sábado, 23 de março de 2024

O Império Brasileiro - 1ª Parte: Da Conquista à Reconquista e à Nobreza da Terra.

"Somos os filhos dos conquistadores, os herdeiros de sua saga, a chama de sua eternidade!" - Eva Peron, 1951.


Quando do seu descobrimento em 1500, o Brasil já nascia com um território delimitado pelo Tratado de Tordesilhas. Ao fim desse mesmo século, mais rico e próspero que Portugal, já era elevado a Reino, possuindo armas próprias e com um governo central, sendo digno de ser sede do Império português. Quando na crise de sucessão que culminou na União Ibérica, el Rey de Espanha, D. Felipe II, oferece a coroa do Reino do Brasil ao também pretendente, o Prior do Crato, em troca do seu reconhecimento como soberano de Portugal. Era assim, o Brasil um Império desde seus primordios. 

Por "Império", ao contrário do que alguns apedeutas propalam, não se trata apenas de um governo sobre diferentes reinos, povos ou nações distintos. Embora tais casos possam ocorrer, o termo não está atrelado a uma forma de governo específica, como a monarquia, como comumente se associa. Mas, sim, a um governo soberano, seja ele monárquico ou republicano, que se estende por uma vasta extensão de terra, um Império! E um império, uma vez fundado, por sua própria natureza, tende a uniformizar culturalmente e etnicamente eventuais povos de matizes diversas que se encontram sob sua soberania.

O Brasil que nasce carrega consigo essa natureza imperial, de aglutinação centrípeta pelos portugueses, dos povos com os quais toma contato, assimilando-os e incorporando-os à civilização lusitana. E que resultará na formação da etnia brasileira, e na consolidação do Brasil como um Estado-Nação uni-étnico. 

O mesmo processo se operou durante o Império Romano, que "latinizou" os povos submetidos ao seu império. Em contraste, temos o império britanico, com sua política de exterminio, incluso europeus, como os irlandeses, quase exterminados, quando foram mortos 90% da população pelos ingleses. Os povos latinos, legatários do Império romano, acabaram incorporando esse élan assimilatório, mesmo a França, a mais "germânica" dos latinos tendia a um maior humanismo. Todo o império tem essa característica, inata, a sua natureza, ou assimila, ou elimina os povos conquistados. Não existe a fantasia de "unidade na diversidade" como alguns grupos obscurantistas iludem os desavisados, para que assim, baixem a guarda, e possam melhor apunhalar pelas costas. 

Quanto a Portugal e Espanha, apesar das semelhanças entre portugueses e castelhanos, a colonização portuguesa diferiu muito da espanhola. Nos seus dois primeiros séculos, a colonização do Brasil, tendeu mais a uma colonização dita de “povoamento” do que de “exploração” (os termos são imprecisos e já deveriam ter sido abandonados pela historiografia). Se caracterizando pela:
a) luta contra o estrangeiro; 
b) assimilação do gentio; 
c) e exploração estável da terra, pela agricultura. A mineração, a grande desgraça do Brasil colônia, só veio mais tarde, quando o essencial, na formação, já estava feito. 
A luta dos brasileiros contra estrangeiros, é única, em todas as Américas: fomos sempre investidos, mais do que qualquer outro, e resistimos sempre, eficazmente, às invasões. As colônias de Castella não conheceram, nunca, as necessidades de uma defesa permanente como a nossa, ante os franceses no primeiro século, e, menos ainda, as guerras de longa reconquista, como a que tivemos de fazer ao holandês. 

O Brasil foi como um escudo que protegeu as colônias espanholas. Se tivessem se estabelecido em definitivo na embocadura do Amazonas, como intentaram ingleses, holandeses e franceses, e dali não terem sido alijados a ferro e fogo pelos brasileiros, ter-se-i-a perdido não só aquela costa norte, como toda a bacia interior do imenso vale amazônico.

O próprio governo de Madrid reconhece o grande perigo de tais piratas dominarem o rio-mar, que leva as portas do Peru, donde vem a preciosa carga para os famosos galeões; considera seu o Amazonas, e nada faz para garantir-se sobre suas águas francas. Os continentes estavam abertos, aos espanhóis, para que garantissem, sua posse efetiva, ao que era domínio virtual; eles, porém, só penetram as terras enquanto a miragem, do El dorado lhes dança a vista, alucinada. O castelhano, na América, não pretendia mais do que dominar, e colher ouro. Nos dois primeiros séculos, o que não dava ouro não merecia atenção. E o ouro fê-lo saltar no fundo do grande golfo, ganhar a costa do Pacífico, e firmar os seus principais estabelecimentos a coberto das investidas da pirataria, de onde sairiam as outras colonizações: francesa, holandesa, inglesa. As mais terras que a partilha lhe dera, Espanha as abandonava, indefesas, a quem as quisesse. Com isto, se eximiram, as colônias castelhanas, de duras guerras de defesa, como as conheceu o Brasil, que alija inexoravelmente franceses, holandeses e ingleses, que se obstinam ao longo de toda sua costa, até o Amazonas, enquanto Castella os deixa no Orenoco, Guiana...., naquela parte indiscutivelmente sua. A única feliz medida nesse sentido, quando já na União Ibérica, foi a del Rey D. Felipe II, que entrega a defesa daquelas terras ao brasileiro Bento Maciel, lhe outorgando a posse da então Capitania do Cabo Norte, atual Amapá, e que assim, conservou os domínios de Espanha, que se transmitem  a Portugal finda a União. Da América Espanhola, só foram totalmente respeitadas aquelas da parte sul (o Prata), garantidas pelos brasileiros, que ao se defenderem, defendiam o resto do continente, e enquanto Castella perdia as Antilhas e as Guianas, o Brasil permanecia intacto.

Com as facilidades que as grandes águas interiores lhes ofereciam via Amazonas e o Prata, os espanhóis e os seus descendentes, poderiam ter limitado o domínio português, ao que foram originalmente as capitanias hereditárias, e teriam sido os donos quase que exclusivos do interior do continente: derramando-se pelo Orinoco, Amazonas e Paraguai-Paraná, assim, poderiam ter cercado constritamente o Brasil, tanto mais quanto estavam no alto-Paraná bem antes dos paulistas. Isso, se fossem movidos pelo mesmo espírito e objetivos dos portugueses, qual seja, o de estabelecimentos definitivos, agrícolas, que viabilizou a incorporação da terra, e a assimilação do gentio a civilização portuguesa,  representada nos em seus elementos fundamentais, a fidalguia!

A ocupação da terra, pelos portugueses, por intermédio das capitanias hereditárias,  e assim, o estabelecimento de uma fidalguia lusitana, que, aproveitando dos indígenas grande parte do que era neles generoso e bom, fez surgir uma nobreza da terra, e que dilataram, naturalmente, irresistivelmente, sobre a terra, que, sendo destes, era daqueles que, em parte, procediam como seus continuadores. E assim, os segredos da terra se revelavam mais facilmente, e o continente passava insensivelmente de uns para os outros, seus descendentes, dando, desde cedo, uma consciencia, uma identidade, de defesa sobre a terra, essa Terræ Braʃil, sua Pátria! Permeando suas características constituintes: seu Sangue, sua Língua e a Santa Fé Católica Apostólica Romana.

Esse sistema diferiu em muito da colonização espanhola, francesa, e mesmo portuguesa, no oriente e em África.  A inexistencia da formação de uma fidalguia local nesses centros, impossibilitou uma defesa sistematica quando o Estado português decaiu com a União Ibérica. 

Na Índia, os batavos tinham virtualmente destituído Portugal. Na América, estabelecidos definitivamente em Pernambuco, eles seriam senhores do império português-castelhano. Quando Olinda caiu, houve consternação em Madrid. De 1623 à 1646, só de portugueses e espanhóis, a Companhia das Índias raptou 547 navios, presas que enriqueceram para sempre a Holanda.

Em forças e recursos militares a superioridade da Holanda era indiscutível. Antes mesmo de receber qualquer dos reforços enviados especialmente contra a Insurreição, os holandeses podiam opor-lhe segundo os próprios: “mil e quinhentos homens, de tropas europeias, bem armadas, perfeitamente disciplinadas, e acostumadas a considerarem-se superiores a um inimigo a quem tantas vezes haviam desbaratado”. Essa era a verdade; mas faltou notar que as tropas desbaratadas eram os corpos regulares da metrópole, reinóis, e não corpos explicitamente, da terra, do Brasil. O mesmo Southey, donde vêm estas cifras, o reconhece: “Mal podiam os holandeses competir com homens como Souto, Henrique Dias, Camarão...”. Contra estes, de fato, as suas vitórias eram passes efêmeros: “Os holandeses sabiam que no Brasil mais facilmente se tomavam as fortalezas do que se as sustentavam quando ganhas”. Então, batidos, só restava, aos Holandeses, reconhecer e proclamar a valentia do inimigo pernambucano. “Os Pernambucanos podem bater-se (em 1648) com os mais exercitados soldados... Contra semelhantes adversários, são ineficazes os mais vigorosos esforços” diz resignado o holandês.

O próprio inimigo confirma, com palavras que constituem verdadeiro louvor à constância e fidelidade dessa nobreza da terra: "a fidelidade dos moradores era tão grande - escrevia o tenente coronel Byma, em 1634 - que eles preferiam morrer ao pé das árvores do que abandonar os lugares onde viviam". E acrescenta: 
"Que a constância dos moradores foi muito grande, é coisa suficientemente reconhecida, pois eu penso que por constante deve ser considerado quem suportou tão dura guerra durante anos e em tantas ocasiões viu queimar-se em navios e armazéns tudo quanto haviam acumulado. E quem viu uma tão bela cidade ser arrasada inteiramente, todos os negócios e o comércio suspensos e dificultados e finalmente expulsos de suas casas e fazendas; muitas vezes saqueados, espoliados, separados de esposas e amigos em consequência da guerra, sofridas tão terríveis prisões e exílios em ilhas distantes, tão grandes desgostos em ver as suas mulheres e filhos fugir pelos matos como bichos e que muitas vezes maiores sofrimentos suportavam em consequência das desordens dos soldados. Tudo isto é bem conhecido e constitui o elogio da sua constância". 
Diz mais que os soldados napolitanos e espanhóis e mesmo os portugueses vindos do reino não lutavam senão com boa paga e assim mesmo com má vontade. Os da terra foram os que verdadeiramente se esforçaram e "suportaram durante longo tempo os horrores da guerra".

Depois, ainda haverá um Oliveira Martins, insigne historiador português, para relembrar: “Deu-se o Oriente aos holandeses, e se não se perdeu o Brasil, foi porque ele próprio soube defender-se... O Brasil pôde salvar-se, apesar de tudo que D. João IV fizera para perdê-lo”.