (57%) dos brasileiros. Tal participação aumenta quando se admite que o haplogrupo 2 (19% da amostra) tem sua principal origem na Europa. Há várias linhas de evidência nesse sentido. Esse haplogrupo, por exemplo, é comum em portugueses (13%), e Portugal é o país de origem da maioria dos imigrantes europeus para o Brasil. Mas de onde veio o excesso de haplogrupo 2, já que a proporção entre brasileiros é maior que entre portugueses? Não do leste da Ásia, pois é pequena a proporção, no País, de cromossomos Y japoneses e coreanos. Uma pista surge da comparação das regiões do Brasil: a maior proporção do haplogrupo 2 ocorre no Sul (28%), onde foi importante a imigração de alemães e outros europeus, e a segunda no Nordeste (19%), palco da invasão holandesa. Mesmo existindo outras contribuições (do Oriente Médio, por exemplo), a Europa é também a origem mais provável do excesso de haplogrupo 2. Assim, no mínimo 66% e no máximo 85% (este talvez mais próximo da verdade) dos cromossomos Y em brancos brasileiros vieram da Europa.

Também é alta a proporção - em brasileiros (14%) e portugueses (12%) - do haplogrupo 21, encontrado basicamente no norte da África e, em menor proporção, em outras áreas mediterrâneas. O grupo do geneticista Antônio Amorim, na Universidade do Porto, demonstrou que em Portugal a freqüência do haplogrupo 21 aumenta gradativamente do norte para o sul, atingindo quase 25% no Algarve (extremo Sul). A explicação histórica mais provável é que esse haplogrupo é uma relíquia genética dos sete séculos de invasão da península Ibérica, na Idade Média, pelos mouros (oriundos do norte da África).

Sua alta freqüência em brasileiros deve-se então aos portugueses, pois não há registros sobre a vinda para o Brasil de números significativos de escravos do norte da África (o que é reforçado pela baixa proporção de linhagens de DNA mitocondrial do norte africano encontrada em nossos estudos). Se o haplogrupo 21 foi trazido por portugueses, deve ser somado às contribuições européias. Assim podemos concluir que a imensa maioria das linhagens de cromossomo Y dos brasileiros brancos veio da Europa, especialmente de Portugal.

As proporções mínimas de cromossomos Y africanos e ameríndios constatadas poderiam levantar dúvidas sobre a adequação da amostra. Sabendo que a distribuição de cores de pele é desigual nos segmentos sociais do Brasil, poderia o predomínio de pessoas de classe média e classe média alta na nossa amostra viciar os resultados, apontando maior ancestralidade européia? Um fato desmente isso. O estudo dos cromossomos Y de 10 indivíduos brancos de baixa renda do vale do Jequitinhonha (MG) também não detectou haplótipos ameríndios ou da África sub-Saara. 


Haplogrupo
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Brasil
Portugal
Origem Geográfica
Hpl 1
56
67
56
52
57
66
Europa
Hpl 2
14
19
12
28
19
13
Europa, Ásia ou África
Hpl 22
0
0
2
0
1
2
Bascos e Catalões
Hpl 9
14
2
10
4
8
6
Mediterraneo
Hpl 21
13
8
16
16
14
12
Áf. do Norte e Mediter.
Hpl 8
0
4
4
0
2
1
África subsaariana
Hpl 18
0
0
0
0
0
0
Ameríndios
Hpl 20
2
0
0
0
0
1
Japoneses e Coreanos



Matrilinhagens em brasileiros brancos

As linhagens de DNA mitocondrial de todo o mundo dividem-se em três grandes conjuntos, os super-haplogrupos L1, L2 e L3. Os dois primeiros são especificamente africanos, enquanto o último ocorre em todos os continentes, mas pode ser subdividido em haplogrupos típicos de populações africanas, européias, asiáticas e ameríndias.

A classificação por DNA mitocondrial é bem mais complexa que a baseada no cromossomo Y. Em ameríndios brasileiros, por exemplo, há apenas um haplogrupo principal de Y, mas quatro de DNA mitocondrial (A, B, C e D). A diversidade de DNAs mitocondriais também foi muito grande em brasileiros brancos: 171 haplótipos distintos em 247 indivíduos. Ao contrário do revelado pelo estudo do cromossomo Y (ampla maioria de haplogrupos europeus), os DNA, mitocondriais tiveram, para todo o Brasil, uma distribuição de origens geográficas bem mais uniforme: 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias. Entre as linhagens européias, destacaram-se os haplogrupos H, T e J, sendo responsáveis respectivamente por 44%, 14% e 10% do total dessas linhagens.

Como os ameríndios vieram da Ásia, o DNA mitocondrial não os diferencia dos asiáticos. Assim, assumimos que todas as linhagens asiáticas obtidas (haplogrupos A, B, C e D) eram ameríndias. Como não encontramos no Brasil outras linhagens da Ásia que não ocorram também entre ameríndios, qualquer erro decorrente da adoção dessa premissa deve ser muito pequeno. Já a grande diversidade de haplogrupos africanos é compatível com o fato de que os escravos foram trazidos para o Brasil de muitas áreas (principalmente da costa ocidental da África, mas também de Moçambique, no leste).

O fato de encontrarmos 33% de matrilinhagens autóctones, permite-nos calcular que aproximadamente 45 milhões de brasileiros possuem DNA mitocondrial originário de ameríndios. Em outras palavras, embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzido 10 vezes (de aproximadamente 3,5 milhões para 325.000), o número de pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumentou mais de 10 vezes!


Raízes filogenéticas do Brasil

Os resultados obtidos demonstram que a imensa maioria (provavelmente mais de 90%) das patrilinhagens dos brancos brasileiros são de origem européia enquanto a maioria (aproximadamente 60%) das matrilinhagens são de origem ameríndia ou africana. As patrilinhagens, embora sejam maciçamente européias e muito semelhantes à distribuição em Portugal, exibem ainda considerável variabilidade. Isso deve-se à alta diversidade genética dos ibéricos, fruto de muitas invasões e imigrações: celtas, fenícios, gregos, romanos, suevos, visigodos, judeus, árabes e bérberes. A maior mistura gênica certamente ocorreu nos 700 anos de ocupação por mouros (até 1492) e está expressa na alta freqüência do haplótipo 21 (do norte da África) em portugueses e, através deles, nos brasileiros.

Outra pista interessante é a alta freqüência do haplogrupo 9 do cromossomo Y em portugueses e brasileiros. Esse haplogrupo ocorre em toda a área mediterrânea, mas atinge suas freqüências máximas em judeus e libaneses. Até o final do século 14, grande quantidade de judeus vivia na península Ibérica, em aparente harmonia com cristãos e muçulmanos. No século 15, a discriminação aumentou até que os judeus, exceto os que se converteram ao cristianismo (cristãos novos), foram expulsos de Portugal, em 1509. Embora fosse proibido a judeus e mouros emigrar para as Américas, muitos cristãos novos vieram para o Brasil, provavelmente trazendo o haplogrupo 9.

Por sua vez, os imigrantes que chegaram ao Brasil a partir da metade do século 19, em especial italianos, espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses, deixaram sua 'marca' no aumento (em relação a Portugal) da freqüência dos haplogrupos mediterrâneos 21 e 9 (italianos, espanhóis e sírio-libaneses) e na presença dos haplogrupos 22 (espanhóis) e 20 (japoneses). Como foi dito, a presença dos alemães no Sul e dos holandeses no Nordeste provavelmente reduziu a freqüência dos haplogrupos mediterrâneos nessas regiões e aumentou a do haplótipo 2.

Já os estudos de DNA mitocondrial demonstram proporções gerais de 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias, mas variando consideravelmente de região para região, segundo o padrão esperado pela história de colonização de cada uma delas. No Sul, são europeus 66% dos haplótipos, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos séculos 19 e 20. No Norte, onde a presença indígena é elevada, 54% das matrilinhagens são ameríndias. No Nordeste, como esperado, predominam matrilinhagens africanas (44%). No Sudeste, a distribuição das linhagens é muito uniforme. Apesar da alta diversidade de linhagens de DNA mitocondrial, européias e africanas, não foi possível relacionar haplogrupos específicos a regiões brasileiras. As linhagens européias H, T e J predominam em todas as regiões e não apresentam um padrão específico de distribuição. Isso é consistente com o fato de que, dentro da Europa, a diferenciação de matrilinhagens é bastante pobre.

No caso das linhagens africanas, sabe-se que a maioria dos escravos que vieram para o Brasil originavam-se da costa oeste, da vasta região entre o rio Senegal no norte e a Angola portuguesa no sul. Na parte mais norte dessa região estavam o reino Ioruba de Oyo e os reinos de Dahomey e Congo. Os escravos que vieram dessa região, chamados de Minas, constituíam aproximadamente um terço do total que veio para o Brasil e concentraram-se inicialmente na Bahia. Muitos desses escravos tinham a religião Ioruba, da qual veio o Candomblé baiano. A maioria dos escravos para o Rio de Janeiro e Minas Gerais veio de Angola - de tribos que falavam dialetos do tronco Bantu. Entretanto, no século XIX houve consideráveis migrações internas dos escravos, com homogeneização entre os estados. Sabe-se pouco sobre a distribuição de haplogrupos de DNA mitocondrial na África, especialmente em Angola. Assim, fica difícil fazer inferências filogeográficas a partir dos nossos resultados, que mostram que os haplogrupos L3e e L1c constituem quase 50% dos africanos.

As linhagens ameríndias mostraram um padrão curioso. O haplogrupo A foi o mais comum no Nordeste, Sudeste e Sul (36% do total das três regiões), enquanto o C foi o mais comum no Norte (38%). Novos estudos estão sendo iniciados para tentar explicar essa correlação geográfica.


O Retrato Molecular do Brasil no contexto histórico

Em resumo, nossos estudos filogeográficos com brasileiros brancos revelam um padrão de reprodução direcional: a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (cerca de 60%) é ameríndia ou africana. Os resultados combinam com o que se sabe sobre o povoamento pós-cabralino do Brasil. Exceto pelas invasões (temporárias) de franceses no Rio de Janeiro e de holandeses em Pernambuco, praticamente apenas portugueses vieram para o Brasil até o início do século 19. Os primeiros imigrantes portugueses não trouxeram suas mulheres, e registros históricos indicam que iniciaram rapidamente um processo de miscigenação com mulheres indígenas. Com a vinda dos escravos, a partir da segunda metade do século 16, o processo de miscigenação estendeu-se às africanas.

Em 1552, em carta ao rei D. João, o padre Manuel da Nóbrega fala da falta de mulheres brancas na nova colônia, e pede que essas sejam enviadas para que os homens "casem e vivam (...) apartados dos pecados em que agora vivem". A coroa portuguesa tolerou relacionamentos entre portugueses e índias desde o início da colonização, mas passou a estimular casamentos desse tipo oficialmente por um Alvará de Lei emitido em 4 de abril de 1755 pelo marquês de Pombal. A idéia de Pombal, aparentemente, era povoar o Brasil, garantindo sua ocupação, mas essa política surpreendentemente liberal não se estendeu aos africanos. É óbvio, no entanto, que a mistura de portugueses com africanas continuou.

A partir da metade do século 19, o Brasil recebeu enormes levas de novos imigrantes, destacando-se portugueses e italianos, seguidos de espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses. Entre 1872 e 1890, por exemplo, a população de brancos brasileiros aumentou em 12,5 milhões. Embora muitos imigrantes tenham vindo com suas famílias (em especial, os alemães), havia um excesso significativo de homens em outros grupos. Como os imigrantes eram em geral pobres, casavam-se com mulheres também pobres, o que no Brasil significava mulheres de pele escura (por causa da correlação entre cor da pele e classe social).

Vários autores, dentre os quais despontam os já mencionados Paulo Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, enfatizaram a natureza tri-híbrida da população brasileira, a partir dos ameríndios, europeus e africanos. Os dados que obtivemos dão respaldo científico a essa noção e acrescentam um importante detalhe: a contribuição européia foi basicamente através de homens e a ameríndia e africana foi principalmente através de mulheres. A presença de 60% de matrilinhagens ameríndias e africanas em brasileiros brancos é inesperadamente alta e, por isso, tem grande relevância social.

O Brasil certamente não é uma democracia racial. Prova disso é a necessidade de uma lei para proibir o racismo. Pode ser ingênuo de nossa parte, mas gostaríamos de acreditar que se os muitos brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século 21 uma sociedade mais justa e harmônica.


Notas

[1] A razão pela qual "raça" está entre aspas no texto é que, embora o IBGE continue usando o termo, ele é mais uma construção social e cultural do que biológica. Na verdade, do ponto de vista genético raças humanas não existem. O homem moderno distribuiu-se geograficamente e desenvolveu características físicas, incluindo cor da pele, que são adaptações ao ambiente de cada nicho geográfico. Entretanto, do ponto de vista genético não houve diversificação suficiente entre estes grupos geográficos para caracterizar raças em um sentido biológico, como demonstrou recentemente o geneticista americano Alan Templeton. Isto introduz uma dificuldade, pois como podemos nos referir a certos grupos, como por exemplo, os índios brasileiros? Uma nomenclatura que tem sido crescentemente usada é a de etnias, que na nossa opinião deveriam ser muito amplamente definidas como grupos populacionais que possuem características físicas ou culturais em comum. Infelizmente a definição de etnia como "um grupo biológico e culturalmente homogêneo" dada no Novo Dicionário Aurélio (1a edição) é errada. Não existe na face da Terra nenhum grupo humano biologicamente (nem culturalmente) homogêneo



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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Fila Brasileiro - O Melhor Cão de Guerra do Mundo!

Diz o ditado popular que o caráter de um cão é o espelho do seu dono. Forjado no Brasil ao longo de séculos, exercendo o pastoreio na lida com o gado, caçando onças, farejando escravos fugitivos, o Fila-Brasileiro aderiu ao seu temperamento as qualidades estimadas pelos caboclos, e assim selecionando, naturalmente, se incorporou as características que mais estimavam: coragem, lealdade, rusticidade.....

Rústico, forte, dotado de uma coragem sem limites e de uma lealdade sem falhas, que virou adágio popular: "Fiel como um cão de fila".  O Fila possui qualidades únicas na cinofilia, é o único, dos cães molossos, com ojeriza a estranhos.

Fila antigo
Providos de pele grossa e solta, o salvaguarda contra ataques de onças que não o conseguem ferir de morte. Também possuem articulações frouxas (responsável pelo "passo de camelo") que permite maior liberdade de movimentos, dando-lhe agilidade notável para se esquivar de coices e chifradas no pastoreio, como de eventuais ataques de onças quando na caça.

O "passo de camelo" possibilita percorrer longas distancias, com um mínimo gasto de energia, quando na condução por tropeiros. Sua rusticidade tornou-o figura indispensável nas fazendas brasileiras, já que não exige maiores cuidados e esta sempre pronto para as tarefas mais rudes.

Foram essas carcaterísticas que levaram o Exército Brasileiro, através do CIGS - Centro de Instrução de Guerra na Selva, durante 5 anos, realizar testes com cães das raças doberman, pastor alemão e o próprio fila brasileiro, levando essas raças ao extremo, próximas de um real conflito na selva, e concluir que o Fila Brasileiro é a raça mais apta ao trabalho na selva, os estudos apontaram que o fila teve melhor adaptalidade as condições inóspitas da floresta amazônica, e em ambiente hostil, teve melhor desempenho na maioria das qualidades testadas, como olfato, resistência, força, coragem, silêncio, entre outras características.

Em Risco de Extinção:

Fila Antigo
A raça Fila Brasileiro foi reconhecida como tal, em meados da década de 40 para 50. Em fins dos anos 70 houve uma grande demanda pela raça, e canis e criadores inescrupulosos passaram a miscigenar com raças estrangeiras (mastiff napolitano, Dogue Alemão e Bloodhound, dentre outros) afim de terem mais ninhadas ante a grande procura. De modo que a entidade (CBKC) responsável por zelar pelo padrão racial nada fez ante as denúncias de miscigenação, resultando num "fila" atípico e com uma imensa diversidade tipológica. Surgiu uma entidade (CAFIB) de criadores que denunciaram essa desnaturalização da raça, contudo quer por falta de maiores estudos sobre o fila, quer por já ter em seus planteis filas miscigenados, a CAFIB acabou desenvolvendo um cão com características do bloodhound, flagrantemente diferente dos filas da década de 60.

Atualmente, por parte de alguns criadores, em esforços individuais e incipientes ainda.... começa-se a procurar um resgate do antigo padrão Fila Brasileiro.

 Padrão CBKC tem características do Mastiff Napolitano, o padrão CAFIB do bloodhound e a esquerda o Típico Fila Antigo




sexta-feira, 8 de julho de 2016

Não Existe Capital Sem Nacionalidade. Capital Tem Pátria!

A visão liberal é de que a nacionalidade do capital não importaria, que o "capital é internacional". E não deveria importar porque as empresas tenderiam a maximizar o lucro a fim de sobreviver e portanto, esse patriotismo seria um luxo ao qual elas não podem se permitir. Curiosamente, muitos marxistas concordam com isso: "capital não tem pátria".

Ha Joon Chang, economista sul-coreano, profº da Universidade de Cambridge  é da opinião de que não existe “capital sem nacionalidade”:

"Apesar da crescente “internacionalização” do capital, quase todas as multinacionais continuam a ser empresas nacionais com operações internacionais, em vez de companhias genuinamente desprovidas de nacionalidade. Elas realizam no seu país de origem a maior parte das suas atividades básicas, como pesquisas avançadas e a definição de estratégias. Quase todos os seus principais tomadores de decisões também são cidadãos do país de origem da empresa. Quando precisam fechar fábricas ou reduzir empregos, geralmente o último lugar onde fazem isso também é no país de origem, por vários motivos políticos e, acima de tudo, econômicos. Isso significa que o país de origem se apropria da maior parte dos benefícios de uma corporação transnacional." - (CHANG, pg. 72)

O Estado, principalmente em países desenvolvidos, tornam-se extensões das grandes corporações dominantes, fomentando, amparando e intervindo nos interesses de suas empresas, seja de forma econômica ou abrindo mercados a bala de canhão.

Quando os EUA intervém em páises produtores de petroleo, o faz para proteger não só sua economia, dependente dessa matriz energética, e seu sistema financeiro baseado no petro-dólares, mas como no direto interesse de suas empresas petrolíferas.

Há Joon Chang chama atenção ainda para a vinculação direta do financiamento dessas empresas em seu estágio de desenvolvimento e mesmo após com o capital nacional:

“As empresas, em especial (embora não exclusivamente) nos seus primeiros estágios de desenvolvimento), com frequência são respaldadas por dinheiro público, direta e indiretamente. Muitas delas recebem subsídios diretos para tipos específicos de atividades, como o investimento em equipamento ou o treinamento de trabalhadores. Elas às vezes até mesmo são salvas pelo dinheiro público, como a Toyota foi em 1949, a Volkswagen em 1974 e a GM em 2009. Ou então elas podem receber subsídios indiretos na forma de proteção tarifária ou direitos de monopólio regulamentares.” (CHANG, p. 74)

Isso é ainda mais importante no setor de Pesquisa e Tecnologia, que demanda investimentos de longo prazo, que sem aporte de capital nacional, não seria possivel:

“Essa predisposição patriótica também é muito forte na área de pesquisa e desenvolvimento, que situa-se no âmago do vigor competitivo das empresas nas indústrias mais avançadas. A maior parte das atividades de P&D das corporações permanece no país de origem. Quando são transferidas para o exterior, em geral o são para outros países desenvolvidos, e mesmo assim com uma tendenciosidade “regional” (com regiões aqui querendo se referir à América do Norte, à Europa e ao Japão), que nesse sentido é em si uma região). Recentemente, um crescente número de centros de P&D foi instalado em países em desenvolvimento, como a China e a Índia, mas a P&D que eles conduzem tendem a se situar nos níveis mais baixos de sofisticação.” (CHANG, p. 72)

O mito liberal de industrialização dos países em desenvolvimento via transferencia do setor produtivo para países periféricos se revela uma mentira deslavrada. Apenas atividades menores, que não exijam qualificação, são transferidas, e aqui nem consideraremos a evasão de divisas. Eis oque diz Chang sobre o tema:

“Mesmo quanto a Produção, [....] a maioria das corporações transnacionais ainda está firmemente estabelecida no seu país natal. Existem exemplos ocasionais de empresas, por exemplo a Nestlé, que fabrica no exterior a maior parte da sua produção, mas elas são em grande medida a exceção. Entre as corporações transnacionais estabelecidas nos Estados Unidos, menos de um terço da produção das empresas industriais é produzido no exterior. No caso das empresas japonesas, o percentual está bem abaixo de 10%. Na Europa, o percentual subiu rápido recentemente, mas a maior parte da produção de empresas europeias situase dentro da União Europeia, de modo que isso deve ser interpretado mais como um processo de criação de empresas nacionais para uma nova nação chamada Europa do que um processo de empresas europeias se tornando verdadeiramente transnacionais.” (p. 72)

“Em resumo, poucas corporações são de fato transnacionais. A vasta maioria delas ainda fabrica o grosso da sua produção no país de origem. Especialmente no que diz respeito a atividades de qualidade superior como a tomada de decisões estratégicas e a P&D de produtos avançados, elas permanecem firmemente centradas no país natal. A conversa a respeito de um mundo sem fronteiras é extremamente exagerada.” (p. 72)

Desse modo como podeis ver o chavão marxista de que o “capital não tem pátria” ,  que o “capital é internacional”, não passa de uma ilação sem qualquer esteio na realidade, fruto de mentes metafísicas, que fantasiam e não se atem a realidade. Com graves repercussão no desenvolvimento nacional além da distorção interpretativa.

Só o desenvolvimento baseado no capital nacional é capaz de gerar um desenvolvimento sustentável, sem sobressaltos, de forma efetiva, ao fomentar a produção e seu desenvolvimento tecnológico. Elevando assim o estágio civilizacional de um país, e possibilitando garantir-lhe soberania e prosperidade para seus nacionais. Como assim nos ensina Barbosa Lima Sobrinho:

"o desenvolvimento econômico, sendo acumulação de capital, só se realizará com poupanças e capitais nacionais. Não há lei que possa desviar o capital estrangeiro de seu roteiro natural, orientado para o rumo que mais convier aos seus donos, aos homens que na verdade o comandam. Ao passo que o capital autóctone terá sua tarefa e o seu destino incorporados ao processo de desenvolvimento nacional" ( SOBRINHO, p. 285)



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