terça-feira, 12 de maio de 2020

CASTILHISMO, Uma Filosofia Estóica.

A influência do estoicismo sobre a tradição ocidental é enorme, incluso na constituição do próprio cristianismo. Pode-se afirmar sem engano que dentre todas as escolas filosóficas ocidentais, foi a que mais tempo vigeu e que mais gozou de popularidade. Ressurgindo com vigor no Renascimento, sendo determinante na nossa formação nacional, sobre a qual cuidaremos em artigo próprio oportunamente. Por hora, nos focaremos na influência do estoicismo sobre o positivismo, que de todas correntes filosóficas modernas é a com qual mais guarda correlação.
Editorial


O Positivismo enquanto filosofia é um desdobramento natural do Estoicismo. Ambos se enquadram na Filosofia Natural. Os estóicos apresentavam uma visão una do cosmos, consistindo de uma lógica formal, uma física monísta e uma ética naturalista. Os estóicos negam qualquer realidade que seja puramente espiritual, de modo que a capacidade de agir e de padecer, pertence somente ao que é corpóreo e material. O ser é entendido como corpóreo e material. Assim como Aristoteles, o estoicismo é radicalmente empirista, acreditando que a existência (einai) se compõe apenas de corpos que interagem das mais diversas maneiras. Tudo que existe é corpo: eis a afirmação básica do materialismo estóico. Assim o cosmos é um sistema uno, contínuo, belo e racional, diferente da concepção platonista, para quem a matéria é indigna de integrar o corpo de Deus. Oque leva, a um paradigma: ou o mundo é uma criação imperfeita de Deuses intermediários, tese dos neoplatônicos, ou seria resultado de um "Deus malévolo" como afirmam o gnósticos. Ambas deduções, rejeitadas pelos estóicos.

Dessa concepção da physios implicava uma visão determinista das coisas, posto que o cosmos segue uma ordem. Não existem acasos na natureza, tudo caminha para um fim. E como o universo caminha para um fim, também a existência humana tem uma finalidade, um teleíos, um objetivo final. E qual seria esse objetivo final? Segundo os estóicos, o objetivo do homem era viver em conformidade com a natureza, transpor para dentro de si mesmo essa ordem manifesta externamente. O Positivismo igualmente é empirista e determinista, e claramente, parece ter se baseado nessa concepção estóica, de que as leis naturais, em seu sentido amplo, regem as relações humanas. Difere do estoicismo, no método para inteligir qual seria essa ordem natural, os estóicos se baseiam na razão, único recurso conhecido à época, já o positivistas se valem da metodologia científica. 

Uma vez que tudo se encontra ordenado pelo Lógos, e sendo o homem parte desse Lógos, fragmento e um momento do Lógos. Compete-lhe então agir sempre em obediência à lei universal, buscando viver em harmonia com a natureza. Portanto, a physis característica do homem é o Lógos, a razão, e como o fim de todo ser é atuar a própria physis, assim o objetivo e fim do homem será atuar a razão; e, por conseqüência, dos modos e das maneiras nas quais a razão atua perfeitamente devem-se deduzir todas as normas da conduta moral. Dessa concepção, decorre toda a ética estóica. 

Para fundamentar isso, encontrar uma base em que se assentasse toda sua concepção ética, assumiram uma atitude que cada um de nós pode assumir, consideradas quatro virtudes capitais, que seriam a base de toda a existência:
1. Apatheia (apatia); o homem deve dominar a si.
2. Autarkia (autarquia); o homem deve buscar a auto-suficiência, a ausência de necessidade.
3. Obediência; uma vez que tudo se encontra ordenado pelo logo universal, compete ao homem agir sempre em obediencia a lei universal.
4. Dever; o homem ao se relacionar através do logos, implica necessariamente em deveres. 
A primeira apathéia, "apatia", não deve ser mal compreendida com o sentido que se dar ao termo na atualidade. A apatia a que se referiam os estóicos não era uma atitude passiva diante da vida, muito pelo contrário. O que pretendiam era que o homem empreendesse uma luta contínua e constante para dominar o seu ser, para mantê-lo sob as rédeas da razão. E nessa luta o objetivo a ser atingido era não deixar-se dominar por fatores externos, não ser o homem influenciado pela dor e pelo sofrimento, nem pelo prazer. Isso não significa tornar-se insensível à dor ou ao prazer, como às vezes se afirma; mas sim tornar-se imperturbável perante esses elementos, que têm ambos caráter essencialmente transitório. O sofrimento é sentido, o prazer é usufruído, mas o primeiro não deve abater o homem, nem deve o segundo enleá-lo. Para se chegar a esse nível de consciência, para agir de acordo com essa norma, é preciso muita ascese, muito exercício, necessidade de prática constante.

A segunda virtude capital era a autarquia, isto é, a carência de necessidade. É a auto-suficiência do sábio, para quem a felicidade não consiste em outra coisa a não ser a vida virtuosa. Nesse sentido podemos citar a Epícteto, quando dizia: "deseja só aquilo que de ti depende". Trata-se aqui da excessiva importância que costuma-se atribuir a certas coisas, considerando-as às vezes, erroneamente, indispensáveis para o nosso bem-estar. E isso fica bem patente nos dias de hoje, em que vivemos sob o domínio de uma imensa "religião", que é o consumismo, cuja "liturgia" é a propaganda. É um "bombardeio" constante de informações acerca do perfume que se deve usar, das roupas que se deve vestir, etc. Passando o homem a considerar, como se fossem importantes e necessárias, oque são em verdade perfeitamente dispensáveis ou de importância apenas secundária. Se analisarmos bem, perceberemos que existe muito pouca coisa de que realmente necessitamos.

A terceira virtude, é a obediência. Uma vez que tudo se encontra ordenado pelo Logos universal, e sendo o homem partícipe desse Logos, compete-lhe então agir sempre em obediência à lei universal, buscando viver em harmonia com a natureza. E neste caso não se deve entender a natureza apenas em seu aspecto físico, como costumam conceber os "ecologistas" da atualidade, mas sim num sentido mais amplo, abarcando praticamente todas as atividades do homem: as interações entre os diversos segmentos sociais, as formulações de índole política, o florescimento, mediante a educação, das potencialidades individuais inerentes ao ser humano. Em todos esses casos existem ordenamentos, leis, ditames naturais, cujo não cumprimento traz ao homem conseqüências às vezes desastrosas. "Se quisermos sujeitar a natureza, cumpre obedecê-la primeiro." - Francis Bacon.

Finalmente, a consciência do dever; quarta virtude do ideário estóico. Através do Logos o homem se relaciona com todos os outros homens, e essa relação implica, necessariamente, em deveres. Mesmo sem recorrer a grandes especulações, intuímos e somos impelidos ao sentimento de ajuda mútua, ao sentimento pedagógico, pois que a cada homem, em cada instante, se apresenta uma oportunidade de ensinar ou aprender alguma coisa. Enfim, sentimo-nos com a obrigação de colaborar de alguma forma, com a obra que é de todos os homens, sentimo-nos compromissados com a finalidade última da humanidade.

Essa consciência do dever, aspecto essencial dentro da fílosofía estóica, era também uma característica da civilização romana. Temos um dever perante a família, a pátria, a humanidade, perante a história. Daí o lema positivista: "Família, Pátria e Humanidade". É bom ter isso em mente quando confrontamos a nossa extrema preocupação pelos direitos do homem; não podemos esquecer a complementariedade desses dois elementos: nossos direitos só se justificam na medida em que assumimos e cumprimos com os nossos.

Sobre essas quatro virtudes básicas assentavam os estóicos a sua idéia de liberdade. Qualquer coisa que se relacione com disciplina, obediência, auto-esforço, etc., costuma ser considerado contrário à idéia de liberdade. No entanto, segundo o Estoicismo, a liberdade é personificada na figura do sábio, que cultiva as quatro virtudes já referidas: é livre de afetos e paixões e se basta plenamente a si mesmo; age em conformidade com a harmonia universal e tem consciência de seu dever - para consigo mesmo e para com a sociedade.

A grande força dos estóicos consistiu precisamente na capacidade que demonstraram de não apenas falar, não só estudar os princípios nos quais devemos basear nossa existência, mas pô-los em prática, já que de nada adianta o conhecimento sem vivência, a ciência sem virtude. Se a meta do homem é a conquista da felicidade, os estóicos entendiam essa felicidade exatamente como a vivência prática da virtude. Por isso ao homem é possível ser livre e autosuficiente: porque, para praticar a virtude, não dependemos de mais ninguém a não ser de nós mesmos.




Artigos correlatos:

Estoicismo e a Virtus Romana, Perda e Queda.