“Approxima-se o carnaval, tríduo da folia, dos divertimentos públicos. E, nesses três dias, aliás gordos, vêem-se coisas desagradáveis.... são tantas, que nem é bom falar nelas... Cumpre a polícia não permitir maxixe junto aos coretos, prática que se vem reproduzindo desde que o carnaval tomou incremento entre nós. Também as fantasias, de se vestirem de homem os gentis do outro sexo, não são muitos louváveis, antes são reprováveis e devem ser prohibidos. As enrolações de serpentina não deixam também de merecer reprovação, além de incomodativas para os enrolados, ofendem a moral pública [...]”.
Esse, é um trecho, de uma crônica do início do Séc. XIX, como essa, há outros bem mais antigos, que datam do Brasil colônia, Séc. XVII, com o mesmo tom de reprovação, em que se registra avisos e alvarás contrários à brincadeira. Contudo, foi a partir de 1820 e, especialmente, de 1830 que passou-se a uma campanha ostensiva contra o Entrudo (oque outrora fora o carnaval) por meio da imprensa, que qualificava o festejo como: “bárbaro”, “grosseiro”, lusitano” e “pagão”. Muito desses ataques, como denunciou Gustavo Barroso (que inclusive relata em suas memórias de meninice, ter tomado parte no bloco carnavalesco dos papangus pelas ruas de Fortaleza), se devia a um ataque velado, da imprensa maçônica, para promover o anti-lusitanismo.
O Entrudo, sem dúvidas, é uma reminiscência de celebração pagã, que deita raízes nos antigos festejos celtas, a Ambiwolka, com estreita correlação com o Samonios (Magusto em Portugal e Galiza, no Brasil celebrado como “Dia de Todos os Santos”). Quando no hemisfério norte, com a chegada do inverno, as noites se tornam mais longas, as trevas vencem a luz, simbolismo da morte. É uma época de reclusão, mas, ao mesmo tempo, de renovação, de renascimento, de fecundação. Na mitologia Celta, é o momento em que a Deusa Morrighan, tida como dentre outros epítetos, a Deusa da Morte, se recolhe ao submundo com Dagda, Deus da Abundância, da fertilidade, em um enlace amoroso.
E daí resulta essa ambiguidade, tão característico do Carnaval, do mundo celta, de inversão dos contrários, da subversão.... pois que diante da morte, surge a vida! O ciclo da vida gira, se renova. A vida triunfa sobre a morte! Da tristeza à alegria, do sagrado e do profano. E por assim, nessa época, os homens se vestem com roupas femininas, e vice-versa, em tom satírico e jocoso. As figuras públicas, de autoridade, são satirizadas, eleva-se a “Rei” um ladrão, quando não, um animal ao posto da: autoridade, alvo do deboche!
Lupercalia |
Entre os gregos havia, a Lykaia, que ocorria no monte Lykan, em que jovens realizavam um rito de passagem para a puberdade, que consistia no cometimento de uma profanação, comer carne humana. Um dentre eles era sacrificado e sua carne misturada a outras de animais sacrificados, quem comesse a carne humana, se tornaria lobo ao longo de 9 anos, só se tornando humano se ao longo desse tempo, não volta-se a comer carne humana. Naturalmente, assim, os iniciados não sabiam quem e se eles próprios haviam ingerido e por assim cometido a profanação. Pesando sobre todos a dúvida. Eis a origem, do que se supõe ser a origem do lobisomem, tão difundido na Europa e nos rincões do Brasil.
A Lykaia, é um rito com características, mais arcaica, do que a Lupercalia, e se deduz, mais próxima das fratrias guerreiras celtas, pródigas em adereços ligados a homens-lobos, bem como a outras sociedades mais arcaicas como a germânica com seus berserks, Na Galiza e Portugal, havia os “kórios” formados por jovens que se paramentavam com peles de lobos, se exilando em locais remotos, vivendo uma vida silvestre a margem da civilização. A essas frátrias, na Lusitania antiga, Estrabão os chamam de Iuventus lusitani.
"kório", frátria guerreira, formada por jovens lusitanos. Desse étimo, deriva "coronel". |
Durante a propagação do cristianismo na Europa, houve o sincretismo entre várias celebrações pagãs e cristãs. Em Roma, as celebrações da Lupercalia, foi cristianizada pelo papa Gelasio I, como dia de São Valentim, santificado por celebrar casamentos entre cristãos, quando o cristianismo era proibido, e por isso, martirizado. Isso, no ano de 496, em 14 de fevereiro, consagrado como dia dos namorados .
Com o Entrudo, não foi diferente. As procissões, círios e romarias, em quase todas, guardaram antigos elementos de ritos pagãos. A procissão mais popular em Portugal foi a de Corpus Christ. Durante a procissão, cada ofício era responsável pela preparação de um bloco, abordando um tema diferente, a semelhança das alas das escolas de samba brasileiras. De ressaltar, ainda, o caráter religioso e profano do cortejo. Oque aponta fortes indícios da continuidade de uma antiga forma de religião, uma herança pagã, mal ocultada por trás da aparência de fé católica.
Com a incorporação ao calendário cristão, a festa recebeu uma data fixa e passou a ser comemorada entre o domingo e a terça-feira anteriores ao início da Quaresma. À sua acepção primeira de entrada ou começo, portanto introitos, acrescentou-se outra, a de despedida da carne e de início do período quaresmal, tempo de sacrifícios e de abstinências.
Os festejos carnavalescos, que compartilham elementos caracterizados por seu espírito burlesco, cômico, grotesco, lúdico, satírico, de excesso eram bastante difundidos pela Europa, desde longa data. Porém, em Portugal, diferia-se. Em Portugal, os três dias que antecediam a Quaresma eram comemorados com: “molhadelas de diversos graus: imersão nos rios, nos chafarizes, projeções de água com cuias, copos e esguichos...”; como também, jogar água suja e farinha nos transeuntes. Nos festejos de entrudo entre fins do Séc. XVIII e XIX em Lisboa, relatam ainda serem comuns o uso de ovos, pós de goma e uma variedade de instrumentos para jogar: cabacinhas de cera com água, tubos de vidro, papelinhos, laranjas, luva de areia “destinada a cair de chofre”, barro, fogareiros e tachos. Diversões taxadas pelos cronistas de época, como pouco civilizadas e grosseiras.
Em tempos mais recentes, se registra, em algumas localidades, no folclore de Portugal e Galiza, ainda existentes, folguedos chamados “os caretas” (por usarem máscaras do período do Magusto, aproveitadas das luminárias) que durante o entrudo ou entruido / andruido (em Galiza) saiam pelas estradas e vilas rurais chicoteando mulheres, sobretudo, as casadas sem filhos, com tiras de porco. Reminiscências de um período mais arcaico?
O Entrudo no Brasil:
Entrudo em um ambiente familiar, Rio de Janeiro, 1822. |
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