"Sempre
nos disseram que o Brasil era muito português, misturado com o africano e o
indígena, mas mais que português é
galego."
Carlos Nunez
Músico galego Carlos Nunez |
Carlos Nunez é um dos mais prestigiados gaiteiros da Galiza, ganhou projeção mundial compondo a trilha sonora da obra cinematográfica "Mar Adentro". Após três anos morando no Brasil, em 2009, lançou seu album "Alborada do Brasil", que reuniu uma gama de artistas como: Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Lenine, Carlinho Brown, etc..., no qual manifesta as raízes galaicas que encontrou na música brasileira. Posteriormente, esse trabalho etno musical, rendeu um documentário: "Brasil somos nós".
Carlos Nunez conta que um dos motivos de sua vinda, foi a procura da história de seu avô que imigrou para o Brasil em 1907, e que havia sido morto no Rio de Janeiro. Aqui descobriu, que seu avô foi um músico bastante influente no Rio na época, que havia constituído uma nova família.
Durante sua estadia, Carlos Nunez atesta que a pegada galega no Brasil é mais profunda do que a portuguesa. Com a certeza de que o Brasil é a Galiza do futuro, que nos três anos de preparação: "me sentia na minha casa nos dois países: o Brasil era a Galiza, e a Galiza era o Brasil."
Indagado no que o Brasil tinha em comum com a Galiza, diz:
"O Brasil está cheio de cultura galaica, de fogueiras de São João, noites de luar, orvalho, lobisomem, coroças, luscos-fuscos... Essa Galiza profunda está viva no Brasil, mas pouca gente passou o trabalho de pesquisar o que se passa no terreno musical."
"Sempre nos disseram que o Brasil era muito português, misturado com o africano e o indígena, mas mais que português é galego. Quando exploramos o terreno musical está claríssimo que aquele Portugal que chegou ao Brasil há 500 anos com instrumentos como a gaita era mais galaico, menos lusitano. O objetivo deste disco é abrir esse grande segredo que esconde o Brasil que no fundo esconde uma Galiza, misturada."
Discorrendo sobre a imagem vendida do Brasil para o exterior, "turística", Carlos Nunez faz um paralelo com a Espanha em que se veiculam a imagem caricata de: "touros, flamengo e futebol".
"Eu não vim a procura desse lado turístico do Brasil que todos conhecemos. Procurei o lado galego, esse que não teve as oportunidades do outro mais oficial de capoeira, samba e futebol...
Do Brasil (no exterior) somente se conhece samba, carnaval e futebol, ou seja, o Brasil turístico, e isso não é Brasil, é uma minoria, a maior parte da música brasileira lembra mais daquela música desconhecida do Norte de Portugal, do Norte da Península Ibérica, que para o samba. Este outro Brasil que descobrimos com este disco conecta com esta Espanha. Eu fiquei feliz porque o vice-presidente Fernández de la Vega, recomendou o disco Alborada do Brasil durante uma viagem ao Brasil, quando esteve com Lula poucos dias. Perguntaram-lhe por seus gostos musicais e recomendou especialmente o disco Alborada do Brasil " Puxa, menos mal, por fim, não somente, flamengo!"
Dos lugares em que mais achou ligações com a Galiza e Portugal, Carlos Nunez afirma que em todo o Brasil se constata essa presença galaica, variando sua intensidade conforme "os diferentes momentos de nossas ondas, ibéricas ou galaicas, para lá". Ressalta, porém o nordeste do Brasil, como também Minas Gerais e os Sertões, citando ainda o Rio de Janeiro bem como os demais centros urbanos, havendo nesses, uma mescla maior com ritmos e estilos contemporâneos.
O nordeste do Brasil, a área de Pernambuco, mesmo a Bahia, é a parte mais antiga. O nordeste foi a primeira região a ser colonizada e encontramos músicas peninsulares que lembram muito a música da gaita-de-foles, porque foi a gaita-de-foles, o primeiro instrumento que levaram os portugueses lá em 1500, quando chegaram à praia de Porto Seguro. Na carta do Descobrimento, redigida por Pero Vaz de Caminha, nos conta como se abaixou um gaiteiro que começou a tocar aos índios, eles gostaram, e a partir daí isso foi como uma bomba. A gaita foi o instrumento que lhes juntou-se acima das línguas. Os jesuítas escreviam cartas que diziam que não haverá um chefe índio que não deixe seus filhos para que lhes ensinarem a tocar. Encontramos gaiteiros negros em quadros, gaiteiros indígenas, com penas, algo impressionante. Depois da gaita de fole foi desaparecendo, mas sua alma ficou no imaginário da música. A alma da gaita continua a existir na alma da música popular, as melodias, os modos, as quedas...
No Sertão, que vem do deserto e é o grande deserto no interior do Brasil, salve a nossa idade média viva. Lá você encontra instrumentos que estão esculpidos no Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, instrumentos medievais, que já não há quase na Europa, como as rabecas ou até as violas medievais, e que continuam tocando e a serem construídas no interior do Brasil. Por isso, eles têm o sonho de que no interior do Brasil é a Idade Média, é por isso que Paulo Coelho se tornou tão famoso com esse livro sobre o Caminho de Santiago, esse imaginário medieval no Brasil é fortíssimo...
Em Minas Gerais, lá se encontra uma Galiza do período Barroco. Era a febre do ouro, para onde iam os Minhotos, eram áreas repovoadas por galaicos provenientes da zona do Minho, em toda a zona de Portugal, do Porto para cima, foi a Gallaecia histórica, eles repovoaram Minas Gerais. Daí o uso da gaita, de costumes, como as fogueiras de São João, o advento e todas essas palavras mágicas galegas que estão no Brasil. Foram conduzidas pela Galiza e Portugal antigo, em Minas encontramos essa parte de festas galegas e melodias muiñeirosas, como se fossem muiñeiras mas na música brasileira. Em cada parte do Brasil encontra interações diferentes.
Há novas áreas, como o Rio de Janeiro, as cidades burguesas, onde existe mais a interação com os negros africanos, com o século XX, as harmonías do jazz, a música de guitarra está muito misturado com a música popular do século XX. Os galegos, como meu bisavô, participaram da criação de todas essas músicas que são no fundo, a soma da polca europeia com todos os ritmos internos brasileiros, como o samba ou o caxixe, tudo isso.
Linguisticamente, Carlos Nunes, também constata essa maior proximidade do português do Brasil com o da Galiza, do que entre o de Portugal. Oque explica pela uma melhor conservação da língua no Brasil, que conservou vários arcaísmos como ainda se observa na Galiza também. Propugnando que o idioma galego, tão combalido na atualidade pelo castelhano, e ameaçado de extinção, encontra no Brasil um poderoso meio para se manter vivo.
"No Brasil descobres o poderio enorme que tem o galego. Insisto em que não sou linguista mas descobri que o brasileiro é mais semelhante ao galego que ao português, percebe-se melhor. No Brasil guardam muitas coisas do galego antigo, das cantigas de amigo, do mundo dos trovadores e poesia galego-portuguesa, que se perderam por influência do castelhano. Não viria mal fazer um pouco de esforço na escola e, do mesmo modo que aprendes a gramática galega oficial, aprender o português. Se são três ou quatro coisas! Por esse pouquinho mais de trabalho podes chegar a mais de 200 milhões de falantes. Uma vez Jordi Pujol disse-me que o problema do galego era que estava castelhanizado de mais e não o entendi, mas agora captei a mensagem deste catalão que se dava conta das possibilidades do nosso idioma."
".... galego lhe vai abrir portas no mundo, de que podes perceber-te com 200 milhões de pessoas porque, como diz Caetano Veloso, 'é uma língua superior para cantar e para a poesia'."
Descobrimos a nós mesmos, por que alí (Brasil) se guarda nosso passado, nossas antigas tradições peninsulares e, certamente, guardam o nosso futuro, porque foram misturado com muitos outros componentes, como a música afro, música indígena, etc, é como uma música do futuro, que aponta para muitas questões. A ter misturado bem, fizeram-no com sabedoria e, de alguma forma, incorpora a minha música uma espécie de glamour urbano, porque o invadiu a partir do rap no Início de Rosalía de Castro, toda a parte do swing, lundum africano, esses ritmos sensuais, essa sensibilidade das melodias adaptadas ao ritmo...é um grande mistério o Brasil, que aí estava isolado. Todo o mundo sabia da ligação linguística, o brasileiro é como um galego antigo, nos entendemos melhor brasileiros e galegos, que galegos e portugueses, porque no Brasil se mantêm toda uma série de palavras antigas do galego, da época das cantigas medievais, que chegou ao mundo moderno através de trovadores contemporâneos, como Adriana Calcanhotto, ou Caetano Veloso, são todos contemporâneos, que, de repente, se falam de "as noites de luar" "as noites das estrelas", são criadores urbanos, como trovadores que jantam sushi e moram em apartamentos.
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