sexta-feira, 5 de julho de 2019

Brizola e o Trabalhismo Australiano


Quando regressou do exílio em 79, Brizola voltou falando da Austrália, do Trabalhismo Australiano (Australian Labor Party). Sua estadia nos EUA, e posteriormente em Portugal, o fez tomar contato com as outras vertentes trabalhistas no mundo, e enxergou no Trabalhismo Australiano, uma maior similaridade com o Trabalhismo Brasileiro, ante ao mais propalado Trabalhismo Britânico. Oque o motivou a ingressar na Internacional Socialista. 
" [.....] a Austrália é talvez o melhor exemplo que nós podemos invocar para o Brasil. É um país jovem, economia baseada na agricultura, na produção de grãos e nos produtos pecuários e na exportação de minérios, e até tem uma indústria que não chega aos pés da nossa, é um país perdido, distante do mercado, lá nos confins do Oceano Pacífico. A população é menor, mas se nós tirarmos o deserto, verificamos que os 17 milhões que tem a Austrália correspondem a uma densidade demográfica mais ou menos igual à nossa. E como é que aquele povo tem aquele altíssimo padrão de vida, com altos salários a nível europeu? Uma camareira de hotel ganha US$ 950 por mês, uma menina começa a trabalhar numa loja com US$ 800 por mês, o peão rural ganha US$ 800, todos ganham por semana US$ 200, até os militares, até o primeiro-ministro. Como é isto? O padrão de vida lá é mais alto? É, mas não é 30, 40 vezes como é a diferença de salário! É duas, três, quatro, cinco vezes, embora o aluguel lá, por exemplo, seja mais barato que aqui. Uma cidade como Sidney não tem uma rua sem pavimentação, sem cabos telefônicos, sem energia, sem água e sem esgoto! Não há um barraco, não há urna favela! Quer dizer, como é isto? Os mais altos executivos ganham oito vezes, nove salários mínimos. Ganham pouco? Não, o salário mínimo é que é alto! E como chegaram a isso? Esse Fisher, a primeira lei que ele propôs foi chamada de New Protection. E dizia que a proteção alfandegária que se devia dar às empresas não devia ser igual, horizontal, universal; devia ser especifica. Quanto mais altos fossem os salários e os benefícios aos seus operários, maior a proteção. Aí começou tudo." - Brizola. 
Andrew Fisher
Andrew Fisher, a quem se reporta Brizola, era escocês, trabalhava em uma mina de carvão e imigrou para Austrália em 1885. Foi primeiro ministro da Austrália em três mandatos consecutivos pelo Partido Trabalhista Australiano (Australian Labor Party) : 1908-09, 1910-13 e 1914-15. E líder do Partido Trabalhista de 1907 à 1915. 

O governo trabalhista de Fisher de 1910 à 1913 instituiu um vasto programa legislativo que o converteria, junto com o protecionista Alfred Deakin, no fundador da estrutura estatutária da nova nação que se fundava. 

O governo de Fisher representou em 1910 vários marcos: foi a primeira maioria absoluta de um governo federal na Austrália, a primeira maioria no Senado e a primeira vez no mundo que um partido trabalhista tinha a maioria de governo em nível nacional. Ao mesmo tempo, representou o auge da participação dos trabalhistas na política. Com a aprovação de cento e treze leis, o governo de 1910 à 1913 foi um período de reformas sem igual na Commonwealth até a década de 1940. Tendo exercido o poder durante um total de quatro anos e dez meses, Fisher é o segundo primeiro-ministro trabalhista australiano de mandato mais duradouro.

Fischer instituiu um imposto territorial contra os latifúndios que crassavam na Austrália, afim de dar maior alcance para a agricultura de pequena escala. Instituiu ainda uma ampla legislação trabalhista e de seguridade social como a redução da pensão na velhice de 65 para 60 anos. Fez aprovar a maternidade subsidiada, que permitiu o acompanhamento médico as gestantes, reduzindo as taxas de mortalidade infantil. Tornou obrigatório a preferência para sindicalistas em cargos federais, foi também introduzida, para os Marinheiros a Lei de Compensação de 1911 e o Ato de Navegação de 1912, adotados para melhorar as condições para os que trabalham no mar, juntamente com mecanismos compensatórios para os marinheiros e os parentes mais próximos. A Elegibilidade para pensões também foi ampliado. A partir de dezembro de 1912 em diante, naturalizados residentes já não teve que esperar três anos para ser elegível para receber uma pensão. Nesse mesmo ano, o valor de um pensionista do lar foi excluído de consideração ao avaliar o valor de sua propriedade.

Fischer ainda tentou implementar um corpo legislativo para nacionalizar monopólios privados. Sendo derrotado no parlamento por 51% dos votos.

Tudo isso, note, ante da Revolução Russa de 1917.... e ninguém taxava a Austrália de "comunista", ou de ser uma "República sindicalista" como alcunharam posteriormente Vargas e Peron. 

Foi ainda com Fischer, que a industria automobilística australiana floresceu, com a proibição da importação de automóveis ao fim da primeira guerra, liberando apenas o chassi, após a II Guerra, em 1945 o governo australiano proibiu a importação total: nem mais chassi podia importar, foi quando a Austrália, produziu seu primeiro carro nacional, o Holden FJ-215.
Holden FJ-215

Depois da II Guerra, a economia australiana deixou de ser predominantemente rural. Foram descobertas uma quantidade e variedade de recursos minerais que transformou o país, em poucos anos, no principal exportador de matérias primas e combustíveis de origem mineral para o Japão.

A indústria tomou um forte impulso com a injeção de capitais nas empresas já existentes e com a criação de novas unidades produtivas, particularmente refinarias de petróleo, fábricas de veículos motorizados e siderúrgicas. 

O número de fábricas existentes em 1946, que era de aproximadamente 30 mil, mais que dobrou no pós-guerra, e passou a ocupar , apenas na indústria manufatureira, a quinta parte da força de trabalho disponível . 

A indústria automobilística, empregava diretamente 5% da mão de obra industrial, e era responsável pelo funcionamento de grande número  de empresas com atividades afins.  
" [....] eles (australianos) construíram, através do tempo, mecanismos, instituições de defesas da economia nacional, por isso eles se capitalizaram. Eles ficaram, depois da guerra, sob as asas do Commonwealth britânico, e não tiveram, não se submeteram a esse tipo de política econômica em que toda a América Latina e as Filipinas caíram. As elites desses países, depois da guerra, se viram fascinadas pelas fórmulas do sistema americano. Eu até, às vezes, eu até reconheço que, finalmente, era de se fascinar, porque aquela economia enorme que deu certo, um país vitorioso, oferecia para a casta dominante da economia brasileira muitas facilidades: “Não, nós vamos aí com o capital estrangeiro, vocês tem que abrir. Nós levamos tecnologia, levamos tudo. Nós levamos nossos técnicos, levamos as nossas máquinas e o máximo que vocês têm que fazer é ler os nossos catálogos, os nossos livros de instruções, nossos manuais e pronto, vocês ficam manejando essas máquinas. Não se preocupem porque essas máquinas funcionam, nós levamos tudo para vocês. Nem precisam mandar os seus filhos estudarem tecnologia, ficam só de herdeiros, nossos sócios, então, ficam com grandes cartórios.... e deu no que deu. O modelo econômico que assimilaram ali, deu no que deu, foi ao fracasso e os australianos não embarcaram nisso. Logo criaram o mercado interno, criaram os sindicatos, fortaleceram os sindicatos, distribuíram a renda, chegaram àquele enorme mercado interno para sua economia, se auto-sustentaram e estão lá como estão. E nós nesse buraco, na crise, no desastre." - Brizola. 
Lula reporta sua conversa com Brizola, logo após o fim do primeiro turno em 89, quando ele foi ao seu apartamento na avenida Atlântica, pedir seu apoio para o segundo turno. Brizola lhe falou expressamente: "Você sabe, Lula, que estou lembrando de uma coisa? A Austrália teve um primeiro-ministro sindicalista que foi o cara responsável pelo desenvolvimento do país!", continua Lula: "Aí ele levanta, pega minha mão, e vai até a janela". 

Brizola apoia Lula para o 2º Turno em 89
Isso não foi por acaso, Brizola conhecia o antecedente histórico australiano:
" [....] estudei a fundo os antecedentes do Partido Trabalhista australiano porque, lá, alguns sindicalistas ascenderam da militância sindical diretamente para a função de primeiro ministro, à do gabinete. O que é a situação concreta do Lula. Aí por volta de 1910, a Austrália era o próprio capitalismo selvagem, com lutas sindicais, problemas de distribuição de renda, tudo numa situação talvez muito parecida com a situação brasileira de hoje. Houve o confronto e com a vitória do Partido Trabalhista começou a mudança na Austrália. E sabe quem ascendeu a primeiro-ministro, à chefia do governo, ou seja, quem foi o presidente, em termos brasileiros – porque lá o regime é parlamentarista? Pois foi um sindicalista de nome Andrew Fisher, operário das minas de carvão. Este homem foi por três vezes primeiro-ministro. E a partir daí veio toda a legislação social australiana, que foi entrando pelos anos 20, anos 30 e anos 40. Depois,em 1945, foi eleito um maquinista de trem, um maquinista de estrada de ferro que governou de 45 a 49 e antes tinha sido eleito o líder do Sindicato dos Cortadores de Lenha; e antes tinha sido eleito um gráfico e também um secretário do Sindicato de Estivadores. Quer dizer, dos oito primeiros-ministros iniciais do Partido Trabalhista cinco eram lideres sindicais." - Brizola.
Foram sob os governos Trabalhistas, que a Austrália fundou sua base de desenvolvimento, e quando o país mais prosperou.  O subdesenvolvimento que acometia a Austrália em fins do Séc. XIX início do XX, tornam o cenário australiano similar ao brasileiro. A criação pelos Trabalhistas de uma ampla legislação de seguridade social e trabalhista, junto a medidas nacionalistas, viabilizaram ser a Austrália um dos países com melhor padrão de vida, com o segundo melhor IDH do mundo!  

Brizola pretendeu fazer de Lula, o "Andrew Fischer" brasileiro, dotando-o de uma base política trabalhista, que lhe desse suporte (PDT-PT). Lula não teve a mesma grandeza do Brizola, preferiu se enveredar por arranjos fisiológicos ao invés de formar uma base política ideológica de cunho trabalhista. E nada como o tempo....  ao dar as costas para o Brizola, se voltou para as mesmas aves de rapina que atualmente lhe comem as viceras.
"Se é para copiar tudo dos trabalhadores estrangeiros, por que não copiar os salários? É o que interessa ao maior número de pessoas. É o que fazem os países que tem uma soberania relativa como é o caso da Austrália. Eu estive lá e vi com os meus olhos. Vi um peão rural que não só tem as garantias que têm aqui os trabalhadores brasileiros, como ainda ganha duzentos dólares por semana. Um peão rural. Imaginem o que ganha quem trabalha na indústria, nos escritórios, na parte mais avançada da economia."
"Uma vez perguntei a um grande dirigente, a um homem que foi alto dirigente norte-americano, um tipo amável para conversar: por que tratavam a Austrália com juros tão fáceis, emprestavam aos australianos o que eles queriam. Por que lá pagavam tão bem aos trabalhadores e os organismos internacionais não se metiam com o salário mínimo deles? Ele parou, me olhou e disse em inglês, traduzido por um brasileiro: Senhor Brizola, é que eles falam inglês." - Brizola. 



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