quarta-feira, 5 de maio de 2010

A III Geração Castilhista - Estado Novo.

"A época é das assembléias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considerálo, atualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a significação." - Getúlio Vargas. Discurso em 4-5-1931.



A Segunda Geração Castilhista teve sucesso no seu projeto de tecnificação do Estado. Getúlio conseguiu substituir a representação política pelos conselhos técnicos integrados à administração. A problemática do governo representativo ficava reduzida à questão das eleições, de acordo, aliás, com a interpretação que foi cunhada por Júlio de Castilhos e seus seguidores. Indefinida a questão do governo representativo e do papel a ser desempenhado pelo Congresso na vida política do país, as medidas adotadas para “a restauração das normas da democracia” seriam facilmente assimiláveis pelo processo centralizador instaurado. O ponto nevrálgico da estratégia de Getúlio seria a redução dos problemas políticos a questões técnicas.

Vargas, com a adoção desse esquema, conseguiu fazer de seu governo um centro aglutinador. Enquanto as reivindicações eram levantadas apenas para criar a possibilidade de acesso ao poder do agrupamento que delas se apropriava, o governo adotava uma atitude construtiva, cuidando de encaminhá-las e solucioná-las. Ao longo da década de trinta criam-se, portanto, dois processos de exercício do poder. O primeiro, que dava seguimento ao clima que propiciou a Revolução, nutria-se de assembléias, manifestações, plataformas e, depois, de debates na Assembléia Constituinte, logo substituída pelo legislativo restaurado. A rigor, tratava-se de um novo simulacro de representação, porquanto até mesmo a discussão desse tema assumiria uma conotação técnica.

Três seriam, os teóricos principais da terceira etapa: no plano das idéias políticas, como porta-voz da concepção de Estado que animava ao Presidente Vargas, Almir de Andrade, quem foi nomeado por Getúlio diretor da Revista Cultura Política (1941-1945). No terreno da sociologia política, como inspirador da elite militar que daria apoio ao processo estatizante getuliano, o fluminense Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951). Do ponto de vista jurídico, o ministro da Justiça do governo getuliano, o mineiro Francisco Campos (1891-1968). Todos estranhos a doutrina castilhista, no entanto, Vargas tratou de cooptar oque era aproveitável desses teóricos, compatibilizando ao ideal castilhista.

Almir de Andrade a frente da revista Cultura Política, agiria como fórum em que se debatiam as propostas surgidas dos diferentes agrupamentos políticos na tentativa de obtenção do consenso político, num esforço que levasse em consideração as diferentes correntes políticas suscetíveis de serem cooptadas pelo Estado Novo. Essa hipótese implicaria a disposição dos castilhistas (Getúlio à frente) de ouvir a argumentação das outras correntes. A verdade é que em Cultura Política quem menos aparece são os castilhistas, em decorrência do esvaziamento sofrido pelo grupo que integrou a Segunda Geração, com a saída do governo, em 1932, de importantes gaúchos que acompanharam Getúlio na Revolução de 30 (Lindolfo Collor e João Neves da Fontoura, entre outros). A variedade de posições na Cultura Política testemunha, de um lado, que o Estado getuliano não pretendeu, em momento algum, ensejar um processo totalitário.

As posições de Oliveira Viana não se distanciava da avaliação que os próprios castilhistas faziam do regime iniciado por Castilhos, centrado ao redor da compreensão do conceito de bem público como a estabilidade do Estado, o exercício da tutela moralizadora sobre a sociedade, a continuidade administrativa e um conservadorismo que levava a impedir, a qualquer preço, mudanças revolucionárias, e conduzia a torná-las, melhor, reformas efetivadas pelo Estado. Assim, os acirrados regionalismos e a oligarquia tradicional ensejados pela República Velha, só seriam superáveis através de novo processo centralizador e racionalizador da economia e da iniciativa política, como o acontecido na consolidação do Império.

A proposta corporativista de Francisco Campos foi descartada pelo getulismo, em virtude dos elementos não modernizadores que implicava. A idéia de Campos de que “O Estado assiste e superintende mediante o Conselho de Economia Nacional, de feição corporativa], só intervindo para assegurar os interesses da Nação, impedindo o predomínio de um determinado setor da produção, em detrimento dos demais”, implicava, no terreno econômico, uma perda de forças do Estado empresário e centralizador da tradição castilhista.

Para Vargas era inaceitável a idéia de um Estado patrimonial modernizador, que entregasse às corporações o aspecto fundamental da administração da economia. Isso equivaleria, no mínimo, a um retrocesso que fortaleceria de novo a ascensão dos interesses particularistas.

O Estado getuliano deglutiria, no entanto, a idéia corporativista, libertando-a do vezo romântico presente na proposta de uma economia administrada organicamente pela Nação, e inserindo-a no contexto do Poder central forte e modernizador. O modelo sindical que se consolidou ao ensejo da legislação trabalhista assumiu essa idéia, fazendo dos sindicatos peças da engrenagem controlada pelo Estado. Parte importante desse esforço de reinterpretação no contexto do Estado intervencionista e modernizador.

De outro lado, o Estado getuliano encampou, também, a preocupação de Francisco Campos em prol da educação das massas, inserindo-a no contexto castilhista (e positivista) da incorporação do proletariado à sociedade, que tinha, aliás, inspirado a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública em 1930. Para Getúlio, não se tratava já de educar as massas para que pudessem, através das corporações, competir com o Estado na administração da economia. Tratava-se, sim, de preparar os quadros técnicos, bem como os operários necessários à modernização da economia do país.

Longe de mitigar a idéia de o Estado intervencionista se tornar empresário, Getúlio insistiu nela para fazer surgir a indústria siderúrgica, base do ulterior processo de modernização da economia. Essa proposta, aliás, constava já da Plataforma da Aliança Liberal. Para se impor à maré privatista herdada da República Velha, só restava a Getúlio reviver a tradição castilhista, segundo a qual a racionalização da economia só seria possível num contexto de forte intervenção do Estado na economia, tornando-se ele próprio empresário.

O pensamento estadonovista foi, portanto, mais castilhista do que qualquer outra coisa. Francisco Martins de Sousa, ao concluir a sua análise do corporativismo vigente no Estado Novo, destacou, de forma clara, a fidelidade de Vargas ao castilhismo, nos seguintes termos: “Em síntese, pode-se apontar a fidelidade de Vargas ao castilhismo nestes aspectos:

a) O governo é uma questão técnica, é um problema de competência (o poder vem do saber e não de Deus ou da representação). A tarefa legislativa não pode ser delegada aos parlamentos, mas a órgãos técnicos. Preferiu estes ao arcabouço imaginado por Francisco Campos. Além disto, pode-se dizer que universalizou essa praxe de elaboração legislativa, mantendo-a no nível da Presidência e dos Ministérios e estendendo-a aos Estados.

b) O governo não é ditatorial [do ponto de vista getuliano] porque não legisla no vazio, mas consulta as partes interessadas. O princípio castilhista que se exercia mediante a publicação das leis e a resposta do governante às críticas, sob Vargas, no plano nacional, assume esta forma: os técnicos elaboram as normas legais; os interessados são convidados a opinar; e o governo intervém para exercer função mediadora e impor uma diretriz, um rumo. Em vários níveis essa modalidade achava-se institucionalizada em Conselhos Técnicos, com a participação dos especialistas, dos interessados e do Governo. Além disto, a parte orçamentaria está submetida a controle idôneo (no castilhismo, da Assembléia, que só tinha essa função; sob Vargas, do Tribunal de Contas, prestigiado pela presença de notáveis).

c) Os esquemas corporativos (sindicatos profissionais, tutelados pelo Estado) foram adotados para a realização do lema comtiano da incorporação do proletariado à sociedade moderna. Mas acrescidos de dois intrumentos que lhes deram não só perenidade como eficácia: a Justiça do Trabalho e a Previdência Social. No terreno econômico, Vargas iria preferir a intervenção direta do Estado. A primeira usina siderúrgica não ficou nem em mãos do capital estrangeiro nem em poder de particulares, mas foi assumida diretamente pelo Estado. Essa intervenção, no regime castilhista, não deixava de ser mera retórica, a que Vargas daria efetividade.”.

Artigos anteriores:
O Estado Castilhista;

A II Geração Castilhista:

CLT é a Negação da Carta de Del Lavoro: