quarta-feira, 5 de maio de 2010

A III Geração Castilhista - Estado Novo.

"A época é das assembléias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considerálo, atualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a significação." - Getúlio Vargas. Discurso em 4-5-1931.



A Segunda Geração Castilhista teve sucesso no seu projeto de tecnificação do Estado. Getúlio conseguiu substituir a representação política pelos conselhos técnicos integrados à administração. A problemática do governo representativo ficava reduzida à questão das eleições, de acordo, aliás, com a interpretação que foi cunhada por Júlio de Castilhos e seus seguidores. Indefinida a questão do governo representativo e do papel a ser desempenhado pelo Congresso na vida política do país, as medidas adotadas para “a restauração das normas da democracia” seriam facilmente assimiláveis pelo processo centralizador instaurado. O ponto nevrálgico da estratégia de Getúlio seria a redução dos problemas políticos a questões técnicas.

Vargas, com a adoção desse esquema, conseguiu fazer de seu governo um centro aglutinador. Enquanto as reivindicações eram levantadas apenas para criar a possibilidade de acesso ao poder do agrupamento que delas se apropriava, o governo adotava uma atitude construtiva, cuidando de encaminhá-las e solucioná-las. Ao longo da década de trinta criam-se, portanto, dois processos de exercício do poder. O primeiro, que dava seguimento ao clima que propiciou a Revolução, nutria-se de assembléias, manifestações, plataformas e, depois, de debates na Assembléia Constituinte, logo substituída pelo legislativo restaurado. A rigor, tratava-se de um novo simulacro de representação, porquanto até mesmo a discussão desse tema assumiria uma conotação técnica.

Três seriam, os teóricos principais da terceira etapa: no plano das idéias políticas, como porta-voz da concepção de Estado que animava ao Presidente Vargas, Almir de Andrade, quem foi nomeado por Getúlio diretor da Revista Cultura Política (1941-1945). No terreno da sociologia política, como inspirador da elite militar que daria apoio ao processo estatizante getuliano, o fluminense Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951). Do ponto de vista jurídico, o ministro da Justiça do governo getuliano, o mineiro Francisco Campos (1891-1968). Todos estranhos a doutrina castilhista, no entanto, Vargas tratou de cooptar oque era aproveitável desses teóricos, compatibilizando ao ideal castilhista.

Almir de Andrade a frente da revista Cultura Política, agiria como fórum em que se debatiam as propostas surgidas dos diferentes agrupamentos políticos na tentativa de obtenção do consenso político, num esforço que levasse em consideração as diferentes correntes políticas suscetíveis de serem cooptadas pelo Estado Novo. Essa hipótese implicaria a disposição dos castilhistas (Getúlio à frente) de ouvir a argumentação das outras correntes. A verdade é que em Cultura Política quem menos aparece são os castilhistas, em decorrência do esvaziamento sofrido pelo grupo que integrou a Segunda Geração, com a saída do governo, em 1932, de importantes gaúchos que acompanharam Getúlio na Revolução de 30 (Lindolfo Collor e João Neves da Fontoura, entre outros). A variedade de posições na Cultura Política testemunha, de um lado, que o Estado getuliano não pretendeu, em momento algum, ensejar um processo totalitário.

As posições de Oliveira Viana não se distanciava da avaliação que os próprios castilhistas faziam do regime iniciado por Castilhos, centrado ao redor da compreensão do conceito de bem público como a estabilidade do Estado, o exercício da tutela moralizadora sobre a sociedade, a continuidade administrativa e um conservadorismo que levava a impedir, a qualquer preço, mudanças revolucionárias, e conduzia a torná-las, melhor, reformas efetivadas pelo Estado. Assim, os acirrados regionalismos e a oligarquia tradicional ensejados pela República Velha, só seriam superáveis através de novo processo centralizador e racionalizador da economia e da iniciativa política, como o acontecido na consolidação do Império.

A proposta corporativista de Francisco Campos foi descartada pelo getulismo, em virtude dos elementos não modernizadores que implicava. A idéia de Campos de que “O Estado assiste e superintende mediante o Conselho de Economia Nacional, de feição corporativa], só intervindo para assegurar os interesses da Nação, impedindo o predomínio de um determinado setor da produção, em detrimento dos demais”, implicava, no terreno econômico, uma perda de forças do Estado empresário e centralizador da tradição castilhista.

Para Vargas era inaceitável a idéia de um Estado patrimonial modernizador, que entregasse às corporações o aspecto fundamental da administração da economia. Isso equivaleria, no mínimo, a um retrocesso que fortaleceria de novo a ascensão dos interesses particularistas.

O Estado getuliano deglutiria, no entanto, a idéia corporativista, libertando-a do vezo romântico presente na proposta de uma economia administrada organicamente pela Nação, e inserindo-a no contexto do Poder central forte e modernizador. O modelo sindical que se consolidou ao ensejo da legislação trabalhista assumiu essa idéia, fazendo dos sindicatos peças da engrenagem controlada pelo Estado. Parte importante desse esforço de reinterpretação no contexto do Estado intervencionista e modernizador.

De outro lado, o Estado getuliano encampou, também, a preocupação de Francisco Campos em prol da educação das massas, inserindo-a no contexto castilhista (e positivista) da incorporação do proletariado à sociedade, que tinha, aliás, inspirado a criação do Ministério de Educação e Saúde Pública em 1930. Para Getúlio, não se tratava já de educar as massas para que pudessem, através das corporações, competir com o Estado na administração da economia. Tratava-se, sim, de preparar os quadros técnicos, bem como os operários necessários à modernização da economia do país.

Longe de mitigar a idéia de o Estado intervencionista se tornar empresário, Getúlio insistiu nela para fazer surgir a indústria siderúrgica, base do ulterior processo de modernização da economia. Essa proposta, aliás, constava já da Plataforma da Aliança Liberal. Para se impor à maré privatista herdada da República Velha, só restava a Getúlio reviver a tradição castilhista, segundo a qual a racionalização da economia só seria possível num contexto de forte intervenção do Estado na economia, tornando-se ele próprio empresário.

O pensamento estadonovista foi, portanto, mais castilhista do que qualquer outra coisa. Francisco Martins de Sousa, ao concluir a sua análise do corporativismo vigente no Estado Novo, destacou, de forma clara, a fidelidade de Vargas ao castilhismo, nos seguintes termos: “Em síntese, pode-se apontar a fidelidade de Vargas ao castilhismo nestes aspectos:

a) O governo é uma questão técnica, é um problema de competência (o poder vem do saber e não de Deus ou da representação). A tarefa legislativa não pode ser delegada aos parlamentos, mas a órgãos técnicos. Preferiu estes ao arcabouço imaginado por Francisco Campos. Além disto, pode-se dizer que universalizou essa praxe de elaboração legislativa, mantendo-a no nível da Presidência e dos Ministérios e estendendo-a aos Estados.

b) O governo não é ditatorial [do ponto de vista getuliano] porque não legisla no vazio, mas consulta as partes interessadas. O princípio castilhista que se exercia mediante a publicação das leis e a resposta do governante às críticas, sob Vargas, no plano nacional, assume esta forma: os técnicos elaboram as normas legais; os interessados são convidados a opinar; e o governo intervém para exercer função mediadora e impor uma diretriz, um rumo. Em vários níveis essa modalidade achava-se institucionalizada em Conselhos Técnicos, com a participação dos especialistas, dos interessados e do Governo. Além disto, a parte orçamentaria está submetida a controle idôneo (no castilhismo, da Assembléia, que só tinha essa função; sob Vargas, do Tribunal de Contas, prestigiado pela presença de notáveis).

c) Os esquemas corporativos (sindicatos profissionais, tutelados pelo Estado) foram adotados para a realização do lema comtiano da incorporação do proletariado à sociedade moderna. Mas acrescidos de dois intrumentos que lhes deram não só perenidade como eficácia: a Justiça do Trabalho e a Previdência Social. No terreno econômico, Vargas iria preferir a intervenção direta do Estado. A primeira usina siderúrgica não ficou nem em mãos do capital estrangeiro nem em poder de particulares, mas foi assumida diretamente pelo Estado. Essa intervenção, no regime castilhista, não deixava de ser mera retórica, a que Vargas daria efetividade.”.

Artigos anteriores:
O Estado Castilhista;

A II Geração Castilhista:

CLT é a Negação da Carta de Del Lavoro:

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guararapes, 362 anos - o Despertar de uma Nação!



Não há palavras que retratem o orgulho, a admiração.... que nos vem a tona sempre que se rememóra os feitos em Guararapes e os nomes daqueles heróis que durante toda a campanha contra os invasores se puseram a combatê-los.

Mais do que orgulho e admiração, vem-nos o dever de igualmente cerrar fileiras sempre que a pátria chamar, com o mesmo valor, com a mesma coragem, se não, com maior ardor! Eis o legado dos nossos antepassados que com um sorriso na face juramos cumprir!

domingo, 11 de abril de 2010

A II Geração Castilhista

O castilhismo enquanto doutrina política materializada num regime, teve três etapas no relacionado à sua elaboração teórica e à sua prática:

1)      a primitiva formulação ao redor da Constituição elaborada por Castilhos em 1891, e em torno, também, da defesa dessa Constituição;

2)  as propostas modernizadoras elaboradas pela Segunda Geração Castilhista, integrada por Getúlio Vargas (1883-1954), Lindolfo Collor (1889-1942), João Neves da Fontoura e outros;

3)      a ordem constitucional formulada ao ensejo do Estado Novo, proclamado em 1937.

A segunda etapa na formulação e na prática do castilhismo, foi materializada pelo que se denominou de Segunda Geração Castilhista, integrada por Getúlio Vargas, Lindolfo Collor, João Neves da Fontoura e outros. Os castilhistas ensejavam uma vertente modernizadora do Estado, ao criarem uma esfera acima dos interesses individuais, identificada com a preservação do Estado, a garantia do bem público.

O conceito de bem público, para os castilhistas, confundia-se com a imposição, por parte do governante esclarecido, de um governo moralizante, que fortalecesse o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais e que velasse pela educação cívica dos cidadãos, origem de toda moral social.

A Segunda Geração Castilhista perpetuaria esse legado de Castilhos, ao fazer do projeto de modernização do Estado e da centralização política os pontos básicos das propostas elaboradas pela Aliança Liberal em 1929 e 1930.

A elite política gaúcha compreendera, sem dúvida, que após as revoltas tenentistas que revelavam um crescente descontentamento com o regime oligárquico da República Velha, cuja caraterística marcante tinha sido a tentativa de privatizar o poder, só seria possível conservar a paz e a unidade nacionais mediante um grande esforço que fortalecesse o Poder Central e o tornasse, mediante a modernização do Estado, um autêntico poder nacional.

Justamente para se contraporem à visão privatista do poder que animava à República Velha, os Castilhistas da Segunda Geração propunham uma clara diferenciação entre a esfera do poder público e a dos interesses privados, assinalando a primazia, no campo político, ao poder público.

Enfatiza Lindolfo Collor a necessidade da separação dos partidos políticos do Estado, a promiscuidade nessa relação seria a base da oligarquia tão comum na República Velha quando os interesses privados se confundiam com os interesses públicos:

O poder partidário faz o poder público, mas o poder público, por nenhuma forma, deve fazer o poder partidário. No Brasil, a prática, que se pode dizer quase uniforme, tem consistido precisamente no contrário: é o poder público, é o governo que faz, ampara, tonifica, aparelha de recursos o poder partidário, no qual, por sua vez, descansa e confia. É o do ut des mais perfeitamente organizado em benefício dos que governam: é a oligarquia, é a doença mais grave da República. Urge, pois, separar o poder público do poder partidário, por meio de adequada legislação, que dê aos partidos existência legal, que lhes defina a personalidade, os deveres e as responsabilidades. Os governos não se devem confundir com os partidos, nem os partidos com os governos.”


Para a Segunda Geração Castilhista, a finalidade primordial do Poder Central seria garantir o progresso do país e a unidade da Nação. Lindolfo Collor criticava o progresso individual das oligarquias que se dava às custas de amplos setores da Nação que ficavam marginalizados. A anistia entraria como a primeira medida tendente a reconstruir a unidade nacional. Mas também seria necessária a presença tutelar do Estado para garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Getúlio Vargas, no seu discurso de 2 de janeiro de 1930, insistiria nesses aspectos. Para ele, a Aliança Liberal era uma reação à distorção da realidade brasileira, cansada do insolidarismo e do clientelismo ensejados pelos privilégios e monopólios, que vingaram ao longo da República Velha. Competia ao Estado dirigir essa reação, que não poderia ser caótica, mas que deveria se processar “dentro da ordem e do regime.”.

Essa reação centralizadora deveria ser comandada, segundo Lindolfo Collor, pelo próprio Presidente da República. O estadista gaúcho lembrava, a respeito, a tradição castilhista, segundo a qual a figura do Executivo é garantia de unidade do regime. E ia até assinalar-lhe funções que o tornariam um autêntico poder moderador, acima dos partidos:

“(...) O Presidente da República não é chefe de partido, mas chefe da Nação. Como tal, deve pairar acima dos interesses de facção, e nunca alimentá-los com atitudes de premeditada parcialidade. Agindo como chefe da Nação, ouve, perscruta, consulta, transige, coordena, põe de acordo partes porventura desavindas (...).”

E assim, tratar as questões políticas como problemas técnicos.

Os principais aspectos em que se deveria materializar essa reação estatizante e modernizadora ensejada pela Aliança Liberal eram os seguintes, de acordo com as propostas de Getúlio e de Lindolfo Collor:

a) A definitiva presença intervencionista do Estado para modernizar a economia. A conquista da racionalidade econômica deveria abarcar os seguintes itens: adoção da idéia de desenvolvimento econômico. Implantação da indústria siderúrgica nacional, garantia da independência estratégica do Brasil nas áreas industrial e militar. Em relação à agropecuária, reivindicava-se o controle sobre o latifúndio improdutivo, a fim de estimular a produção de alimentos e racionalizar o desenvolvimento da pecuária para competir nos mercados internacionais. No terreno do petróleo, era focalizada a necessidade de desenvolver a produção nacional. No item correspondente às políticas econômicas, era proposta a revisão das tarifas alfandegárias, visando à promoção da indústria nacional. De outro lado, era prevista a estabilidade da moeda, mediante o projeto de remodelação do Banco do Brasil, através de mecanismos intervencionistas nos campos monetário e financeiro. Era previsto, por último, o combate às secas do Nordeste, visando incorporar essa região à economia nacional.

b) Solução orgânica da questão social, mediante a incorporação do trabalhador ao Estado na nova legislação. Neste ponto, de nítida inspiração saint-simoniana e comtiana, ocupava lugar de destaque a proposta de criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

c) A política de imigração como reforço à presença intervencionista e planejadora do Estado na economia.

d) Instrução, educação e saneamento: aspectos sociais que deveriam ser contemplados pelo Estado modernizador e intervencionista. Era prevista, outrossim, a valorização dos cursos técnico-profissionais e do ensino superior. Como forma de aparelhar o Estado para responder a esses itens, era proposta a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública.

e) Moralização da função política: educar os homens públicos para que, abandonando os privilégios da sinecura individual, passem a cumprir a missão de materializar a “educação moral e cívica do povo”.

f) Valorização da autonomia da indústria militar e do papel das Forças Armadas.

g) Racionalização dos quadros do funcionalismo público, no contexto da modernização da economia.

h) Integração física do país ao redor do Governo Central, mediante o plano de viação geral.

A retórica presente na Plataforma da Aliança Liberal revelaria a grande flexibilidade política da Segunda Geração Castilhista, que a soube utilizar num contexto de centralização e de modernização do aparelho estatal e da economia. O discurso de Getúlio de 2 de janeiro de 1930, testemunha a clarividência de Getúlio em relação à crítica que deveria ser feita ao clientelismo político, bem como a sua determinação de tratar as questões políticas como problemas técnicos.

No entanto, quebrada a unidade do grupo que integrava a Segunda Geração Castilhista (que levou ao rompimento entre os jovens políticos gaúchos e Getúlio em 32, sendo as figuras mais importantes nessa dissidência Lindolfo Collor e Neves da Fontoura), ficaria aberto o caminho para a sistematização do autoritarismo de cunho castilhista. A terceira etapa do castilhismo estaria, assim, mais próxima da primeira. Surgiria, no entanto, a proposta de “individualismo grupalista” teorizada por Oliveira Viana, como veremos na III Geração Castilhista.

domingo, 21 de março de 2010

O Estado "Castilhista".


Embora se reconheça a presença da influência positivista no Rio Grande do Sul, a importância da filosofia política daí resultante, isto é, o castilhismo, ainda não foi compreendida, com a amplitude que seria de desejar pelos estudiosos do pensamento político-social brasileiro. Entretanto, sem a referência da teoria e da prática castilhista nossa história republicana torna-se campo propício a simplificações de toda ordem, como por exemplo a tentativa de reduzir o Estado Novo a uma projeção do nazifascismo. Ainda mais: não se trata tão-somente da ascendência do autoritarismo, para que todos hoje chamam a atenção. O castilhismo não é uma simples defesa do autoritarismo. É uma doutrina de muito maior significação, coerentemente elaborada, que foi defendida e aperfeiçoada no Rio Grande do Sul ao longo dos quatro primeiros decênios da República e, a seguir, transplantada para o plano nacional por Getúlio Vargas". (Paim, pág. 86).



Trataremos nesse texto sobre o Castilhismo como doutrina política que norteará os futuros desdobramentos da doutrina e especialmente Getúlio Vargas que viveu durante 35 anos de sua vida sob a vigência da Constituição "Castilhista"(tendo inclusive governado com ela), promulgada em 14 de julho de 1891, e que vigorou durante 4(quatro) décadas. A filosofia castilhista moldará toda sua formação, tanto moral quanto política. 

O castilhismo era refratário ao sistema representativo, especialmente o parlamentar, que  propiciava a "preservação de sórdidos interesses materiais", contrário portanto a "imaculada pureza de intenções"(desinteresse material), que deveria nortear o espírito público. Pois só assim poderia o dirigente da sociedade adquirir a capacidade para perceber, cientificamente, qual é o sentido da racionalidade social, que se revela unicamente perante as mentes livres dos interesses particularistas na busca do bem público. Artur Ferreira Filho sintetizou a concepção castilhista da República como Regime da virtude [Para Júlio de Castilhos]:
"...a República era o reino da virtude. somente os puros, os desambiciosos, os impregnados de espírito público deveriam exercer funções de governo. No seu conceito, a política jamais poderia constituir uma profissão ou um meio de vida, mas um meio de prestar serviços à coletividade, mesmo com prejuízo dos interesses individuais. Aquele que se servisse da política para seu bem estar pessoal, ou para aumentar sua fortuna, seria desde logo indigno de exercê-la. em igual culpa, no conceito castilhista, incorreria o político que usasse das posições como se usasse de um bem de família... Como governante, Júlio de Castilhos imprimiu na administração rio-grandense um traço tão fundo de austeridade que, apesar de tudo, ainda não desapareceu.".
Assim, na constituição Castilhista de 1891, o poder legislativo era por assim dizer simbólico, tendo como única função votar o orçamento e fiscalizar o Executivo. A assembléia se quer tinha poder para elaborar ou propor emenda, sô o Executivo detinha essa atribuição. Em outras palavras o Executivo concentrava as funções legislativas e administrativas. Dessa forma o Presidente teria isenção suficiente para governar em prol do bem público sem ficar refém da assembléia, historicamente um órgão representante da oligarquia privilegiada pelo sistema representativo.   

O bem público confunde-se, para o castilhismo, com a imposição, por parte do governante esclarecido, de um governo moralizante, que fortaleça o Estado em detrimento dos egoístas interesses individuais  e que zele pela progressiva educação cívica dos cidadãos, moralizadora do povo buscando educar o povo para fortalecer o Estado. Devendo por conseguinte, os poderes oficiais devolver à sociedade serviços úteis a tônica das contribuições a que são obrigados os cidadãos. Em outras palavras, o bem público fundamenta-se na completa reorganização política e administrativa do Estado, à luz do princípio "conservar melhorando", como também na prosperidade material do Estado (obras públicas, desenvolvimento industrial, estabilidade de crédito do governo, amortização da dívida pública, poupança estadual, etc.). 

A fim de conseguir a moralização da sociedade, o governante deve exercer a tutela social, para que se amolde à procura do bem público. Como a incorporação do proletariado sob a tutela do Estado. O caráter tutelar e hegemônico do Estado castilhista leva a rejeitar todo tipo de governo representativo tido assim como algo essencialmente anárquico. 

O castilhismo valorizava enfaticamente os processos democráticos diretos, como os empregados na antiga Grécia e Roma, consideradas superiores a "democracia" representativa da idade moderna. O plebiscito seria a forma ideal de consulta popular, exercido a nível municipal.

Borges de Medeiros dedicou especial ênfase à valorização dos municípios na política do Estado, aponto de sustentar que: 
"...cada município é a escola primária da democracia, onde nascem e vivem os elementos geradores dos movimentos sociais e políticos".
O meio para assegurar a direção do Estado como uma tarefa científica, que não deveria ser exercida senão por homens superiores e de firme orientação sociológica e assim resguardar o regime das ambições e das tendências individualistas, seria através do Partido. Que serviria de filtro e escola de formação para aqueles que viessem a ocupar a Presidência do Estado. E só assim, quando uma personalidade esclarecida pela ciência social assume o governo, pode transformar o caráter de uma sociedade que levou séculos para constituir-se. Tal como se operou na indicação da Presidência do Estado de Júlio de Castilhos a Borges de Medeiros e deste a Getúlio Vargas. Borges de Medeiros elenca os motivos pelo qual indicou o nome de Getúlio como seu sucessor:
“... A primeira cogitação, que nos deve preocupar é a de assegurar a necessária continuidade política e administrativa, que tem sido a mais notável característica do governo rio-grandense e que é, porventura, a mais sólida garantia de ordem e progresso. Mas a satisfação dessa necessidade orgânica exige da parte dos governantes o preenchimento de requesitos especiais, que se podem consubstanciar nos seguintes pontos: 1º o perfeito conhecimento teórico e prático do regime constitucional, cuja conservação deve ser artigo de fé inviolável... ; 2º a completa subordinação às normas e disciplina do Partido Republicano, cuja organização está indentificada com o p´roprio Estado, a ponto de não conceber-se a vida normal de um sem o apoio do outro; 3º a comprovada competência jurídica, indispensável ao exercício regular da prerrogativa presidencial de legislar sobre o direito judiciário em geral e sobre os serviços imanentes ao Estado; 4º a capacidade administrativa revelada no exercício de funções públicas federais, estaduais, e municipais... ; 5º as qualidades práticas de atividade, firmeza, prudência e energia... ; 6º a incorruptível moralidade privada e pública, assim como o prestígio individual... . Sem injustiças às virtudes e merecimento de outros, pareceme que os Drs. Getúlio Vargas e João Neves se destacaram, entre seus pares, como os que melhor satisfazem as condições, intrínsecas e extrínsecas, que a investidura governamental requer no atual momento...”. 
A continuidade política e administrativa que se reporta Borges de Medeiros, tratava-se da reeleição ilimitada consagrada no artigo 9º da Constituição Castilhista de 1891 que condicionava a reeleição ao quorum qualificado de ¾ dos eleitores que efetivamente votassem nas eleições para Presidente do Estado. A continuidade administrativa era justificada como um postulado moral, porquanto alicerça o Estado moralizador e conduz ao desinteresses dos governantes. Como salienta Borges de Medeiros em telegrama a João Simplício, quando da insurreição de 1923:
"...Sinto insuperável inibição abolir dispositivo constitucional relativo reeleições.... A reeleição é um dos pivôs do nosso sistema constitucional e a melhor garantia de ordem pública e de continuidade administrativa."
Getúlio Vargas quando representante da bancada gaúcha na Câmara fez a seguinte defesa da Constituição Castilhista, acusada de ser anti-democrática em 20 de outubro de 1925:
"... O Estado do Extremo sul, guiado pelo seu grande organizador, um político norteado pelo rígido critério de um filósofo, com intuições de sociólogo [referência a Júlio de Castilhos], ergueu dentro do sistema da Constituição Federal, um regime institucional em que admiravelmente se consorciam a autoridade com a liberdade. Melhor compreendendo a natureza do regime presidencial, instituiu um poder executivo forte, facultando-lhe, sem receio, consagrar e manter as mais amplas franquias liberais, ampliando, senão na letra pelo menos na sua exata interpretação, as que foram prometidas na Constituição da República. A par disso, a continuidade administrativa , um critério firme e seguro, normas, processos, praxes de publicidade ampla, de probidade, de simplicidade e de clareza formaram costume, criaram hábitos sulcando aspectos característicos na sua vida pública". 
Em 21 de outubro de 1925, Getúlio volta a tribuna, pronunciando:
"Lá [no Rio Grande do Sul] o Presidente do Estado propõe a lei que toma a forma plebiscitária, com a publicidade ampla, a colaboração direta do povo na apresentação de emendas e referendum dos Conselhos Municipais. São os imperativos categóricos da ordem social, impondo-se como necessidades iniludíveis, e vencendo as frágeis barreiras erguidas por preconceitos teóricos em equilíbrio instável, no trapézio mirífico da divisão de poderes..."
O cientificismo castilhista se assenta assim sob três idéias básicas: 1. o primado da ciência na consolidação do Estado e na concentração das funções legislativas e de governo no Executivo, 2. a centralização do poder econômico e político no Estado; 3. a tutela moralizadora e racionalizadora do Estado forte sobre a sociedade e a emergência da continuidade administrativa.

Durante mais de três décadas, o castilhismo testou com sucesso, a consulta plebiscitária. Eliminando dessa forma a influência perniciosa dos representantes oligárquicos reunidos na assembléia legislativa. Estabelecendo uma relação direta entre cidadãos e governante, propiciando assim isenção para o Executivo governar em favor do bem comum. 

Vargas, desde sua mocidade integrante ativo da Juventude Castilhista se reportará nesses termos sob seu legado: 
"... O Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto da tumba do condor altaneiro que pairava nos píncaros da glória. Júlio de Castilhos para o Rio Grande é um santo. É santo porque é puro, é puro porque é grande, é grande porque é sábio, é sábio porque, quando o Brasil inteiro se debate na noite trevosa da dúvida e da incerteza, quando outros Estados cobertos de andrajos, com as finanças desmanteladas, batem às portas da bancarrota, o Rio Grande é o timoneiro da Pátria, é o santelmo brilhante espargindo luz para o futuro. Tudo isso devemos ao cérebro genial desse homem. Os seus correligionários devem-lhe a orientação política; seus coetâneos o exemplo de perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe o exemplo de pureza e honradez de caráter.".


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1139 - O Surgimento do Estado Nacional

A II Geração Castilhista
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A III Geração Castilhista - O Estado Novo.
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Vargas Fascista?

Vargas como Brizola é legatário da política castilhista em seu positivismo de forte conteúdo social, bem como da ulterior influência trabalhista, advinda de Alberto Pasqualini.

Quem elaborou a CLT foi o pernambucano Joaquim Pimenta, que era comunista, a pedido de Vargas. Conta-se nos seus primeiros esboços, acreditando estar tratando com um político "conservador", Joaquim Pimenta elaborou leis bem modestas, nem de longe com o grau de abrangência que as tornariam célebres. Getúlio ao ler a obra de Pimenta, para surpresa deste último, pediu uma legislação mais avançada, mais progressista.

Situação similar é contada por Amaral Peixoto que junto com integrantes do movimento tenentista, haviam ido conversar com Getúlio, para expor suas reivindicações. Getúlio ao ouvir com sua paciência que lhe era característica, ao final apenas disse: "Só isso? Pensei que vocês estivessem mais avançados".

Ainda.... por DUAS vezes! Vargas tirou o Partido Comunista da ilegalidade, quando ascendeu ao poder logo após a Revolução de 30 e ao retornar em 1950. Fazendo das reivindicações trabalhistas uma política de governo ao que antes era "caso de polícia".

Ao passo, que, Getúlio instituiu o voto secreto e universal, contemplando as mulheres já nas eleições de 1934, deu aos trabalhadores diretos sociais, políticos e trabalhistas como férias, jornada de 8 horas, descanso semanal, salário mínimo, estabilidade, assistência médica e sindicalização. 


Diferença entre o Trabalhismo de Vargas e o Nazi-fascismo.

Oque ocorreu na Alemanha e na Itália foi que em ambos houve a eclosão de uma classe operária revolucionária esmerada na Revolução Russa, ameaçando o poder da oligarquia de ambos os países e que atemorava o restante da Europa.

Assim, deram dinheiro aos camisas-negras de Mussolini e aos camisas-pardas de Hitler, em troca de favores futuros. 

Em suma tanto o fascismo quanto o nazismo foram(e são) movimentos contra-revolucionários para assegurar a ordem estabelecida do poderio e privilégio da classe capitalista.

Enquanto no nazismo e no fascismo os sindicatos foram postos nas mãos de corporações de empresários, com Vargas, os sindicatos foram postos sob a tutela do Estado.

Note que o contexto do Trabalhismo Brasileiro é todo outro, enquanto o nazi-fascismo é um movimento contra-revolucionário, o Trabalhismo Brasileiro nasce como uma política de caráter desenvolvimentista de incorporação do proletariado sob a tutela do Estado, e isso muito antes do nazi-fascismo na Europa, já com Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul em 1891, 28 anos antes mesmo de se imaginar algum tipo de organização fascista.

Oque pensava Getúlio do nazi-fascismo, registrados, em trechos do seu Diário Pessoal:

Em 1940, quando o Brasil nem mesmo tinha rompido relações com a Alemanha, eis oque Getúlio registra em seu diário:
"As notícias da guerra são de uma verdadeira derrocada para os aliados. O povo, por instinto, teme a vitória alemã; os germanófilos exaltam-se. Evidente é a imprevidência das chamadas democracias liberais. Pedido do governo americano para que eu telegrafasse a Mussolini, fazendo-lhe um apelo para evitar que a guerra se generalize. Escusei-me. Mantive o propósito de não intervir na política européia e, além disso, não creio na eficácia dessa démarche."

O que os deturpadores alegam para falar da suposta simpatia de Vargas pelo Eixo é um discurso do mesmo ano de 1940, proferido no Minas Gerais, que não foi mais mais do que um blefe para forçar a implantação siderúrgica no Brasil. Eis o comentário de Getúlio sobre seu discurso registrado em seu diário:
"O discurso que pronunciei a bordo do Minas Gerais teve muita repercussão, produzindo surpresa pelo tom, julgado muito forte, e por outros, insensatamente, como germanófilo".

Deve-se registrar que no correr do ano 1941(enfatizando, mais uma vez, antes do rompimento com a Alemanha), Getúlio já se posicionava a favor dos aliados, eis o acontecimento que ele registra mais uma vez em seu diário:
"Curiosa audiência com o embaixador do Japão. Abordou-me sobre a atitude do Brasil no caso de os EUA entrarem na guerra européia! Perguntei-lhe qual seria a atitude do Japão, no caso de guerra entre os EUA e a Alemanha. Respondeu que o Japão deveria também entrar. Respondi-lhe então que o Brasil fazia parte de um bloco. Qualquer país americano que fosse atacado, nós seríamos solidários."

Em fim, é esse homem que alguns chamam de fascista?




sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Oligarquia dos Pardais.

"Lembro de uma grande figura brasileira que dizia que o Brasil não pode ter um Balzac nem um Anatole France, não por falta de romancistas, mas por falta de material romanceável. Quer dizer, o material romanceável dele tem que estar na beira do Sena, ou, na melhor das hipóteses, no Roissy: é a absoluta incompetência para observar o terrível drama de seu próprio povo, do seu vizinho, do que se passa na rua, um nível de alienação que seria inconcebível, se não fosse real.

"As oligarquias latino-americanas têm bastante semelhança entre si e seu traço fundamental é a alienação. Vive­mos num país que talvez seja o mais rico do mundo em pás­saros, os nossos museus estão cheios de arte plumária indí­gena. No entanto, foi preciso que o prefeito Passos trouxesse os pardais para o Rio de Janeiro, que o prefeito António Prado os introduzisse em São Paulo, e que Sarmiento os levasse para Buenos Aires, los gorriones. Quer dizer, para ser possível en­xergar sua cidade, ela tem que ter pardais - esses ratos voado-u-s vindos de Paris -, para que se assemelhe com aquilo que se tem na cabeça como valor supremo.

"Esta é a 'oligarquia dos pardais', que não têm identificação cultural e que, praticando atos aparentemente inocentes,  conduzem sempre o país para o processo de dominação externa, dentro de uma linha de raciocínio padronizado, que encontramos no discurso das figuras mais ilustres."


(Texto de Severo Go­mes, retirado de sua conferência "Os Trópicos e o Primeiro Mundo", do livro Desafio Amazônico - O Futuro da Civilização dos Trópicos . Para maiores informações, visite o sítio www.institutodosol.org.br)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Destruam a IBAP - Indústria Brasileira de Automóveis Presidente.

Foto: o modelo Democrata, produzido pela Ibap era considerado avançado até mesmo em relação aos concorrentes multinacionais.


"A Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (Ibap) foi uma empresa genuinamente nacional que criou um carro de luxo, com tecnologia, desempenho e desenho muito mais avançados que os de seus concorrentes da época. Chamava-se Democrata o elegante sedã. O nome da fábrica era Presidente, e seu logotipo era uma engrenagem estilizada com o contorno do mapa do Brasil no centro. 

"Na porta da fábrica havia uma placa com dizeres que terminavam assim: "Juntos estamos dando ao mundo o maior exemplo do que um povo livre e unido pode realizar." Apesar de todo o patriotismo demonstrado pela empresa e do grande potencial que ela tinha para gerar empregos, tecnologia e riquesas para o país, uma grande e cruel ironia seguiu-se: ela foi destruída pelo próprio Governo Brasileiro.

"A história tem origem na iniciativa de um jovem empresário chamado Nelson Fernandes, então proprietário de um clube e de um hospital. Ele construiu sua fábrica de automóveis em um terreno em São Bernardo do Campo (SP), e a inaugurou em outubro de 1963. A fim de levantar recursos para viabilizar o projeto, Nelson Fernandes vendeu títulos de proriedade da Ibap (recurso semelhante foi utilizado vinte anos depois pela Gurgel, quando do lançamento do BR-800). Nesse processo a Ibap conseguiu reunir nada menos que 50 mil sócios-proprietários! Tudo graças à qualidade do projeto e à credibilidade dos empreendedores. Esses sócios proprietários tinham direito a dividendos e descontos especiais na aquisição do veículo. 

"O Democrata era um projeto avançadíssimo. A começar pelo seu desenho, fluido e elegante, só igualado anos mais tarde. A carroceria era de fibra de vidro e contava com uma qualidade altíssima nos acabamentos e peças encaixadas com perfeição. Ele levava cinco passageiros e sua bagagem. Os bancos dianteiros eram individuais e reclináveis, entre eles havia um console. O carro era equipado ainda com rádio e direção hidráulica. 

"Mas o grande trunfo do carro era a sua mecânica, desenvolvida no Brasil pelos engenheiros da Ibap, à excessão do motor, criado pela empresa italiana Procosautom (Proggetazione Costruzione Auto Motori) exclusivamente para o Democrata. O motor, instalado na traseira, era um V6 (com ângulo de 60°) 2.5 com bloco em alumínio que desenvolvia 120 cv a 4500 rpm. Uma potência elevadíssima para a época (bastante razoável até mesmo para os dias de hoje). O carro tem 4,68m de comprimento; 1,72m de largura; 1,39m de altura; bitolas dianteira e traseira com 1,39m e distância livre do solo, de 21cm. Seus 1 150 kg de peso eram impulsionados de 0 a 100 km/h em apenas 10 s, e os 120 cv ainda eram capazes de levar o Democrata aos 170 km/h de velocidade máxima.


"Com tantas qualidades e a promessa de preços acessíveis, a Ibap e seu Democrata tinham tudo para conquistar boa parte do mercado brasileiro. Tamanho potencial também despertou preocupação em muita gente que tinha interesses contrariados. O Democrata foi alvo de uma abominável campanha difamatória, atribuída às montadoras concorrentes e que teve a conivência do Governo, ocorrendo inclusive algumas declarações muito infelizes por parte do ministro da Indústria e Comércio. A maior parte dos boatos punha em dúvida a durabilidade da carroceria em fibra de vidro. A fim de desmistificar o material, a Ibap fez uma campanha itinerante, levando Democratas a vários pontos do país e permitindo que as pessoas literalmente surrassem o carro com canos de ferro, a fim de comprovar que a resistência da fibra era até maior que das chapas de aço! 

"Mas os boatos mal-intencionados não eram nada perto do que estava por vir. O primeiro incidente foi a interceptação de um lote de peças vindas da Itália para a Ibap. A alegação era de que a carga seria um contrabando, apesar de a mercadoria ter origem regular e estar acompanhada de toda a documentação. Isso fez com que a Ibap se tornasse alvo de acusações infundadas que foram desmentidas por meio de um laudo de engenharia e contabilidade solicitado pela empresa à Polícia Técnica.

"Outra situação inexplicada ocorreu quando o Governo colocou a FNM (Fábrica Nacional de Motores [criada por Getúlio Vargas durante a 2ª Guerra]) à venda. A Ibap interessou-se por comprar a estatal, o que viabilizaria antecipar a produção do Ibap popular. A própria diretoria da FNM mostrou-se satisfeita com a possibilidade de ter a empresa absorvida por outra nacional. Desse modo, a Ibap entrou em contato com seus associados, ficando acertado que cada um deles contribuiria com uma quantia a fim de que fosse adquirida a FNM, em seguida foi formalizada a proposta de compra, oferecendo em garantia o terreno da Ibap em São Bernardo do Campo, quando tudo indicava que a FNM tornar-se-ia parte da Ibap, a proposta de compra foi recusada sem maiores explicações pelo Ministério da Indústria e Comércio, A Ibap ainda tentou participar da concorrência pelo cartório do Registro de Títulos e Documentos. Mas houve nova recusa, limitando-se o Ministério a alegar que faltava à Ibap respaldo financeiro para participar.

"Em seguida a FNM foi entregue a um grupo estrangeiro por um valor irrisório. Abaixo do que fora proposto pela Ibap. Durante as negociações de venda da FNM, a Ibap ainda foi vítima de outro "incidente": a Polícia Federal fez uma "batida" em suas dependências, apreendendo livros contábeis, extratos de contas bancárias e todos os projetos e documentação da empresa. Esse evento foi um dos expedientes de que lançou mão o Ministério da Indústria e Comércio para recusar a proposta da Ibap. No entanto, nenhuma irregularidade foi constatada no exame dos papéis.

"Então veio incidente decisivo. Em uma inspeção relâmpago, o Banco Central elaborou um laudo atestando inexistência de itens para a produção ou mesmo montagem de quaisquer dos componentes do veículo motorizado; inexistência de contratos com quaisquer das fábricas de veículos ou autopeças, quer no país, quer no exterior; não constar da organização da empresa a presença de técnicos em quaisquer das numerosas especialidades essenciais à fabricação de automóveis, ou à elaboração dos projetos respectivos. Esse laudo era completamente absurdo. A simples constatação de que havia uma fábrica de automóveis legalmente constituída há dois anos, com algumas unidades prontas e mais cinqüenta sendo produzidas seria o bastante para refutar essa aberração. Isso sem contar que a empresa foi aprovada sem restrições por inspeções anteriores da Polícia Técnica e do Banco do Brasil. Então o Banco Central ainda moveu processos contra a Ibap acusando-a de coleta irregular de poupança popular sob falsa alegação de construir uma fábrica de automóveis. Mesmo sendo as acusações infundadas, os diretores da Ibap foram condenados. Fato para o qual o Ministério Publico simplesmente fechou os olhos. 

"A esse tempo, Nelson Fernandes ficou sabendo por um amigo, o então presidente da SUDEP, vice-almirante Antonio Maria Nunes de Sousa, que se não desistisse da Ibap, diretores da empresa e seus familiares sofreriam represálias. Foi quando Nelson foi obrigado a "aceitar" que a sociedade fosse "amigavelmente" dissolvida. Após ouvir o Procurador da República, o juiz de Direito da 1ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, homologou, por sentença, a dissolução da Ibap pondo fim ao rumoroso processo nº 115855 que, só em poder do perito judicial tinha ficado durante treze anos.

"Desse modo, o lançamento do Democrata foi abortado, em 1968 com Costa e Silva, com apenas cinco unidades concluídas. A história toda é bizzarra. O patrimônio da empresa foi seqüestrado pela justiça, que somente vinte anos mais tarde reconheceu ter sido indevida a intervenção do Banco Central na empresa as instalações da fábrica ficaram abandonadas por todos esses anos. Somente no início dos anos 90 a área foi liberada e o Centro Automotivo Finardi, de São Paulo (SP), arrematou dois carros quase completos e muitas peças que lá se encontravam.

"Em 1999 foi encontrado um terceiro Democrata, que foi adquirido pela Finardi e completamente restaurado em tempo recorde pela empresa. Detalhe impressionante é que o motor desse veículo pegou de primeira quando foi encontrado, apesar de estar parado há anos, esse carro foi a grande atração do último encontro do Veteran Car Club de Brasília (VCC-BSB), contando com o apoio do jornalista Roberto Nasser, membro do VCC-BSB e que foi um dos poucos a dirigir o Democrata na época do seu lançamento. Os dois outros Democratas encontrados serão igualmente reformados pelo Centro Finardi. Um dos carros ficará com os irmãos José Carlos e José Luiz Finardi, proprietátios da oficina, um com o VCC-BSB e outro com Nelson Fernandes, que atualmente é proprietário de um cemitério vertical em Curitiba (PR). 

"Organizando um livro sobre a indústria automobilística brasileira, o jornalista Roberto Nasser, curador da Fundação Memória do Transporte, descobriu duas unidades do automóvel nas ruínas do que fora a fábrica. Consumiu um mês para chegar ao antigo empreendedor, Nelson Fernandes, que se mudara de cidade e de ramo de negócio, provocando-o a escrever, no livro, o capítulo referente à IBAP, e a restaurar, salvando de fim certo e breve, um dos Democratas. Fernandes sensibilizou os irmãos Finardi, José Carlos e José Luiz, donos do centro automotivo com o mesmo nome em São Bernardo do Campo, SP -- eles mesmos cotistas da IBAP --, a restaurar um dos exemplares, trabalho impressionante de transformação de um escombro em automóvel em apenas 20 dias. O resultado destas iniciativas foi exposto no III Encontro Brasileiro de Veículos Antigos, que se realizou no Centro de Convenções Ulysses Guimarães como parte do 40° aniversário de Brasília. É a apresentação, após 32 anos, do automóvel que não foi lançado. 


A Sabotagem a Indústria Nacional, O Dramático Caso da IBAP.

Foto: o pórtico da fábrica da Ibap. Seu logotipo era uma engrenagem estilizada com o contorno do mapa do Brasil no centro. Na porta da fábrica havia uma placa com dizeres que terminavam assim: "Juntos estamos dando ao mundo o maior exemplo do que um povo livre e unido pode realizar." O regime militar, favorecendo multinacionais do setor automobilístico (como a alemã Volkswagen) não tolerou o empreendimento.




A Indústria automobilística é uma das mais rentáveis e, talvez, em se tratando de bens de consumo duráveis, a mais importante do século XX. Tradicionalmente, apenas países desenvolvidos (EUA, Japão, França, Itália, Alemanha, Rússia...) possuem indústria automobilística própria, com poucas exceções a esta regra. O Brasil, como veremos na matéria abaixo, esteve perto de pertencer ao seleto grupo de produtores de carros genuinamente nacionais (não nos referimos aos carros produzidos por plantas industriais estrangeiras localizadas no país, como a Wolks, Ford, Chevrolet, Fiat, Renault etc.). Na verdade, com o empresário Amaral Gurgel (de quem iremos tratar em outro texto), criador da Gurgel Motores, temporariamente pertencemos àquele grupo.

 A reportagem abaixo narra uma história anterior à de Gurgel e, em certo sentido, mais dramática. Ao passo que Gurgel chegou a desfrutar da simpatia e mesmo incentivo do regime militar(Governo Geisel) em determinados momentos de sua brilhante trajetória, a Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (Ibap) contou, desde o início, com a oposição e quase sabotagem dos militares. A razão disto terá sido o enlace da ojeriza provocada pelo posicionamento contrário à ditadura por parte do fundador da Ibap, Nelson Fernandes (que batizou seu primeiro modelo de “Democrata” e, quase provocativamente, inscreveu em uma placa, no pórtico da fábrica: "estamos dando ao mundo o maior exemplo do que um povo livre e unido pode realizar" – destaque nosso) com os interesses das multinacionais do setor, com seus aportes nos anos JK.

O golpe que depois Goulart, não foi contra o comunismo como tentam justificar ao fazer pouco de sua inteligência, mas, contra o Brasil. Goulart era herdeiro direto de Getúlio, e tinha como objetivo levar avante o projeto político de Vargas. Nessa época já havia um setor industrial do país, florescendo, com empresários nacionalistas que se opunham a entrega do  seu mercado interno a setores extrangeiros. É nesse contexto que se insere o dramático caso da IBAD e porque não do próprio Brasil.

Em um ato de reciprocidade ao apoio administrativo e logístico fornecido pelos EUA ao Golpe de abril de 1964, muitos setores da economia (altamente rentáveis e tecnologicamente avançados) foram reservados às multinacionais. Este parece ter sido o caso da indústria automobilística. E o que nos leva a afirmá-lo é sobretudo este incidente: ao decidirem (por que decidiram?) vender (ou privatizar, como diríamos hoje) a Fábrica Nacional de Motores(FNM), concebida por Getúlio Vargas para produzir veículos nacionais (primeiro motores para aviões, depois, os legendários caminhões FeMeNês), os militares preferiram absurdamente entregá-la ao capital estrangeiro (a venderam para a Alfa Romeu, que depois a vendeu à Fiat que, por fim, a fechou) por um preço inferior ao oferecido pela nacional IBAP que intentou adquirí-la e lhe foi negada.


Confira toda a história na matéria abaixo e, se puder, manifeste sua opinião, comentando o caso.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Legado de Vargas



Léo de Almeida Neves:
Vargas é exemplo de nacionalismo. A longa vida política e o seu sacrifício extremo servem de inspiração aos jovens que tenham vocação e queiram ingressar na vida pública. Destruir esse mito é servir aos desígnios do "Consenso de Washington", cujos autores reunidos em novembro/89, estabeleceram como objetivos a redução drástica do Estado, a corrosão do conceito de Pátria, a globalização e o neoliberalismo.
Até hoje a opinião pública é surpreendida com fatos novos. Ainda agora, foram divulgados alguns dos 500 bilhetes que o presidente no seu mandato de 1951 a 1954 enviou ao Chefe da Casa Civil Lourival Fontes, depois Senador por Sergipe. Ele arquivou todos e os repassou ao ex-Governador de Sergipe Lourival Batista. Um neto deste está de posse dos bilhetes, e pretende publicá-los em livro.
Além de providências administrativas, esses bilhetes retratavam sua preocupação em impedir e desfazer atos de improbidade administrativa e de afastar titulares de cargos de confiança sobre os quais pesavam dúvidas de atuação.
Vocês devem ter lido os dois volumes (Editora Siciliano - 1995) que trazem as memórias de Getúlio Vargas, escritos diariamente desde a data da eclosão da Revolução de 30 até 1942, relatando todos os principais acontecimentos que envolveram sua vida político-administrativa e a vigilância constante com a moralidade pública, o interesse permanente pela solução dos problemas brasileiros e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo mais humilde.
Nenhum outro Presidente da República preocupou-se em escrever um diário, mais uma demonstração inequívoca do seu patriotismo e magnitude de estadista. Fantástico é que em todos seus discursos e manifestos escritos ele coloca no alto e em destaque absoluto a Pátria e o povo.
Tudo era conduzido para elevar a auto-estima do povo brasileiro e a crença inabalável em um futuro melhor, completamente diferente do incutido na população por alguns detratores de que somos raça inferior, país foi colonizado inicialmente por degradados, só valemos por carnaval e futebol, que temos impulsão para a desonestidade e atos criminosos.
Na verdade, formamos identidade racial privilegiada com o caldeamento entre portugueses, índios e negros, aprimorado com as migrações européias e asiáticas, notadamente italianos, alemães, poloneses, ucranianos, holandeses, japoneses e tantos outros.
O nosso inesquecível senador Darcy Ribeiro, ensina no seu livro O Povo Brasileiro :
"O Brasil é uma província da civilização ocidental, uma matriz ativa da civilização neolatina, melhor que as outras, cujo papel doravante será ensinar o mundo a viver mais alegre e mais feliz".
"Somos uma nova Roma, lavada em sangue negro e índio, destinada a criar uma esplêndida civilização, mestiça e tropical, mais alegre, porque mais sofrida; e melhor porque incorpora em si mais humanidade; mais generosa, assentada na mais bela província da terra."
Depois dessas frases magistrais de Darcy Ribeiro, vamos para o final desta palestra.
Para atrair os jovens à participação na vida partidária a condição essencial é que tenham vocação política e o desejo sincero de servir à coletividade e de lutar pelo engrandecimento da Pátria. O jovem precisa nutrir o seu idealismo de exemplos incontestáveis de lideranças que consagraram suas vidas para esses objetivos, como o fizeram Getúlio, Jango, Pasqualini, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. Nada macula a jornada desses líderes e o sacrifício da própria vida de Getúlio Vargas é fato exclusivo dele.
A imensa obra de Getúlio Vargas está viva e presente em nossos dias: Vale do Rio Doce, Siderúrgica de Volta Redonda, Eletrobras, BNDES, Petrobras, Consolidação das Leis do Trabalho, salário mínimo, pensão e aposentadorias, independência e soberania.
Bases e Sugestões para uma Política Social, livro básico de Alberto Pasqualini, contém a doutrina do trabalhismo, ainda atual e voltada para o futuro nos seus conceitos fundamentais.
João Goulart sancionou a lei de criação da Eletrobras, a Lei de taxação de remessa de lucros das empresas estrangeiras, defendeu os interesses dos trabalhadores desde o Ministério do Trabalho, lutou pelas Reformas de Base, notadamente a Reforma Agrária, o único Presidente da República que morreu no exílio.
Darcy Ribeiro como escritor, senador, fundador da Universidade de Brasília, ministro e chefe da casa civil de Jango, Secretário e vice-governador de Brizola, é um ícone do nacionalismo. Seu livro "O Povo Brasileiro" é um farol que ilumina e enaltece nossa formação étnica.
Finalmente, Leonel Brizola é uma trajetória de coragem e de perseverança. A Campanha da Legalidade é exemplo exclusivo na história brasileira de uma derrota de militares golpistas por uma liderança democrática civil. A desapropriação de empresas estrangeiras na telefonia e energia elétrica, que solapavam o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, e a reforma agrária iniciada com sucesso são marcas de sua visão administrativa.
Como Governador do Rio de Janeiro, além do sambódromo, humanização das favelas com a escrituração de lotes aos moradores, e da construção da "linha vermelha" até o Aeroporto do Galeão, o que avulta é a ação de Brizola na área do ensino com a concepção e construção dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública).
Ninguém contesta que a maior fragilidade do Brasil no momento reside nos baixos índices qualitativos da educação. Esse é o destaque mais relevante da obra de Leonel Brizola, que investiu fortemente na educação nos governos do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, aqui com o maior percentual orçamentário do país.
Não quero dizer que a lembrança do passado deva ser o foco principal porque a construção do futuro é o que interessa ao povo. Mas, também, é irrefutável que para construir o porvir tem que haver base sólida e os exemplos das realizações do passado.
Termino com estas palavras da Carta-Testamento:
"Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.
Ao ódio respondo com meu perdão e aos que pensam que me derrotaram respondo com minha vitória.
Era escravo do povo e me liberto para a vida eterna, mas esse povo de quem fui escravo jamais será escravo de ninguém".
 Ver também:
A AÇÃO DOS EUA NA QUEDA DE GETÚLIO VARGAS:



O Anti-Getulimso de Jô Soares e Rubem Fonseca Autor do Livro "Agosto".






GETÚLIO VARGAS POLÍTICO EXEMPLAR:

GETÚLIO VARGAS E O SONHO BRASILEIRO:

CLT É A NEGAÇÃO DA CARTA DE DEL LAVORE: