segunda-feira, 6 de novembro de 2023

A Conquista do Rio Grande do Norte Contra os Franceses (1597-99)

Tantos anos agitados e tão desesperada resistência patentearam a urgência de ocupar o Rio Grande onde os inimigos perenemente se refaziam apoiados nos potiguaras com quem comerciavam. Dali, saíam também a roubar os navios que iam e vinham de Portugal, tomando-lhes não só as fazendas mas as pessoas, e vendendo-as aos gentis para que as comessem. De lá sairam uma vez treze navios para tomar Cabedelo e o combate durara de uma sexta a uma segunda-feira. Em suas águas chegaram a se reunir vinte navios procedentes de França. Muitos franceses mestiçaram com as mulheres indígenas, muitos filhos de cunhãs se encontravam já de cabelo louro: ainda hoje resta um vestígio da ascendência e da persistência dos antigos rivais dos portugueses na cabeleira de gente encontrada naquela e nos vizinhos sertões de Paraíba e Ceará.

Informado el-Rey das cousas da Paraíba e que todo o dano lhe vinha do Rio Grande, querendo atalhar a tão grandes males, escreveu a Manuel Mascarenhas Homem, capitão-mor em Pernambuco, encomendando-lhe muito que logo fosse lá fazer uma fortaleza e povoação o que tudo fizesse com conselho e ajuda de Feliciano Coelho. A quem também escreveu e ao governador-geral D. Francisco de Sousa, que para isto lhe desse provisões e poderes necessários para gastar da sua real fazenda tudo o que lhe fosse necessário, como em efeito o governador lhe passou e lhe pôs logo tudo em execução com muita diligência e cuidado, 

A expedição ao Rio Grande, concebida pelo governador-geral do Brasil: Dom Francisco de Sousa, aparelhada de recursos abundantes, dirigida de Pernambuco por Manuel de Mascarenhas Homem, lugar-tenente do donatário, e Alexandre de Moura, que devia suceder no mando, repartiu-se por terra e por mar. 

Por terra com o capitão-mor Manuel Mascarenhas foram três companhias de gente de pé, de que eram capitães Jerônimo de Albuquerque (que virá a ser no futuro conquistador do Maranhão a que agrega ao seu nome), Jorge de Albuquerque, seu irmão, e Antônio Leitão Mirim, e uma de cavalo, que guiava Manuel Leitão. 

A armada, que veio de Pernambuco, era composta por seis navios e cinco caravelões, e esperava aportada na Paraíba, pela tropa de terra. Trazia por capitão-mor Francisco de Barros Rego, por almirante Antônio da Costa Valente, e por capitães dos outros navios João Pais Barreto, Francisco Camelo, Pero Lopes Camelo e Manuel da Costa Calheiros. 

Com a chegada das companhias por terra, em janeiro de 1598. O capitão-mor Manuel de Mascarenhas, tomou o comando da armada, a que se agregou Jerônimo de Albuquerque. E que Feliciano Coelho fosse por terra com os quatro capitães e companhias da gente de Pernambuco e com outra da Paraíba, do que ia por capitão Miguel Álvares Lobo, ao todo, 178 homens a pé e a cavalo, fora o nosso gentil, que eram das aldeias de Pernambuco: 90 flecheiros, e da Paraíba: 730, com seus principais que os guiavam: Braço-de-Peixe, Assento-de-Pássaro, Pedra-Verde, Mangue e o Cardo-Grande.  

Esse exército marchou para o Rio Grande a 17 de dezembro de 1597, indo as espias e corredores diante queimando algumas aldeias que os potiguares despejavam com medo, como confessaram alguns que foram tomados. A tropa de Feliciano Coelho foi acometido por uma peste de varíola, doença que chamavam de "bexiga", a ponto de morrer de 10 a 12 homens por dia. A que se viu forçado o governador Feliciano Coelho voltar à Paraíba para se curarem e os capitães se foram para Pernambuco com a sua gente que pôde andar, dizendo que cessando a doença tornariam, para seguirem a viagem, exceto o capitão Jerônimo de Albuquerque, que se embarcou em um caravelão e foi ter ao Rio Grande com seu capitão-mor Manuel de Mascarenhas, e na viagem teve vista de sete naus francesas que estavam no porto dos Búzios contratando com os potiguares, os quais, quando viram a armada, fugiram e a nossa não a seguiu por ser tarde e não perder a viagem. 

No dia seguinte pela manhã mandou Manuel Mascarenhas dois caravelões descobrir o rio, o qual descoberto e seguro, entrou a armada à tarde guiada pelos marinheiros dos caravelões que o tinham sondado. Ali desembarcaram e se entrincheiraram de varas de mangues para começarem a fazer o forte e se defenderem dos potiguares, que não tardaram muitos dias que não viessem uma madrugada infinitos, acompanhados de cinqüenta franceses, que haviam ficado das naus do porto dos Búzios, e outros que ali estavam casados com potiguaras. Os quais, rodeando a nossa cerca, feriram muitos dos nossos com pelouros e flechas que tiraram por entre as varas, entre os quais foi um o capitão Rui de Aveiro no pescoço com uma flecha e o seu sargento e outros, com o que não desmaiaram, antes, como elefantes à vista de sangue, mais se assanharam e se defenderam e ofenderam os inimigos tão animosamente que levantaram o cerco e se foram. 

Depois veio um índio chamado Surupiba pelo rio abaixo em uma jangada de juncos, com promessas de paz e de se entregarem. Porém, indo dois batéis nossos com vinte soldados, de que ia por cabo Bento da Rocha, a cortar uns mangues, estando metidos em uma enseada e começando a fazer a madeira, foram emboscados. Um dos batéis, o maior, descobriu o ardil e deu o alerta, para que embarcassem à pressa. E por um milagre conseguiram navegar por um canal, quando já era maré-baixa, e assim se salvar do cerco.  

Em poucos dias, os potiguaras, se apresentavam novamente para o combate. Mascarenhas não quis esperar, nem que chegassem a pôr-lhe cerco, antes os foi esperar ao caminho e, lançando uma manga por entre o mato, os entrou com tanto ânimo que fez fugir os da retaguarda, e seguiu os da vanguarda até o rio. E ainda a nado pela água os foram os nossos índios tabajaras matando, sem deixar algum com vida, amarando-se tanto nesta pescaria, que foi necessário irem os nossos batéis a buscá-los já fora da barra.

Os potiguaras continuaram com contínuos assaltos, e os nossos se encontrando em condições tão penosa, por muito pouco não teve o capitão que abandonar a construção do forte, se não houve-se chegado do reino Francisco Dias Paiva, amo do capitão-mor, que o criou, trazendo artilharia, munições, e outros provimentos para o forte que se fazia, dando assim esperanças que viessem socorro da Paraíba. 

Na Paraíba, Feliciano Coelho mandou recado aos capitães de Pernambuco e, vendo que não vinham, partiu da Paraíba com sua gente a este socorro a 30 de março de 1598, dispondo só de uma companhia de 24 homens de cavalo, e duas de pé, de trinta arcabuzeiros cada uma, das quais eram capitães Antônio de Valadares e Miguel Álvares Lobo, e 350 índios flecheiros com seus principais. Não acharam em todo o caminho se não aldeias despejadas e alguns espias, que os nossos também espiaram e tomaram, pelos quais se soube que uma légua do forte que se fazia estava uma aldeia grande e fortemente cercada, donde saíam a dar os assaltos nos nossos pelo que mandou o governador apressar o passo para que o pudesse tomar descuidados e contudo a achou despejada e capaz para se alojar o nosso arraial. 

Ali veio no dia seguinte Manuel de Mascarenhas para visitar Feliciano Coelho, e tratar sobre a condução da construção do forte, a que se avençou a cooperação da gente de Feliciano na construção, alternando com a de Mascarenhas e de gentios. Mas não deixaram por isto de reservar alguns que corressem o campo em companhia de alguns brancos filhos da terra, os quais foram dar em uma aldeia onde mataram mais de quatrocentos potiguares e cativaram oitenta, pelos quais souberam que estava muita gente junta, assim potiguares como franceses, em seis cercas muito fortes, para virem dar sobre os nossos e os matarem e, se já o não tinham feito, era porque adoeciam morriam muitos do mal das bexigas. 

Neste mesmo tempo que a obra do forte durava, chegou um barco da Paraíba com mantimentos, que mandava a Feliciano Coelho Pero Lopes Lobo, seu loco-tenente, e deu noticias o arrais que no porto dos Búzios estava surta uma nau francesa, lançando gente em terra. Ao qual acudiu logo Manuel Mascarenhas com toda a gente de cavalo que havia, e trinta soldados arcabuzeiros e muitos índios, e deu nas choupanas em que os potiguares estavam já comerciando com eles, onde mataram treze e cativaram sete e três franceses, porque os mais se embarcaram e fugiram no batel, e outros a nado. E, vendo o capitão-mor Manuel Mascarenhas que não tinha embarcações para poder cometer a nau, ordenou uma cilada, fingindo que era ido e deixando na praia um francês ferido para que o viessem tomar da nau no batel, como de feito vieram, mas os da cilada, tanto que viram desembarcado o primeiro, saíram tão desordenadamente que só este tomaram e os outros tornaram a nau e largando as velas se foram.

Parte da divisão terrestre, encabeçada por Feliciano Coelho, capitão-mor da Paraíba, venceu a resistência dos inimigos, mas dissolveu-se ante uma epidemia de bexigas. A praga passou também ao inimigo, e serviu para dar folgas a Manuel de Mascaranhas, aliás acometido mais de uma vez no forte que começara.

Em março, Feliciano Coelho outra vez marchou para o Rio Grande, depois de reunir as suas forças, reduzidas agora à metade pela doença e pela retirada do contigente de Pernambuco. Com este reforço, Manuel de Mascaranhas concluiu o forte dos Reis Magos, e entregou-o a Jerônimo de Albuquerque, nomeado para comandá-lo. À sua sombra se originou o que é hoje a cidade de Natal. Na volta, Mascaranhas e Coelho afastaram-se da costa e fizeram novas devastações entre a indiada do sertão.

Forte dos Três Reis Magos, Natal-RN, na embocadura do rio Potengi / Rio Grande. Construido no começo de 1609, e concluido em 1621. O forte erguido por Mascarenha Homem, entre 1597-99 era de pau e barro e por certo, se localizava na praia e não como o atual sobre os arrecifes. Com a invasão Holandesa foi renomeado como Castelo de Ceulen (Kasteel Keulen). 

Nas veias de Jerônimo de Albuquerque corria sangue tabajara de sua mãe, Maria do Arco-Verde, e disto não se envergonhava, antes o vemos em mais de uma conjuntura proclamando a sua extração. É patente em Jeronimo sua simpatia pelos normandos como se verá repetir no Maranhão, após vencê-los, para que permanecessem na terra. Oque sugere que sua mãe Maria-do-Arco verde fosse fruto dessas relações normando-tupis. Assim devia sorrir-lhe a idéia de conciliar os parentes, reduzidos aos últimos apuros por tantos trabalhos e tão continuada perseguição, e agora forçosamente abandonados pelo franceses. A um índio aprisionado, principal e feiticeiro, incumbiu esta missão, depois de bem instruí-lo no que devia dizer. O pensamento humanitário foi coroado do melhor êxito, graças sobretudo às mulheres que, informa um contemporâneo, enfadadas de andarem com o fato continuamente às costas, fugindo pelos matos sem poder gozar de suas casas, nem dos legumes que plantavam, traziam os maridos ameaçados que se haviam de ir para os brancos, porque antes queriam ser suas cativas que viver em tantos receios de contínuas guerras e rebates. Por ordem de Dom Francisco de Sousa as pazes foram juradas solenemente na Paraíba, a 15 de junho de 1599. Serviu de intérprete frei Bernardino das Neves, filho de João Tavares, escrivão de órfãos de Olinda. Deste ato resultou nascer e criar-se na amizade dos portugueses, Antônio Camarão, que virá a ser um dos heróis da luta contra Holanda.

A conquista do Rio Grande logrou afastar os franceses e desenganar os índios numa grande extensão de terreno; mas significava, mais que isto, o encurtamento da distância ao Maranhão e Amazonas. Desde os primeiros tempos do governador Diogo Botelho surge com força a ideia de consumar a obra, e trata-se de chegar às regiões onde a mão da natureza assentara os limites do país.


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