"A Igreja não são seus padres, são seus Santos."
George Bernanos.
Darcy Ribeiro recordando alguns episódios de sua infância, em referência a cultura popular de Montes Claros, nos conta:
“
Levei uma surra de mamãe, tremenda, numa noite em que fiquei até de madrugada acompanhando um grupo de pastoras pelos arredores da cidade. Ela tinha mobilizado meus tios, a policia e já ia pedir socorro aos Ribeiro quando apareci, lampeiro. Era já minha vocação de etnólogo e eu nem sabia.
Levei uma surra de mamãe, tremenda, numa noite em que fiquei até de madrugada acompanhando um grupo de pastoras pelos arredores da cidade. Ela tinha mobilizado meus tios, a policia e já ia pedir socorro aos Ribeiro quando apareci, lampeiro. Era já minha vocação de etnólogo e eu nem sabia.
Essa é a religiosidade festiva que
aprendi. A das festas, das folias, dos santos milagreiros. Um para cada
especialidade: casar gente, achar chave perdida, curar doentes, qualquer coisa.
Sobre todos eles reinava a Rainha do Céu, Nossa Senhora. Mil vezes mais
importante que Deus, porque o tivera na barriga. Milagreira como ela só, em
suas várias encarnações: da Assunção, que foi inteirinha para o céu, do
Perpétuo Socorro, com sua cara eslava, que era protetora de mamãe e mutíssimas
mais, echendo de fé e esperança os corações das mulheres.
Deus mesmo não tinha muito
importância. Ou era importante demais para se ocupar dos probleminhas do povo
de Montes Claros. Suas encarnações ostentosas me atiçavam a curiosidade. Para
mim o melhor era o Deus Menino que renascia todo ano no Natal. Soturno, mas
assustador, era o Senhor Morto das procissões de Sexta-Feira Santa, acompanhado
por gente encapuzada batendo matracas. Do Deus Pai eu não sabia nada. O divino
Espírito Santo não. Este era visível na pomba que se punha em varas, acima de
tudo nas procissões e sobretudo nas folias, que era a maior animação da
religiosidade antiga.
O movimento da ortodoxia romana
comandado pelos padres de batina branca que nem se casavam, falavam mal o
português e só sabiam perseguir as formas tradicionais de religiosidade popular
quase matou o catolicismo em Montes Claros. Nos espaços abertos por eles se
multiplicaram o espiritismo, o candomblé e ultimamente o protestantismo, cada
vez mais vigorosos.”
O tal “movimento da ortodoxia
romana” que nos reporta Darcy Ribeiro, advinha do Concílio Vaticano I (1869-70), projeto conservador, marcado pelo
centralismo institucional e doutrinário de Roma, e que tinha por objetivo recuperar
o poder da Igreja nas mãos do papado. Essa nova diretriz, advinda do Concílio
Vaticano I, trazida por bispos formados em seminários europeus no Séc. XIX e
engajados no processo de “romanização”, deu início a um combate sistemático a
religiosidade popular e mesmo ao catolicismo institucional que se praticava no
Brasil. Como o de padres se casarem, comum ao longo de toda vida colonial
brasileira. Daí surge esse embate, que doutrinariamente se fala entre o Catolicismo Popular ou Tradicional (próprio das tradições do
Brasil) do Catolicismo Romano, à
época circunscrito ao Vaticano.
O Catolicismo no Brasil, desde
seu início, manteve relativa autonomia de Roma, posto a vigência do Padronado
Régio que conferia a monarquia portuguesa a nomeação de bispos, bem como a
organização da igreja. E assim, o catolicismo brasileiro resguardou em muitos
aspectos uma religiosidade medieval, mais do que em Portugal, posto o maior
isolamento e mesmo a pouca, quando nenhum trabalho de catequese no Brasil. Isso
se aprofundou com o fim da união ibérica (1640) e a formação da dinastia de
Bragança quando a igreja católica mantém o seu apoio à Espanha e só vem a
reconhecer a nova dinastia (dos Braganças) no mandato de dom João V em 1732.
Até então, o papa Urbano VIII havia recusado os embaixadores portugueses no
Vaticano e negado a ordenação de bispos portugueses indicados por dom João IV.
Essa tensão entre Roma e Portugal, corroborou para a manutenção de um catolicismo
arcaizante, ligado as tradições populares.
Autores como Hoornaert, considera
que o catolicismo que migrou para o Brasil foi uma cultura de simbolismo cristão,
que refletia a própria cultura portuguesa da época. Não era uma ação oficial da
Igreja, mas apenas um “cenário”, formado por imagens, discursos, gestos e
símbolos, que se expandiu com o processo de colonização. O desenvolvimento da
cristandade na América Portuguesa, se deu, portanto, com os capelães dos
engenhos de açúcar, nos arraiais mineiros, nas pequenas vilas e povoados
bandeirantes, nos aldeamentos, nas fazendas de gado, nos garimpos, nos galpões,
expressando assim um caráter local e regional diferente do que se viu, por exemplo,
na América Espanhola.
Até mesmo a incorporação das
procissões a locais “sagrados”, ou por aparecimento de Santos ou de peças
recheadas de simbolismo religioso, rememorando uma tradição pagã de ritual,
neste caso muito mais ligado a uma memória de um catolicismo popular português
que ganha um novo contorno no sincretismo à brasileira. O mundo rural segue no
ritmo ditado pela natureza, com fases definidas entre plantio, colheita,
preparação do solo, secas e chuvas. Pela relação mais íntima ligada ao mundo da
natureza elementos pagão são incorporados aos ritos católicos, esse processo
faz com que as festas religiosas se desenvolvam com maior intensidade no
ínterim das estações. As festas religiosas são concomitantes a períodos
posteriores a colheita ou ao plantio, quando a necessidade do trabalho braçal
se faz menos presente. Assim os folguedos e os feriados vão se desenvolvendo na
cultura popular associando a religiosidade ao não trabalho, domingo e dias
santos livre das chibatas por si só gera motivo suficiente para a conversão de
almas escravas. Para as almas indígenas os dias Santos serviam como uma
rememoração da sua cultura ancestral, das festas “públicas”.
Vários elementos da festa do
Divino – como o Imperador, a coroa, o estandarte, a realeza – lembram a
história de Carlos Magno e os Doze Pares de França, presente tanto nos sertões
nordestinos, como na zona serrana catarinense. Falando sobre o assunto,
Ferreti, com base nos estudos de Pereira de Queiroz (1965) e Silva (1980),
mostra como a festa foi modificada e reinventada durante o movimento messiânico
do Contestado. Assim como entre os religiosos do sul, liderados pelo Monge João
Maria, nos terreiros de mina do Maranhão, a festa é organizada pela população,
sem a participação do clero, ou seja, uma iniciativa não oficial. A Igreja
Católica “ignora a festa do Divino, não
desenvolvendo atividade pastoral específica, embora no passado certamente tenha
assumido papel atuante na divulgação desse costume” (FERRETI, 1995, p. 18).
Diversos movimentos populares de
caráter messiânico, em fins do século passado, o catolicismo tradicional, de caráter leigo e medieval, aflorou com
bastante ímpeto. O apoio da Igreja a campanha de Canudos guarda estreita
vinculação com as diretrizes traçadas pelo Vaticano I, bem como, contra, o ulterior
movimento do Contestado em Santa Catarina e a perseguição ao Padre Cícero.
As deformações do concílio do
Vaticano I, que tanto mal causou ao catolicismo, serão agravadas com o Concílio do Vaticano II, que promove uma série de reformas, agora com fito de desconstrução doutrinária do catolicismo, advinda de infiltração maçônica. O uso de vernáculos locais, como era praxis no Brasil colonial, como uso do Tupi, eram usados nas pregações e catequeses, não nas missas. Todas as heresias do Vaticano II, merece um artigo a parte que trataremos futuramente. O papa João Paulo II, reputado, falsamente, como "conservador" pela imprensa hegemônica, é o reformador, que levará a cabo a desconstrução do catolicismo, ampliando e sedimentando as heresias do II Concílio, propiciando assim, a expansão das seitas neopetencostais, fenômeno não só observado
no Brasil, como em outros países de tradição católica.
Concomitante, há o combate a
propostas mais populares, como a Teologia do Povo, e o distanciamento da
igreja do povo. O número de párocos mingua ano a ano, e um rebanho sem pastores
vira presa fácil de lobos.
Ver também:
São Rafael Arcanjo - O Anjo da Guarda do Brasil.
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São Rafael Arcanjo - O Anjo da Guarda do Brasil.
O Dia de Todos os Santos, o Culto aos Mortos, uma Fé Celto-Católica.
O que é a Lenda Negra? O Imperialismo Ataca Nossa Identidade!
A Teologia do Povo
As Relações da Igreja com a Monarquia e o Castilhismo.
Trabalhismo e Solidarismo.
A Contribuição de Alberto Pasqualini ao Trabalhismo Brasileiro.
Corpus Christi - O Sangue Divino de Cristo e o Santo Sudário
O Pai Nosso, Traduzido do Original em Grego para o Português
O Pai Nosso, Traduzido do Original em Grego para o Português
As Relações da Igreja com a Monarquia e o Castilhismo.
Trabalhismo e Solidarismo.
A Contribuição de Alberto Pasqualini ao Trabalhismo Brasileiro.
Não concordo com algumas coisas ditas no artigo.
ResponderExcluirO Vaticano Segundo professou varias doutrinas erradas contra a doutrina da Igreja e até heréticas, vindas do liberalismo (todas as religiões seriam boas, "ecumenismo", etc) e na liturgia ele foi além do vernáculo e criou uma nova liturgia protestantizada, contra todas as tradições liturgicas da Igreja (incluindo as do Brasil).
João Paulo II não foi co tra o concílio, mas, pelo contrário, fez avançar ainda mais o "ecumenismo".
O C. V. Primeiro, por outro lado, definiu uma importante verdade da Fé, mas foi e ainda é mal interpretado no sentido de exagerar o poder e a posição do Papa com relação à Igreja (os outros bispos do mundo) - a tal ponto que o proprio Pio IX assinou ua carta dos bispos alemães explicando ao seu governo qual a correta interpretação do dogma.
Acredito que as preticas próprias do Brasil, com certas restrições como o sincretismo - e veja que eu sou bahiano - são um patrimônio importante para a Igreja e devem ser preservadas.
Qual é a sua opinião a respeito da Teologia da Libertação?
ResponderExcluirEquivocada. Veja o artigo "Teologia do Povo" é a que seguimos.
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