O Arrasamento das Missões (1631-32)
Os brasileiros, desprovidos de tudo, enfrentaram tribos ainda em pleno vigor, outras admiravelmente organizadas pelos jesuítas, em aglomerações como as de Guaíra contando 200.000 almas.
Um dos poucos espanhóis desbravadores do sertão no Prata, Irala, tinha levado a sua gente até o alto Uruguai, Paraguai, Paraná. Pois, veio mais população espanhola, na ambição por ouro, e resultou fundarem, sucessivamente, três povoações: Oitiveros, Ciudad Real e Vila Rica. Mas, dado o regime da colonização castelhana, isolaram-se esses pueblos no Paraná, degradaram-se em barbárie, por esse mesmo isolamento, e houve que entregar a obra de civilização dos sertões, com o respectivo gentio, aos jesuítas, estabelecendo suas reduções no que é hoje o oeste do Paraná.
O propósito das reduções jesuíticas era manter as tribos, e os territórios, contra a atividade dos paulistas. Nem por isso, evitaram o aniquilamento de Guairá, incluso, as povoações civis, também destruídas. Os espanhóis fizeram a primeira Missão, de Loreto, e não tardou formarem-se outras, como a de São Ignácio-Guaçu. Em breve, havia para mais de 120.000 guaranis aldeados, e com eles, as respectivas possessões avançaram até o coração do continente, a entestar com os redutos brasileiros. A energia de expansão do paulista não o permitiu, e o domínio castelhano foi extirpado, dali, até às raízes.
E foi assim que todo o alto Paraná se incorporou ao Brasil. Bandeirantes homens, diante de quem, apesar de quantas ferezas e crimes lhes sejam imputados, um historiador inglês, não se contém, e transborda de admiração, em longos elogios. Para quem, não terá havido, pela América, mais bravura, e patriotismo, e intrepidez: “Homens de indômita coragem, e a toda prova para os sofrimentos. Eram os paulistas incansáveis nas suas explorações... Uma raça de homens mais ousados, ainda, que os primeiros conquistadores. Ao passo que extinta era nos espanhóis do Paraguai toda atividade e empresa”.
A Expedição de Pedro Teixeira à Quito (1637–39):
Quando o acaso despejou Orellana e os seus no Amazonas, cujas vagas em declive o levaram até o oceano. Ainda não era conhecido o alto Amazonas, quando outro acaso arrastou, também águas abaixo, de Napo até o Pará, os dois leigos franciscanos, André de Toledo e Domingos de Brieba. Era no tempo dos Filipes, e Castela podia, sem mais objeções, assentar-se comodamente por todo o vale do Amazonas. Para o Brasil, a tarefa se apresentava bem mais difícil; não bastava ser arrastado pela corrente do rio-mar para percorrê-lo; era preciso o esforço de subir, não, francamente, como o faziam os franceses do São Lourenço, mas devendo disputar o passo a ingleses e holandeses. E tudo se fez.
O governo de Lisboa deu o comando da expedição ao reinol Pedro Teixeira com os proventos e as glórias de subir o Amazonas até Quito. O mesmo Pedro Teixeira que anos antes destruiu os fortes holandeses no Xingu (1625) e na confluência do Maracapucu e o Amazonas (1628). E ele subiu... porque teve dois pilotos brasileiros a guiá-lo, o pernambucano Pedro da Costa Favela e o fluminense Bento Rodrigues da Costa. Foi este quem, bem explicitamente, seguiu adiante, mostrando o caminho, fazendo as relações com as tribos.
A Conquista do Amazonas
Quando os batavos pretenderam ficar no Amazonas, eram as Províncias Unidas a nação mais poderosa do mundo. De certo momento em diante, senhores de Pernambuco, tinham os holandeses facilidades especiais, como não havia para os outros. Assim se explica terem se demorado mais tempo naquele Norte do que os ingleses, e mantido por ali um comércio mais seguido do que o de qualquer outro povo. Diz, no tempo, o padre Antônio Vieira que, que só para o transporte de peixe-boi, eles mandavam 20 navios, por ano, às costas do Pará.
Durante o governo de Caldeira Castelo Branco, Bento Maciel, dirige um ataque contra os fortes holandeses de Gurupá, que foram tomados, apesar de defendidos por uma forte guarnição de 300 europeus. Foi essa primeira grande derrota deles, ali. Na mesma ocasião, destruíram-se engenhos de açúcar que lhes pertenciam, e que demonstrava o intuito de fazerem colonização estável. Depois virá Luiz Aranha, orientado por pilotos brasileiros de Pernambuco e Maranhão, e relata: “... fiz pazes... grande número de gentio. E o persuadi que me acompanhasse com as suas canoas e armas e com ele rendi e tomei duas fortalezas holandesas que naquele grã-rio tinham situadas, uma chamada Matutu. E outra de Nassau cativando-os a todos... assim botei uma nau a fundo”. Conta Frei Vicente do Salvador que, num desses ataques de Luiz Aranha, Bento Maciel teve que vir em quatro canoas, “ao socorro da caravela em que Aranha atacava ao holandês; a gente de Bento Maciel atacando a nau flamenga a machado, abriram-lhe o costado e a fizeram ir a pique, matando a ferro e fogo a tripulação de cento e vinte homens”. Dois a três anos depois, sucede os feitos de Pedro Teixeira no Xingu (1625), matando a maior parte das respectivas guarnições. Os poucos que escaparam, sob a conduta do tenente Bruine, vieram trazer a triste noticia ao Almirante Lucifer, que se achava no Oiapoque, aonde, como representante da Companhia batava das Índias Ocidentais, tratava de levantar um forte. Para depois em 1628, tomar e desmantelar o forte holandês levantado na confluência do Maracapucu e o Amazonas.
Os holandeses insistem e, em 1629, Bento Maciel os bate de novo, e lhes toma fortificações. Não desanimam ainda: em 1639, mandam um navio de 20 canhões, em operações cb~tht Gurupá, navio que foi tomado por Cáceres. Gurupá era ponto vivamente procurado. Não conseguiram tomá-lo, mas insistiram: só num ano — 1647, mandaram ali 8 navios fazer resgates. Durante todo esse tempo, oies, assim como os franceses, tiveram o apoio efetivo dos nhecngafbas, numeroso e valente gentio de Marajó. Note-se, agora: tudo isto se fazia sem os necessários auxílios da metrópole. Em 1624, o pernambucano Antônio Barreiros, capitão-mor do Maranhão, dizia ao rei: “... tive do governador de Pernambuco Matias de Albuquerque um aviso da parte de V. Maj. de inimigos e como me vejo sem socorro algum de pólvora, ou munições, para defesa desta tão desfavorecida conquista...”. Nem o pobre Matias podia mandar o que ele mesmo não tinha, que os sucessos de cinco anos depois bem demonstraram o abandono do próprio Pernambuco, a jóia do Brasil de então.
De toda essa freqüência de estrangeiros no Amazonas, resultou ficarem estabelecidos no Pará, com a colônia aí feita: “50 ingleses, franceses e irlandeses, alguns deles casados e antigos moradores de Lucena, gente. muito prejudicial e nociva... aliados com esse corsário ubrandogos, e seu filho”. O corsário é o mesmo chamado, por outros, de Andregus e Raldregues, e que aparece como a alma dos tratos que o invasor ainda mantém na terra; é aprisionado, assim como o filho, e desterrados para as terras do Itapicuni. Tais estranhos são nocivos porque “não convém que vão para a Holanda nem Europa, por serem muito práticos e grandes línguas de gentio...”.
Tais façanhas, não teriam garantido para o Brasil aqueles remotos sertões se os Paulistas, que já dominavam todo o centro-oeste, não viessem de lá com as suas conquistas, até as terras amazônicas, consolidando com seu valioso prestígio o domínio brasileiro.
Em 1662, o Tocantins já era perfeitamente conhecido deles, e livremente percorrido pela bandeira de Paschoal Paes de Araújo, o mesmo que fez recuar o comandante português Mota Falcão, mandado contra ele com uma forte expedição de tropas regulares, a título de proteger os índios guajurus. Nos seus dias, já Manuel Correia percorrera o Araguaia, subindo até o pequeno afluente Araiés, onde, em 1670, descobriu minas que, por longínquas, não puderam ser desde logo exploradas. No ano precedente, os bandeirantes Gonçalo Paes e Manuel Brandão repetiram a façanha de Pascoal Paes, em sentido inverso – subindo o Tocantins até o Araguaia. Oito anos depois, o brasileiro Amaro Leite chegou com a sua expedição ao rio afluente que tomou o nome de Rio das Mortes, devido à grande mortandade produzida pelas febres. Outros pretendem que a denominação provém do terrível massacre praticado pelos índios carajás e araiés sobre os companheiros.
Em abril de 1674, uma Carta Régia de Lisboa tem de gritar, sobre a extensão do continente: “Cabo da tropa da gente de São Paulo que vos achais nas cabeceiras do rio Tocantins e Grão-Pará: eu vos envio muito saudar!...”.
O Estabelecimento da Rota Fluvial Prata-Amazonas:
Em 1650 sob ordens secretas de D. João IV, o bahiano Antônio Pereira de Azevedo, que já havia em 1648 destruido uma Missão castelhana no Itatin, foi designado junto com Raposo Tavares, para chefiar uma numerosa bandeira que partiu de São Paulo seguindo os rios Tietê, Paraná e Paraguai, indo para o oeste até os altiplanos bolivianos onde nasce o rio Mamoré, afluente do Amazonas, seguindo o rio Madeira, depois o Amazonas até chegar a Gurupá (PA), na sua foz. Foi oque deu ensejo, posteriormente, para a formação de uma grande bandeira fluvial comandada pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta, que partiu de Belém em 1722 com a incumbência de fazer um minucioso levantamento sobre todo o curso do rio Madeira, seus habitantes, atividades econômicas dos colonos, dos padres lusitanos e dos concorrentes estrangeiros, já que a coleta e comercialização das drogas do sertão amazônico eram bastante rendosas. Assim era desbravada a rota fluvial Guaporé-Mamoré-Madeira-Amazonas que ligava Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), centro aurífero no vale do Guaporé a Belém - PA, e daí para Lisboa.
O mesmo Palheta participaria de uma expedição em 1727 para a região conflagrada do Cabo do Norte (Amapá), quando trouxe de Caiena as primeiras mudas de café para o Brasil e que constituíram no principal produto de um importante ciclo econômico.
Para o sul!
O ministro Lopo de Saldanha, português, quando procura o remédio possível para a mísera situação do sul, manda que recorram aos paulistas “que com o só provimento de pólvora e chumbo, têm penetrado e descoberto a maior parte do Brasil”. O ministro evocava uma tradição viva: bastou que se falasse na ida de paulistas para ali, e a onda de tapes e castelhanos estremeceu.
Em 1680 o governador do Rio de Janeiro Manoel Lobo, ordenou que erguesse uma fortaleza, diante de Buenos Aires. A fortaleza de Colônia do Sacramento, que visava assegurar o domínio da riba setentrional do Prata, fixando a fronteira natural do Brasil (omitia praeclara).
Esses esforços luso-brasileiros, era o coroamento das incurções bandeirantes para o sul, empreendidas, desde pelo menos 1636. Em 1638, após o arrasamento das Missões do Tape por Antônio Raposo Tavares, uma poderosa bandeira avançou pela margem direita do Rio Uruguai. Três anos depois, em 1641, uma outra incursão bandeirante, composta por 400 paulistas e cerca de 2000 tupis comandada por Manoel Pires, genro de Antônio Raposo Tavares, desciam o Mbororé, afluente do rio Uruguai.
quem deu a Portugal o faro daquele Sul foi um Paulista, o grande Fernão Paes Leme: os castelhanos e os seus índios adiantaram-se até onde os paulistas consideravam do Brasil, e o bandeirante, “descendo da cidade de São Paulo com muitos naturais intrépidos e esforçados, os quais, apresentando batalhas aos castelhanos e seus confederados, por várias vezes lhes fizeram viva guerra. Constrangidos do ferro, e temido da mortandade, desalojaram de muitas aldeias, e se retiraram para os seus domínios perseguidos, fugindo maltratados”.
Se pretendia, ainda, implantar mais duas colônias, uma no local onde os espanhóis ergueriam Montevideo - o que já, em 1723, chegaram a intentar - e outra no Cabo Negro, afim de estabelecer conexões permanentes entre os povoados, concretizando a velha aspiração lusitana de dominar o estuário do Rio da Prata.
Bastava que o Estado português aproveitasse essa tradição, em vez de entregar o caso às suas tropas degradadas, e o Brasil estaria onde o quiseram levar depois. Finalmente, salvou-se a parte onde se imprimiu o traço dos bandeirantes. Em 1703, o paulista Domingos da Figueira fez a viagem até o Colônia do Sacramento, e consignou-a em roteiro completo, com todas as indicações e descrições subsidiárias. Aí, já ele assinala – que em St. Marta há povoamento e criação de gado, pelo brasileiro Domingos de Brito. Capistrano, em comentário, referindo-se a esse roteiro, nota: “Os paulistas poderiam ser encarregados de fazer um caminho menos longo e menos exposto ao inimigo do que o usado até então. O interesse, porém, visava a outro ponto e resumia-se todo nos lucros auferidos do contrabando com os espanhóis.
Ao passo que os representantes do Estado português inutilizavam a tentativa, e estragavam a mesma posse militar, os Cosme da Silveira e Antonio de Souza estabeleciam as primeiras fazendas de criação, nos campos de Viamão e Capivari (1717). Pouco depois, com os outros Paulistas, abria-se a estrada ainda hoje seguida pelas tropas – de São Paulo ao Rio Grande. Anos depois, quando foi preciso salvar, ali, a tradição brasileira, vigorosamente combatida por Ceballos, valeram especialmente os destemidos esforços dos Paulistas – fundando e mantendo a colônia de Iguatemi, explorando e garantindo a posse dos campos de Guarapuava, ao mesmo tempo que cortavam todo aquele Sul de estradas, por onde pudessem acudir prontamente, em boa estratégia, os reforços militares necessários.
Num dos piores momentos dessa campanha, chegou a combater um exército de Paulistas que acorreram para libertar a Colônia do Sacramento, cercada e ameaçada pelos castelhanos de Buenos Aires.
Descoberta do Ouro em Mato Grosso (1690) – As Monções:
Reflita-se: embora já sistematizado a rota para as minas de Cuiabá, desde 1650, todo o caminho se fazia, ainda, de São Paulo até lá, tendo, como escalas, seis ou sete casais de roceiros, nos intervalos de dezenas e dezenas de léguas de natureza crua, apenas percorrida pelos sertanistas e tribos Inimigas.
Em 1797, relatava, o sargento-mor de engenheiros, Ricardo de Almeida Serra: "A viagem que se faz de São Paulo a Cuiabá, é pelos rios Tietê, Paraná, Pardo Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, Porrudos e Cuiabá, descem do uns e subindo outros, nos quais se passam mais de 10 cachoeiras... 600 léguas de navegação, em que se gastam seis meses”. Faltou mencionar: que as longas e ásperas léguas se faziam tendo o gentio inimigo ao lado, ou pelas costas, a alvejar do mato, os viajantes, que não tinham melhor garantia, nem outro resguardo além da impávida valentia.
Em Socorro do Brasil!
Antes do descobrimento das minas havia mais de cem famílias paulistas entregues à criação de gado nas cabeceiras do rio São Francisco, de onde se irradiará aquele núcleo, subindo o São Francisco para se entroncar com sesmeiros da Casa da Torre.
A Bahia era então o centro político-administrativo do Brasil. São Paulo emergia como base do bandeirismo e expansão territorial. Desse modo, muitos filhos de famílias nobres baianas se casaram com paulistas para ampliar terras no interior, tomando parte nas expedições (entradas). Quase todas familias tradicionais paulistas tem laços de sangue com famílias bahianas advindas desse período.
Lembremo-nos dos termos em que o paulista Domingos Jorge, desbravador do Piauí, ali se encontra, nos afastados sertões, com o explorador pernambucano Domingos Sertão. Quando os dois valentes se confraternizam para completar a conquista do território, que não será somente para eles, mas, sobretudo, para o Brasil, em que se identificam.
Ameaçada a Baía pelos gueréns (1668), vêm os terços de Paulistas a defender a civilização que já era brasileira, contra a fúria selvagem. É uma das mais violentas investidas dos aimorés. Barbosa Calheiros, Paulista de estirpe, apesar de todo o seu valor, sucumbe numa das primeiras refregas. Vem outro paulista substituí-lo, esse João Amaro, que Southey chama famoso caudilho. Então, comentando o caso, o historiador inglês acentua: o que distingue o Brasil é, “... não ter havido mesquinhas considerações de interesses privados ou locais, que obstassem a dar-se a esse paulista a inteira direção da empresa”. E tão conscienciosamente se desempenhou da sua tarefa, continua o historiador, que durante meio século não se ouviu falar de índios levantados. A grande sesmaria de terras, e outros favores, com que o recompensam, não o prendem: João Amaro volta a sua atividade de bandeirante; mas a sua passagem fica assinalada na povoação fundada pelos seus paulistas, e que é hoje, a cidade de Santo Amaro-BA.
Mais tarde, para resolver o caso dos palmarinos, de novo apelaram para o valor guerreiro dos paulistas. Fez-se um verdadeiro tratado, com o bandeirante Domingos Jorge Velho, que, à frente de mil dos seus conterrâneos, marchou do sertão do Piancó, na Baía, a Garanhuns, em Pernambuco, e, aí, em combinação com as forças do valente pernambucano Bernardo Vieira de Melo, conseguiu dar o grande golpe nos negros aldeados. Desta segunda passagem de paulistas, restam as povoações de São Caetano, Anadia e Atalaia nas Alagoas, fundadas pelos soldados de Jorge Velho, nas sesmarias que lhes foram doadas.
Houve um momento em que lhes foi dado lutarem até nas terras do Amazonas: o Paulista Paschoal Paes, foi quem resolveu, para eles, o caso das tribos hostis de entre Tocantins e Amazonas, assim como regularizou o tráfico fluvial entre Goiás e Pará.
A Solidariedade Nacional
Desde que existiu, o Brasil foi uma pátria, solidária em sentimentos e em ação. E tanto é assim que a metrópole conta sempre com esta solidariedade das gentes, e recomendava explicitamente aos seus representantes: “Tanta obrigação tem o governador de uma capitania de defendê-la, como de mandar as forças dela ao socorro de qualquer outra que precisar do seu auxílio; sendo certo de que nesta recíproca união consiste essencialmente a maior força de um Estado”.
Não há rivalidades que estorvem. Quando o holandês ataca a Bahia, e é preciso defendê-la, o então governador Furtado de Mendonça, desavindo com o Bispo, aceita a intervenção de Simão da Guerra, e fazem-se pazes. Antes de tudo, não passara, o caso, de discussões e contendas mansas – “Estas são as guerras civis da terra”, comenta, sem malícia, a sinceridade de Frei Vicente, o mesmo que tanto se horroriza do facciosismo espanhol que deviam cooperar na Paraíba.
Sem essa tradição, o povo da Bahia não se teria amotinado, reclamando que viessem socorros para amparar o Rio de Janeiro, atacado por Duguay-Trouin, mal defendido pela covardia do reinol Castro Moraes. Em outros transes, no momento em que foi preciso, milícias locais, de Pernambuco e Bahia, vieram em socorro a Colônia do Sacramento ao sul.
“Dê mão aos nossos, que lá estão... ainda que não seja um subordinado, e não haja obrigação legal... ”. Dizia-se aos que se dirigiam para as conquistas no Pará. Nesse espírito de solidariedade se fez a tradição brasileira. De um extremo ao outro, os brasileiros se sentem possuídos de um dever patriótico. Com esse espírito de solidariedade nacional, descortinam-se interesses políticos superiores, a que se subordinam ambições e zelos pessoais. Há personalidades fortes, que dominam sucessos e conduzem destinos; mas quando os motivos puramente individuais se chocam com tais interesses, é o proveito geral que prevalece.
No Maranhão, Jerônimo Albuquerque sopita o impulso de enfrentar e corrigir a insolencia do reinol Castelo Branco; o valente contém a espada, cujo valor deve ser para bater o inimigo comum. Naquele Pará, cuja selvageria ambiente parecia ter envenenado a alma do colono, desencadeiam-se as ambições, e a maldade se impõe, muitas vezes. Agitam-se ambições e ódios; mas, no momento de deflagarem-se em luta aberta, os de valor feroz, como Bento Maciel, os intrépidos capitães que são Fragoso, Antonio de Albuquerque, Souza d’Eça... contêm-se, e evitam a guerra civil, nos mesmos motivos patrióticos por que enfrentaram e venceram franceses, holandeses e ingleses. Enquanto isto, o historiador argentino Mejía, é obrigado a reconhecer que – “o mais cruel inimigo do Prata era o Peru”.
O Brasil, tão bem unificado em sentimento patriótico, tais qualidades de destaque não são exclusivas, nessa, ou naquela província, as qualidades dos paulistas estendiam-se a outros brasileiros: “Pernambucanos e paraenses eram igualmente intrépidos em dominar territórios”.
Não se conhecem, nos dois primeiros séculos de formação do Brasil, nem guerras civis, nem lutas de facção. O pior período, nos tateios da organização, quando vivem os homens na prática constante da guerra, cordialmente unidos, lutando, apenas, contra o estrangeiro, se passa numa relativa paz interna. Somente quando a metrópole bragantina, degradada em "sanguessuga de tributos", impôs monopólios lesivos através de companhias de comércio, é que surgiram as primeiras fraturas. É quando os Braganças separam as populações com as garantias feitas ao reinol insolente e ganancioso, incapaz de qualquer atividade que não seja a rapina mercantil. Os levantes de Maneta, Beckman (1648) e Filipe dos Santos (1720) não expressavam divisões regionais, mas reação contra a "espoliação tenaz, implacável" da metrópole. Os conflitos posteriores — Emboabas (1708-09), Mascates (1710-11), Inconfidência (1789) — foram de caráter econômico, reflexo de um povo que, já organizado e produtivo, reluta em deixar-se roubar. Essa foi a chaga colonial cujas sequelas ainda perduram.
O Império Brasileiro - 1ª Parte: Da Conquista à Reconquista e à Nobreza da Terra.
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Calúnias e Difamações contra os Bandeirantes
A Revolução Acreana - Uma Guerra Anti-Imperialista no Coração da Amazônia
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