Nos primeiros colonizadores do Brasil encontravam-se
as virtudes essenciais do pioneiro português: — solidariedade na compreensão
nítida de existência nacional, hábito de atividade disciplinada e, com isto, o
sentimento de trazerem consigo uma pátria, no intuito explícito de fazerem um
novo país, pelo desenvolvimento das tradições nacionais. Como estímulo geral,
havia o desejo de formar fortuna estável. “O português, estabelecendo-se no
Brasil, abandonou de certo modo os direitos que em Portugal possuía para com o
Monarca, porquanto, em lugar do rei, recebia um senhor — Dominus Brasilia. Nisso mesmo existia o motivo para os colonos
jamais deporem as armas.” Assim desenvolve Von Martius (Naturalista e
historiador alemão, autor de: Como Se Deve Escrever a História do Brasil).
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Martim Afonso de Sousa, Tibiriça e João Ramalho |
Martius
antes, já havia mostrado como, nessa posse ativa e definitiva da terra, a
colonização portuguesa veio estabelecer o seu “Sistema de Milícias, instituição singular de defesa, de grande
alcance por todo o primeiro período de formação. Eram forças saídas das
próprias populações estáveis, absolutamente vinculadas à terra”. Martius
acredita que, por elas, se explica o espírito empreendedor dos bandeirantes, e
a capacidade de defesa contra os invasores. E ele insiste no valor dessa
primeira colonização: “Não devemos julgar a emigração de colonos portugueses
para o Brasil, como ela se operava no século XVI. e que lançou os fundamentos
do atual... segundo os princípios das colonizações de hoje em dia... Era
aquela uma continuação dessas empresas afoitadas e grandiosas... executadas ao
mesmo tempo por príncipes, nobres e povo... As mesmas razões gerais e
poderosas que imprimiram a uma das nações mais pequenas da Europa um movimento
tão poderoso, e que a impeliram para urna atividade que faz
época na história universal, e induziram-na igualmente à imigração para o
Brasil.
Em geral, os novos
colônos que emigram, são gente em torno dos Donatários, a maioria da baixo
aristocracia rural do norte de Portugal. Duarte Coelho trouxe consigo colonos
de Viana do Castelo, a tal ponto numerosos que ao se insugirem contra
emissários de Lisboa diziam: “aqui não Del Rey mas, de Viana!”.
Igualmente na então Capitania de Porto Seguro, seu donatário Campo Tourinho em
menos de 3 anos construiu 7 vilas onde distribuiu alguns colonos que o
acompanhavam a maior parte provinha de família de pescadores de Viana do
Castelo e eles logo transformaram a pesca da garoupa nos baixios de Abrolhos em
uma indústria florescente que se tornou na principal fonte de renda da
capitania com a exportação do peixe salgado e seco. Após a morte de Pero
Tourinho a capitania entrou em decadência, embora a Vila de Porto Seguro tenha
se mantido habitada, assim como os outros povoados fundado por Pero de Campo
Tourinho entre eles Santa Cruz, Santo Amaro e Comagi.
Para mensurar o resultado desse processo,
quase metade dos portugueses processados pela Inquisição na Bahia e em
Pernambuco no Séc. XVI eram naturais do Minho, cabendo um longínquo segundo
lugar (15%) aos naturais de Lisboa.
A estrutura familiar minhota
foi determinante para esse fluxo, uma vez que os filhos que não fossem
primogênitos ficavam deserdados e assim buscavam no Brasil novas terras. Foi
assim que fidalgos de Entre Douro e Minho, singraram o mar oceano em frágeis
caravelas, e aqui aportaram no verde mar da Bahia. A partir da casa-forte
erguida por Garcia d´Ávila, partiram rijos cavaleiros com suas cartas de
sesmaria, sementes e gado, e beirando os rios vieram dar nas lonjuras ásperas
da caatinga, povoando todo o sertão.
Essa influência minhota
restou particularmente notável na herança lingüística deixada no nordeste
setentrional onde se verifica forte reminiscência do português arcaico na
linguagem sertaneja. Posto que da Paraíba ao Piauí, não houve fortes
influências africanas(como na Bahia, Maranhão e Minas) ou de outras línguas
européias(como em São Paulo e o sul).
Com efeito: “O português que no
princípio do século XVI emigrava para o Brasil, levava consigo aquela direção
de espírito e coração, que tanto caracterizava aqueles tempos.... o historiador
brasileiro não poderá se eximir-se de traçar um quadro dos costumes do século
XV, se intentar descrever os homens tais e quais vieram”.
Entre os primeiros construtores
da colônia, encontram-se os portadores da verdadeira glória que Portugal deu ao
Brasil, tanto nos leigos, como nos clérigos. E são tantos que chegam para tudo
o que é preciso no momento: conquistar a terra, ganhar e absorver o gentio,
iniciar as culturas, fazer as povoações, resistir ao estrangeiro. E houve
desses construtores, cuja atividade se prolongou 40 anos – Um Gaspar de
Souza.... Trabalhavam como obreiros e combatentes, edificavam lutando. Toda a
primeira formação foi assim: na boa luta, a que enraíza na terra, e fortifica o
patriotismo. O espírito dominante era o da pura defesa, de uma obra estável,
para uma vida laboriosamente pacífica. Assim o consagrou Tomé de Souza,
simbolizando a Capital que edificou, e o país por ela governado, nas armas que
lhe deu: a pomba, início e esperança de nova vida, animo de mansidão e bondade:
Sic illa ad arcam reversa est.
Frei Vicente do Salvador, o
melhor espelho da vida colonial no primeiro século do Brasil, dá conta, a seu
modo, e muito expressivamente, dessa feição estável e apaixonadamente agrícola
daquela gente. É quando trata dos serviços de Cristóvão de Barros, grande
capitão, por certo, e que submeteu definitivamente os tamoios e os tupinambás
de Sergipe. “era um homem sagaz e prudente e bem afortunado nas guerras.... em
todas que teve com os tamoios ficou vitorioso e pacificou de modo o recôncavo e
rios daquela baía que, tornados os ferros das lanças em foices e as espadas
em machados e enxadas, tratavam os homens já somente de fazer suas lavouras
e fazendas, e ele fez também um engenho de açúcar....”.
Para a Índia se despejavam as
levas de todos aqueles em que predominavam a cobiça grosseira, a sede brutal de
ouro e de comércio pirata. A Índia depurou a primeira colonização do Brasil. Pelo
seu caminho se foram os que não convinham as necessidades da nação que aqui se
criava. Houve seleção de indivíduos e, até de serviços. Tal se dá no caso de
Martim Afonso. Era um ânimo de grande energia, valoroso como qualquer Pizarro,
ou Alamagro; tanto se vê suas façanhas em Requilin, Malabar, Ceilão, Bengala...
onde teve que bater-se com guerreiros que não eram inermes mexicanos, ou
peruanos. Mas com seu grande valor, era, Martim Afonso, um grosseiro ambicioso
– de riquezas feitas, como as terras daqui não lhe podiam proporcionar; e o
grande capitão, depois de dar-nos o que de bom havia na sua atividade, foi-se
para a Índia, a cevar nas riquezas dali os instintos de rapinagem.
A orgia das aventuras na Índia,
serviu de boa lição, valeu como aviso a Portugal. Dobrado por essa experiência,
compreendeu que era preciso elevar os processos na Índia, meditou nos
magníficos resultados da colonização das ilhas, e o Brasil lhe pareceu a terra
destinada a uma vasta exploração colonizadora, estável, em que a nação se
refizesse, em vez de perverter-se, como acontecia na exploração puramente
comercial, de simples feitorias. Para isso concorreu explicitamente a
exploração que os franceses faziam na costas do Brasil, onde tinham feitorias,
e desenvolviam proveitosas relações comerciais com o gentio.
Portugal defendeu seu domínio na
forma conveniente. Veio ocupa-lo e o colonizou, produzindo o longo conflito
entre franceses e portugueses. As guerras travadas, patenteiam de modo
irrecusável a superioridade portuguesa, não só na eficiência militar, mas,
sobretudo na capacidade colonizadora.
Na condições da terra brasileira,
com as populações que ali se encontravam, a exploração por meio de simples
feitorias era de efeitos curtos, condenada irreversivelmente ao insucesso. Foi
o que bem compreendeu o governo português, quando, reconhecida verificar espaço
duplo a totalidade das costas, medidas as suas possibilidades, formulou o plano
das capitanias, que era o de um estabelecimento definitivo, com a incorporação
da terra brasileira na civilização portuguesa, representada nos elementos
considerados fundamentais, isto é, a fidalguia!
O Regime de das Capitanias, teve
o mérito de patentear o intuito de colonização e povoamento. Estável das terras
brasileiras. Houve desastres, não um fracasso total! O regime teve a dupla
vantagem de provocar a vinda para aqui, de gente escolhida com valor e com
intuitos, e de permitir o estabelecimento natural, em toda sua força de
expansão, dos dois núcleos essenciais de formação da nacionalidade brasileira
Olinda e São Vicente. Perderam-se, para os primeiros donatários, a maior parte
das capitanias, mas não se perderam para o Brasil os esforços realizados então,
nem o valor humano das gentes que se empenharam nas empresas malogradas. Os que
resistiram foram homens excepcionalmente intrépidos e eficientes. Para cada um
dos feudos, veio uma leva de pioneiros, no animo de fazer a boa exploração da
terra na agricultura. Vinham com o intuito explícito de conquistar a natureza,
e não no cupido afã de levantar a riqueza feita, saqueando, extorquindo de
qualquer forma. Onde quer que ficassem, eram energias fecundas em que a terra
se refazia no animo de uma verdadeira pátria.