"Desejo apenas, antes de me afastar inteiramente da vida pública, deixar no Partido Trabalhista Brasileiro um componente novo, uma força de equilíbrio que atenda às aspirações dos trabalhadores e eleve a nossa cultura como a expressão doutrinária do socialismo brasileiro." – Getúlio Vargas.
Quando de seu “exílio”, em São
Borja, em uma entrevista concedida a Décio Freitas, Getúlio confessou não ter
lido muito Comte em sua juventude, mas sim Saint-Simon, seu verdadeiro mestre:
“Saint-Simon foi o meu filósofo. Na
minha juventude eu o li muito, exaustivamente. Mandei vir da França uma edição
completa das obras dos saint-simonianos, editadas em Paris, nos meados do
século passado. Não li todos os volumes, mas li muitos. Quem me influenciou foi
Saint-Simon, não Auguste Comte. Os que conhecem estes filósofos sabem das
diferenças marcantes entre eles.”
Saint-Simon |
Saint-Simon foi o filósofo
francês fundador do pensamento industrialista e que teve Auguste Comte, como
seu discípulo, quando secretário de Saint-Simon de 1817 à 1824. O socialismo
industrialista de Saint-Simon, foi a primeira vertente ideológica, de matiz intervencionista,
negadora do liberalismo. Com a proposta de sanar os efeitos maléficos do
capitalismo mediante uma interveniente administração pública.
Saint-Simon concebeu uma economia planejada que
regulasse o desenvolvimento nacional. Os industriais e os seus financiadores
seriam os missionários de um novo credo, pelo qual "as classes mais
numerosas e sofredoras" seriam incorporadas e protegidas pela sólida união
de Indústria e Governo. O excesso de exploração pelo capital, advindos do
egoísmo, seriam redimidos pela instituição de uma sociedade altruísta, termo cunhado então, para
designar um regime próspero e distributivo.
Um dos princípios liberais que
Comte julgava particularmente funesto pelo liberalismo, seria o de conceber os
processos de produção, circulação e consumo de mercadorias somente em função
dos interesses individuais. A absolutização do desejo de lucro, aceso
egoisticamente em cada agente da vida social, tende a gerar um estado de anomia
ou de violência desenfreada que tão-só uma prudente e enérgica administração
pública conseguiria evitar.
Estruturava assim um regime meritocrático, em que a
recompensa do mérito iria para os fortes; a assistência benévola, para os
fracos. Chegando ao ponto de abolir o instituto da herança, um dos maiores
óbices criados ao progresso por manter privilégios individuais em detrimento da
solidariedade social. Nascia, deste modo, o ideal reformista do
Estado-Providência: um vasto e organizado aparelho público que ao mesmo tempo
estimula a produção e corrige as desigualdades do mercado.
Getúlio quando estudande de
direito, dissertando sobre a questão da propriedade, citando Comte, critica a
fórmula do Laissez Faire, que não passa
de uma confissão de impotência frente aos problemas sociais. Registra, que o
Estado:
“Deve proteger ou antes facilitar, a
tendência associativa e as sociedades cooperativas dos operários para
resistirem ao capital. Deve, porém, ser o garantidor da liberdade individual e
nunca julgá-la no círculo de ferro de uma disciplina rigorosa”.
Critica aos que não entendem as
verdadeiras necessidades da nação. A indústria (no sentido da manufatura e no
sentido amplo de tudo aquilo que é produzido) é a maior riqueza de um país,
diria Saint-Simon:
“Os
capitais e a indústria, eis aí os órgãos naturais da criação das riquezas; um
povo que as possui necessariamente enriquecerá, um povo que não as tem
continuará necessariamente pobre”.
Na França de Napoleão quase todos os empresários que
lograram exercer uma influência econômica duradoura pertenciam a um grupo bem
definido: não eram bonapartistas, mas "socialistas" san-simonianos.
Saint-Simon ficou entusiasmado
com a ascensão de Napoleão Bonaparte (1769-1821) ao poder, em 1804, como
Imperador, e com a sua decisão de governar alicerçado em Conselhos Técnicos,
dispensando a opinião dos políticos.
Saint-Simon imaginava ser o
pensador da nova ordem, o seu cientista. Getúlio claramente abraçou esse postulado.
Eis o fragmento de um discurso, alguns meses após a Revolução de 30:
“A época é das assembléias
especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado
puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considerálo,
atualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a
significação.” – Getúlio Vargas, em 04-05-1931.
Getúlio conseguiu substituir a representação política
pelos conselhos técnicos integrados à administração.
Francisco Martins de Sousa, ao concluir a sua análise
do corporativismo vigente no Estado Novo, destacou, de forma clara, a
fidelidade de Vargas ao castilhismo, nos seguintes termos: “Em síntese, pode-se
apontar a fidelidade de Vargas ao castilhismo nestes aspectos:
a) O governo é uma questão técnica, é um problema de competência (o poder
vem do saber e não de Deus ou da representação). A tarefa legislativa não pode
ser delegada aos parlamentos, mas a órgãos técnicos.
b) O governo não é ditatorial porque não legisla no vazio, mas consulta as
partes interessadas. O princípio castilhista que se exercia mediante a
publicação das leis e a resposta do governante às críticas, sob Vargas, no
plano nacional, assume esta forma: os técnicos elaboram as normas legais; os
interessados são convidados a opinar; e o governo intervém para exercer função
mediadora e impor uma diretriz, um rumo. Em vários níveis essa modalidade
achava-se institucionalizada em Conselhos Técnicos, com a participação dos
especialistas, dos interessados e do Governo.
O ponto nevrálgico da estratégia de Getúlio seria a
redução dos problemas políticos a questões técnicas. E foi o Conselho Federal
de Comércio Exterior que assessorava Getúlio, que o levou à solução
intervencionista do problema do aço, com a criação da CSN sob forma de Empresa
Pública diretamente vinculada e gerida pelo Estado. Esse conselho, tinha formação
baseada nas idéias difundidas na Escola Politécnica por Aarão Reis (1853-1936),
com uma visão bastante ampla da intervenção do Estado na economia.
“A Democracia econõmica não se pode organizar sem o prévio planejamento. Este
é que se tem de realizar. Não para economia da coletividade ser desfrutada por
meia dúzia de privilegiados. Esse planejamento econômico é que coloca a
produção subordinada aos interesses da comunidade e não das minorias. Por
conseguinte, nós todos devemos nos empenhar em trabalhar para isso, para a organização
dessa democracia planificada, a fim de que ela constitua a defesa dos
trabalhadores. É nessa democracia que me alisto convosco, para conseguirmos
realizar o engrandecimento do Brasil e a prosperidade de todos os brasileiros.”
– Getúlio Vargas.
Além de Saint-Simon, Getúlio foi profícuo leitor da
obra de Friedriech List, autor do “Sistema Nacional de Economia Política”. List,
converteu o discurso empresarial de Saint-Simon na linguagem de um poder
público centralizador de que Bismarck seria o paladino. O caminho alemão passou
pelo protecionismo oficial à indústria com Guilherme II. Foi nessa Prússia moderna
e autoritária que se adotou, pela primeira vez, o termo: Estado de bem estar, Wohl-fahrsstat.
Os exemplos da França e da
Alemanha ilustram a tese: de que o desenvolvimento técnico e econômico das
nações européias não foi um subproduto automático da Revolução Industrial, e
sim de fatores ideológicos e, em senso lato,
culturais. Isso é ainda mais claro no caso do Brasil. Independente em 1822,
portanto, um Estado-Nacional ainda mais antigo do que a Itália e a Alemanha,
com um território vasto e já unificado, não há ao longo de todo meio século de
Império, nenhuma iniciativa de desenvolvimento industrial do país, por carência de uma ideologia industrial que a mobilize, e que só
despertará para tal empreendimento, com o pensamento industrial dos
republicanos. E é com a ação de Getúlio, movido por essa ideologia
industrial-socialista que a industrialização brasileira se concretizará, ainda
que tardia.
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