sexta-feira, 14 de maio de 2021

Estoicismo e a Virtus Romana, Perda e Queda

“Não sei afinar uma lira ou tocar harpa, mas sei como alçar uma pequena e insignificante cidade para a glória e a grandeza. ” - Temístocles

Como uma pequena tribo de pastores no Lácio, ascendeu como potência, em meio a outras civilizações muito mais antigas e avançadas?  E como essa mesma, civilização após atingir seu auge, decaiu? Se observa, com Roma, os mesmos fatores que fizeram outras civilizações ascender, e os mesmos vícios que as levaram a decadência.

Em sua marcha histórica, os romanos, sempre se destacaram por ser um povo disciplinado, austeros e mais do que qualquer outro, em sua época, moralizadores. Os valores do romano, desde as suas origens, é a virtude ou virtus, que deriva sua grandeza desde Rômulo, do qual todos os Romanos, de alguma forma, descendem, deste pastor divinizado, filho de Marte, fundador da nação romana. Portanto o Virtus, é um valor essencial para o Romano. La Fides, a "fidelidade" aos compromissos, tanto com os cidadãos como com os Deuses, é um valor essencial, como virtus, para a boa conformação de uma moral; Isso fica evidente quando o rei Numa (período da monarquia em Roma no século VI a.C.) funda as bases da religião e da fides do cidadão, a fé nos Deuses. E em terceiro lugar, as Pietas, que se referem a "uma justiça", uma justiça imaterial entre os homens e os Deuses, por exemplo, o dever de um filho é respeitar seus pais (pater familli), se o filho mata seu pai, deixa de pertencer ao mundo terreno, e tornou-se Sacer (foi-lhe sacrificado), e os Deuses o julgam, a fim de acalmar a sua ira e restabelecer o equilíbrio no mundo da civitas (cidade).

Assim, a virtus, a fides e a pietas romana coincidem com aspectos do estoicismo, coragem (virtus), justiça (pietas), autocontrole (fides e virtus) e sabedoria, dando assim, a passagem e a boa recepção, pelos circulos intelectuais, desta corrente filosófica em Roma no século III a.C.. Os estóicos e a filosofia estóica se tornarão "a base e o alicerce" da religião oficial em Roma. A assinalar, que a influência helenística, compreendida como os aspectos dominantes na Grécia na época do contato com Roma, foi em todos os sentidos, criticada, como uma sociedade ligada aos vícios, como na sátira de Lucílio e na poesia de Lucrécio (Epicurista).

Mesmo Cícero, grande admirador da cultura grega, via a Grécia doente e em plena decadência. Aconselha ao seu irmão que não se fiasse nos gregos senão em poucos e muito bem selecionados, que fossem dignos da antiga Grécia. Chega a dizer que os romanos eram superiores aos gregos: seus costumes e instituições, tanto na vida particular como na pública, eram incomparàvelmente melhores, e tudo o que tomaram emprestado da Grécia foi levado por eles a tal ponto de perfeição que os gregos nunca souberam atingir.

E Virgílio, que tanto deve a Homero e aos poetas gregos da época alexandrina, um espírito tão profundamente imbuído de idéias helênicas, uma alma tão sensível à beleza das perfeitas formas clássicas, mostra, Virgílio, a mesma reserva em relação aos gregos. Não só pelo fato de serem os troianos as vítimas de uma guerra com os gregos. Percebe-se, na obra virgiliana, uma incompatibilidade psicológica e moral com o gênio grego. Sinão é o protótipo da perfídia grega: et crimine ab uno diste omnes; também Ulisses, o herói versátil e inventivo de Homero, não encontra graça aos olhos do poeta romano: é ardiloso, vingativo, sem nenhum escrúpulo de ordem moral. O pius Aeneas, apesar do pouco jeito, apesar da pouca individualidade em comparação com os heróis homéricos, é um herói piedoso, justo, fiel, pudico e casto, um herói que encara sua existência em função de um ideal coletivo, sacrificando seus interesses pessoais em proveito do interesse público, nacional. Esse Enéias é o grande modelo romano, que Virgílio apresenta aos seus contemporâneos, Timeo Danaos et dona ferentes

A História mostra que povos atrasados, quando postos em contato com uma civilização mais avançada, em um primeiro momento, não adotam suas grandes conquistas culturais, e sim seus vícios e defeitos. Não resistem à fascinação que emana de uma civilização superior: o luxo, os prazeres, os requintes. A assimilação dos valores culturais mais nobres, segue-se muito tempo depois. Se é, que venha ocorrer algum dia. O que se verifica, é uma degeneração dos antigos costumes, uma degeneração rápida e chocante, que não deixa aos contemporâneos a possibilidade de ver o desabrochamento de uma nova e perniciosa moral.

O helenismo estava infectado pelo individualismo desenfreado, o abandono da antiga fides, da pietás, da verecundiá e de tantas outras virtudes nacionais; significava conforto material, luxo e voluptuosidade. Também não devemos esquecer que um dos ingredientes da humanitas romana, a paidéia, naquela fase da cultura clássica apresentava vários defeitos graves: enciclopedismo, epigonismo, verbalismo, ceticismo, além de desconhecer quase totalmente a necessidade de progredir. Foi uma circunstância trágica que, quando Roma entrou em contato com o mundo helenístico, este mundo já estava em plena decadência, apresentando muitos sintomas de cansaço e havendo de rejuvenescer só alguns séculos depois. 

O epicurismo, não atingiu o auge na República de Roma, devido aos seus postulados, “contrários à ideia dos Cives romanos (cidadão)”. O epicurismo é o Otium, ou seja, o lazer, que faz as pessoas se afastarem de seus deveres cívicos.

Ao contrário, o estoicismo insistia na necessidade do ascetismo para resistir às tendências que conduzem todos os seres ao prazer. Entre as virtudes cardeais: a Coragem (especialmente honrada pelos Romanos, para quem o serviço do soldado é o mais alto in dignitas, dentro do Estado), Justiça (todo magistrado romano, é um bom juiz depois) e Domínio de si mesmo (evitando prazer e lazer), enfim a Sabedoria que se realiza por meio do virtuosismo (virtus) ”.

É evidente que, uma corrente filosófica baseada no prazer, como o epicurismo, não iria atingir um desenvolvimento ótimo dentro de Roma, uma vez que os valores romanos não se baseavam no prazer, mas na ordem da alma: “Os valores e a moral dos romanos são virtus, fides e pietas”, o que significa que o prazer não tem lugar na vida de um “bom romano tradicional”.    

Agora, não há dúvida de que o declínio dos costumes em Roma, a partir do século II aC. É resultado da distorção dos costumes "do bom romano" e das novas influências externas, especialmente, do helenismo e seus maus hábitos relacionados ao lazer, são as causas da queda da República. É evidente que, à medida que os costumes decaem, as magistraturas e imperativos serão a expressão disso, dando origem a guerras civis que se encerrariam pelo caminho, com a República em 31, com a vitória de Octavio, e a instauração dele como Princeps em 27 A.C.

Já em tempos do império, o estoicismo não tem o mesmo brilho de antigamente, mas sim, eles são em parte a justificativa do poder imperial. É a justificativa do poder de Augusto (Octavio, filho adotivo de César) já que o estoicismo em uma de suas arestas “defende que um bom governo pode ser liderado por um só homem, já que, em uma sociedade, há homens melhores que os outros, para levar o destino de uma nação. Como Augusto não seria um estóico levando em conta esse postulado para se justificar no poder? É claro que, como o estoicismo, já se fundiu com o Estado romano, tornando-se a "filosofia oficial do Império de Augusto.

Nesse período imperial, respondem a um período do Império Romano, onde os costumes tradicionais (virtus, fides e pietas) foram esquecidos, de alguma forma, e foram dados a vícios dentro da cidade (festas, bacanais, luxos, etc). Sêneca, filósofo estóico,  questor, pretor, senador do Império Romano durante os governos de Tibério, Calígula, Cláudio e Nero, além de ministro, tutor e conselheiro do imperador Nero. Tenta influir, com suas obras moralizadoras, uma vida política correta ao cursus Honorum (curso correto nas magistraturas políticas em Roma). O bom romano e o cives (cidadão) não devem se dar ao luxo, pois o luxo é a base do otium, do qual derivam todos os vícios e, portanto, é um mal para o Império, assim diziam os estóicos na República. 

Os fundamentos do estoicismo,  são os mesmos de "um bom romano", e que Séneca, sem ser romano de nascimento, sabia aproveitar, levando em consideração outros aspectos, como justiça, sabedoria, autocontrole e os fundamentos da política estóica, para defender a formação de um Império. 

Das obras de Sêneca, mais do que as referentes à política, as mais importantes são aquelas voltadas para a "Moral" e os bons costumes.

Não é necessário recorrer a todas as suas obras, já que em todas se pode apreciar o seu estoicismo, que emergiu ao escrever, como mostra a sua obra "Tratados Morais" escrita e dedicada a seu filho Lucílio:

“Coisas prósperas acontecem com a plebe e os dispositivos vis: e, pelo contrário, calamidades e terrores, e a escravidão dos mortais, são características do grande homem. Viver sempre feliz e passar a vida sem remorsos de espírito é ignorar uma parte da natureza. Você é um grande homem? Onde posso saber se a sorte não lhe deu a oportunidade de exibir sua virtude? Você veio para as Olimpíadas e nelas não tinha competidor: você vai usar a coroa olímpica, mas não a vitória. Não o felicito como homem forte: escolha-o como aquele que chegou ao consulado ou à aldeia com a qual está crescido. Posso dizer o mesmo ao bom homem, se algum caso difícil não lhe deu a oportunidade de demonstrar a coragem de seu espírito. Julga-te infeliz se nunca exististe: passaste a tua vida sem ter o contrário; ninguém (nem mesmo você) saberá até onde chega a sua força; porque para se conhecer é necessária alguma prova, pois ninguém consegue saber o que pode senão prová-lo. Por isso houve alguns que voluntariamente se ofereceram aos males que não os atacavam, e buscaram uma oportunidade para que brilhasse a virtude que estava escondida ”.

Fica mais do que evidente como o estoicismo de Sêneca brota em sua obra, destacando em certos aspectos os fundamentos do estoicismo, e seu ataque ao Oriente, que em certos aspectos enchia a vida do romano, com luxo e coisas vãs, vão contra os romanos, e eles são prejudiciais ao Império. A grandeza desse estoico está em seu papel de político, mais do que de escritor, suas obras foram em grande parte preservadas no bom sentido, outras se perderam, preservando apenas alguns aspectos. Sua participação durante a administração do Imperador Cláudio e Nero, o ratifica como um bom cives. Apesar de seu exílio, que durou 8 anos na Córsega, pode-se ver as bases de um estoico, daquela escola que Zenão fincou as fundações, para responder à pergunta O que era a felicidade e como ela foi alcançada? Sêneca coloca em prática sua filosofia, ao plano político, tornando-se assim um grande cives.

Políbio, historiador e geógrafo grego, radicado em Roma, protegido por Scipião. Era um d´aqueles poucos gregos, ainda remanescentes, que honravam a antiga Grécia. Como racionalista, na busca para explicar o processo histórico, procura leis e causas determinantes, ao alcance do espírito humano. A grandeza de Roma explica-se por certos fatores físicos, tais como a situação geográfica, o clima, a densidade da população, etc., mas muito mais ainda por  fatores morais e culturais, tais como a prudente organização política (uma mistura de elementos monárquicos, aristocráticos e democráticos) e, sobretudo, sua excelente organização militar. Graças a esses fatores, Roma liqüidou o poder de Cartago e conseguiu a hegemonia sobre o mundo mediterrâneo. Contudo, como todas as coisas humanas, o Império Romano, está sujeito à lei universal da corrupção. Como na própria Grécia, e no Império alexandrino, o afluxo de povos conquistados para os seus centros, perverte os valores dos conquistadores, a cives romana. Assim, a antiga nação romana é sufocada, perde seu brilho, sua virtus, suplantada por uma massa de bárbaros, que os romanos denominavam plebe, um povo, mas um povo sem identidade, e portanto, sem unidade, que não raro descamba para guerras civis, e muito menos com valor necessário de sustentar sua existência. Oque a acabará por sucumbir ante outra civilização mais coesa e virtuosa. Assim, Políbio julga-se capaz de predizer as catástrofes internas que ameaçam a cidade. Torna-o melancólico a contemplação das vicissitudes humanas: também Roma está fadada a ouvir, um dia, a sentença de maldição proferida contra ela por um soberbo vencedor.


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domingo, 9 de maio de 2021

Os Sertões - O Homem e a Terra.

"O sertão é a pedra e sobre essa rocha ardente o sertanejo ergueu a sua verdade e a sua fé, silenciosas e duras, a verdade dos fortes, a fé dos impassíveis, triste, serena, orgulhosa." - Nertan Macedo.

Por "sertão", ou como lhe era mais próprio dizer "sertan", compreende-se as terras desabitadas, ou de população rarefeita. O termo, quanto a origém do étmo, ainda hoje, é objeto de querelas filológicas. Sem nos alongarmos na questão, "sertão" é uma contração de "deserto", no aumentativo, tão comum na língua portuguesa, em alusão aos desertos humanos. "Deserto", etimológicamente não significa necessariamente áreas secas, como comumente, na atualidade, é mais correlacionado, mas sim, as áreas desabitadas. Algumas traduções para o inglês e alemão traduzem como hinterland, terras interiores. Oque é uma impropriedade. O caso, é que, as terras semi-áridas, e interiores, no Brasil, eram áreas desabitadas. As tribos indígenas, pela abundância de caça, bem como de chuvas para suas incipientes lavouras de mandioca, preferiam zonas mais chuvosas, florestais, que corresponde a mata-atlântica, ao longo da costa. Ao passo, que as áreas de cerrado, como de caatinga, eram despovoadas. As poucas tribos estabelecidas nessas zonas, se fixavam nos sopés das serras úmidas, ilhas perdidas em meio a imensidão do sertão, ou a márgem dos poucos rios perenes da região. Assim, é que, a vila de São Paulo de Piratininga, mesmo se situando no interior da Capitania de São Vicente, não é reportada como "sertão", mas como tal, as terras d 'além do Jaraguá. Do mesmo modo, o litoral cearense, era tido como sertão, mesmo se situando a beira-mar, isso por ser quase toda costa despovoada, ante sua peculiar aridez.

Passado esse brevíssimo introito, porém, necessário, pela corrupção do termo. Passaremos a tratar dos Sertões do norte, que tem a caatinga como fronteira. O semiárido brasileiro cobre uma área de 969.589 km, conhecido como polígono das secas, que inclui os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, a maior parte da Paraíba e Pernambuco, Sudeste do Piauí, Oeste de Alagoas e Sergipe, região central da Bahia e norte de Minas Gerais, o vale do Jequitinhonha. Entre todas as zonas secas do mundo, o semiárido brasileiro, tem três peculiaridades, 1º é o que tem a cobertura vegetal, bioma, mais rico, entre 3 à 4 mil espécies. 2º é a que tem a maior média de chuva, embora muito irregular, oscilando precipitações de 2 mil à 200 milimetros a depender do ano . E 3ª, é que até hoje, possui a maior densidade populacional do mundo. 



A semi-aridez ao nordeste do Brasil é uma anomalia dentro do macroclima equatorial. É a única região brasileira que tem duas frentes para o mar, oque deveria evitar a nossa escassez d’água. O saliente nordestino, deveria ser a continuação do clima e da ecologia amazônica, ou no mínimo do tipo Tropical, com duas estações: uma chuvosa e a outra seca bem definidas, mas tal não acontece, ou pelo menos do Tipo Sub-equatorial, com duas estações chuvosas e duas estações secas. 

O fenômeno da seca não é a falta d’água, mas sim a má distribuição da chuva no tempo e no espaço, a guisa de comparação, na Alemanha a média pluviométrica é de 690 mm, e lá, não ocorre a fenomenologia da seca. 

No Ceará, sob ponto de vista climático, existem contrastes violentos, pois, apesar de apresentar um clima semi-árido, o regime pluviométrico é do tipo torrencial. Existe uma semelhança entre o seridó e as estepes sahelianas do ponto de vista floristico. No NE o Seridó é a última forma biofísica antes do deserto.

A Terra - Barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes... !















Os padres Antonio Vieira e João Figueiras, quando de sua expedição a Ibiapaba no Ceará, em meados do Séc. XVII, que chegaram rasgando pelo sertão adentro, após penosíssima viagem, sobre àquelas terras, relatam a impressão de um imenso cemitério de tão ermo e silencioso.
"Aquela solidão dardejante, aquele mar de quietude e cinza, onde se escutam, por vezes, vagos sons cavos e monocórdios. É, pois, reino de numeroso silêncio, intransfigurado reino em que as horas se sucedem monótonas e só elas renovam, nas cores do dia abrasador e da noite que chega abruptamente, enregelada, a imutabilidade do céu e da terra. Geografia de fulgurações. As mesmas fronteiras da seca e do cangaço. É de estarrecer... É o mundo brasileiro das ardências recurvas, côncavo, convexo, de puríssimas poalhas em escarlate azul! Ali, naquele deserto, onde até o ar é absolutamente seco, não se conhece, senão no tempo das chuvas, o murmúrio das águas."

Ao sobrevir das chuvas, a terra transfigura-se em mutações fantásticas, contrastando com a desolação anterior. Os vales secos fazem-se rios. Insulam-se os cômoros escalvados, repentinamente verdejantes.

A vegetação recama de flores, cobrindo-os, os grotões escancelados, e disfarça a dureza das barrancas, e arredonda em colinas os acervos de blocos disjungido, de sorte que as chapadas grandes, intermeadas de convales, se ligam em curvas mais suaves aos tabuleiros altos. Cai a temperatura. Com o desaparecer das soalheiras anula-se a secura anormal dos ares. Novos tons na paisagem: a transparência do espaço salienta as linhas mais ligeiras, em todas as variantes da forma e da cor.

Dilatam-se os horizontes. O firmamento sem o azul carregado dos desertos alteia-se, mais profundo, ante o expandir revivescente da terra.

E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono. 


Na Caatinga existem aproximadamente 5.311 espécies de plantas, destas no mínimo 1.547 são endêmicas. A Caatinga não é homogênea, possui uma variedade de vegetações classificadas como fitofisionomias (fito = planta e fisionomia = aparência, significa o aspecto visual da vegetação). São caracterizadas, em geral por serem, xerofitas, ou seja, com a perda de folhas no períodos secos. Exceção de algumas variedades como o Juazeiro, que se mantem verde, mesmo nas mais severas estiagens. 

Caatinga arbórea: florestas altas com árvores que chegam a 20 metros de altura, que na estação chuvosa formam uma copa contínua e uma mata sombreada em seu interior.

Caatinga arbustiva: Ocorre em áreas mais baixas e planas, com árvores de menor porte de até 8 m de altura, associadas a cactáceas como o xique-xique, o faxeiro e bromélias como a macambira e o croatá.

Mata seca: Floresta que ocorre nas encostas e topos das serras e chapadas. As árvores dessa mata perdem as folhas em menor proporção durante a seca.

Carrasco: com ocorrência no oeste da Chapada da Ibiapaba e ao sul da Chapada do Araripe, com arbustos de caules finos, tortuosos e emaranhados, difíceis de penetrar.


O Homem: "antes de tudo um forte".

Durante três séculos, o sertanejo, num abandono completo, sem sofrer influxos externos, se caldeando endogamicamente, diferente das populações do litoral, cosmopolitas, resguardaram intactas, as tradições do passado. De sorte que. hoje: 

" [....] quem atravessa aqueles lugares observa uma uniformidade notável entre os que os povoam: feições e estaturas variando ligeiramente em torno de um modelo único, dando a impressão de um tipo antropológico invariável, logo ao primeiro lance de vistas distinto do mestiço proteiforme do litoral. Porque enquanto este patenteia todos os cambiantes da cor e se erige ainda indefinido, segundo o predomínio variável dos seus agentes formadores, e homem do sertão parece feito por um molde único, revelando quase os mesmos caracteres físicos, a mesma tez, variando brevemente do mamaluco bronzeado ao cafuz trigueiro; cabelo corredio e duro ou levemente ondeado; a mesma envergadura atlética e os mesmos caracteres morais traduzindo-se nas mesmas superstições, nos mesmos vícios, e nas mesmas virtudes."

Na resplandecência azul dos espaços e tempos, os sertanejos vivem, em geral, em casas de taipa, cobertas de telha vã; usam fogão de trempe de pedra, alimentado de lenha, graveto e maravalha; repousam em zidoras – cama de varas - ou no chão forrado de esteiras de piriri, talos de bananeira ou palha de carnaúba. O meio quase único do trabalhador se locomover, por conta própria, sem estar a serviço, são os próprios pés, exceto nos casos em que usam o animal do patrão. Aliás, os sertanejos são resistentes e velozes andarilhos. Mesmo nos curtidos da fome, nos flagelos das secas, é a pé que eles emigram, cambaleantes, pelos caminhos sem-fim, com a poeira frouxa levantando-se do chão pedregulhento e urente.

O espírito religioso do sertanejo é acentuado pelo temor a Deus. Todo mal é castigo do pecado. E o pior de todos os castigos é a seca. Tirado o pecado – impossível porque entranhado na natureza humana – a seca desapareceria, o sertão viraria mar e, então, se concretizaria a sonhada miragem verde da abundância e da felicidade! A mística da seca é temática da vida e do eixo de giro de toda a religiosidade sertaneja. Mística sistematizada em doutrina através das pregações terrificantes, das procissões penitenciais de esconjuro da seca – o mau destino! - e de clemência por chuvas, a maior benção do céu! O sertanejo não maldiz nunca a chuva, mesmo arrasadora. Mãos estendidas, apara, de joelhos, até os poucos pingos que caem, beijando-os sofregamente, devotamente. A chuva é a esperança e a salvação. A água é bênção divina que molha os corações de esperança e enche as terras de verde e de fartura. Maldição são as prolongadas estiagens, as secas sem fim, que acontecem muitos anos, aniquilando tudo o que significa vida.

Nessas épocas não há trabalho, nem o que comer. Sai o pobre sertanejo, sem tino nem destino, em retirada, como ave de arribação, estrada a fora: é o retirante. Bênçãos, lágrimas, olhos arregalados e parados na despedida que, todos sabem, pode ser definitiva. O mistério das coisas da vida e da morte aderem, feito acréscimos, a esse misticismo. O mistério em tudo, influindo e atemorizando, fatalizando e fanatizando. Dentro de um clima tropical semi-árido, a canícula arde impiedosa, o céu é incandescente e o sol, de rachar: é a seca influenciando a vida e condicionando o homem, um homem diferente, o homem sertanejo. Constituído em geral de grande resistência física e moral, define-se no misticismo dos beatos e penitentes, nos arremetimentos audazes das vaquejadas, na música telúrica do baião e no ritmo do côco, na resistência teimosa contra as inclemências da região agressiva e nas aberturas das brigas – pelo sim pelo não – em cenas sangrentas do cangaço sob a vibração épica do xaxádo.

Os sertões era um imenso deserto humano, de população rarefeita, mesmo indígena. Em meados do Séc. XVII, o paulista Jorge Velho, já desbravava e se estabelecia com fazendas de criação no Piauí. Afonso Sertão, pernambucano, também já devassava os sertões de Pernambuco e do Ceará, e ouve notícias por índios locais de Jorge Velho, com quem irá se encontrar. Desse encontro, deve-se o convite para que Jorge Velho fosse a Pernambuco debelar o quilombo dos Palmares. 

São em parte com tropas de paulistas, que se combatem nos sertões do Ceará e do Rio Grande do Norte  Paiacus, Janduís, Icós, nas ribeiras do Açu e do Jaguaribe. Sobrevem a expedição a Palmares tendo a frente Bernardo Vieira de Melo e Jorge Velho.  Ficando assim livre todo o território entre as matas do cabo de Santo Agostinho e Porto Calvo. Muitos dos paulistas empregados nas guerras do Norte não tornaram mais a São Paulo, e preferiram a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas, formando estabelecimentos fixos. 

Rocha Pita, que moço conhecera alguns veteranos da conquista e defesa da costa leste-oeste. Na sua Historia escreve: 

"O Ceará é a mais áspera e inútil das províncias do Brazil", pois só dispunha de algumas salinas, pau violeta e "ambar gris" de melhor qualidade que o comum das costas brasileiras, a representar porém insignificante comércio que era feito a poder de resgates com índios, resumidas as mercadorias dos portugueses em "qualquer droga". 

A sêca, que periodicamente assolava a zona pelo sertão a dentro, reforçava a descrença sobre as possibilidades da indústria pastoríl. Equivocado estava Rocha Pita, é no rastro do gado que segue o povoamento dos sertões e em que residirá sua grande riqueza. A propósito, descrevia dois séculos depois um ministro de D. João VI, o financeiro Targini, curiosos hábitos do gado produzidos pela estiagem: 

"O sertan da Capitania do Siará, que decorre de 3 a 5 graos de latitude austral e 153 á 364 graos de longitude, he povoado, como o das outras Capitanias do Brazil, de Fazendas de crear gados vacum, lanigero, e cavallar, e he hum terreno sugeito a repetidas secas: O gado que durante o estio está magro pastando nos seus campos huma herva tisnada pelo intenso ardor do sol, poêm a mira na estaçon das aguas, que alli principia regularmente em Dezembro ou Janeiro, tornando-se rapidamente verde e frondoso tudo quanto está seco e torrado. Apenas as manadas veém dos seus sitios exhaustos relampejar n'um horizonte opposto, certas de que as primeiras aguas costumam sahir entre os raios e trovões, poeni-se em marcha para aquella parte onde fuzilou: Atravessam serras, rios, e desertos para irem utilizar-se do pasto succulento que sabem que vã encontrar indo para aquella estancia: Desfrutam pois as primícias do novo pasto, porem logo que vêem brilhar tambem o raio no horisonte dos seus campos natalícios, tornam a vir beber das correntes e a pastar nos terrenos onde viram a primeira luz matutina; fazendo assim viagens de sessenta, oitenta, e muitas vezes de cem leguas sem conductor nem bussola".

É assim que, com o declínio da cultura canavieira, e a proibição da pecuária no litoral, se inicia o povoamento dos sertões. Nas ribeiras do rio das Velhas e do São Francisco, atual Minas Gerais, antes da descoberta das minas (1695), havia mais de cem famílias paulistas, entregues à criação de gado. É desse núcleo, que decorre o povoamento incialmente do Sertão, singrando pelas márgens do São Francisco, sertão adentro, que posteriormente se entronca com outro núcleo, vindo do leste, de São Salvador, sesmeiros da Casa de Garcia d'Ávila. Desse núcleo, surge a civilização do couro, que caracterizará a população sertaneja. 

"Pode-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que atravessaram a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os banguês para  cortume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz." 

Uma terceira corrente se destaca no povoamento dos sertões mais setentrionais: Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, oriundos de Goiana-PE, que é como que o último posto civilizatório do qual partem sesmeiros em busca de novos pastos. Se registra que em Goiana, à época holandesa, era uma das localidades com maior presença desses. Quase todas, tradicionais famílias sertanejas, do sertão setentrional, tem ancestralidade em Goiana. Parece ser a razão da ocorrência de uma substancial presença de genes "holandeses" entre a população sertaneja. 

É nesse período também que ocorre uma intensa imigração de portugueses provindos da província do Minho, ante uma explosão demográfica n'aquela região. As famílias sertanejas, são em geral constituídas por antigas matrizes da aristocracia canavieira, que se ligam a sesmeiros nortenhos, que conseguem mercês pelo favorecimento de patrícios que ocupam os cargos de governança, ou após conseguirem vultosas somas no ofício de mascates. Assim, se estabelecem, casam com moças de Casas nobres, e se fazem senhores de terra, gado, e gente.    

A vinda desses minhotos, grava nos sertões tradições nortenhas, renovando, da sua língua, a um catolicismo medieval, a cultura arcaizante d'aquela primeira nobreza da terra. O sertanejo arcaico, desgosta de tudo que não cheira a paços e castelos. E povoa no imaginário, contos de santos, cavaleiros, reis e princesas, entremeados por cenários nevados em plena caatinga. 

As famílias sertanejas tradicionais, ao contrário do que se veicula, é marcadamente matriarcal, como no norte-português, com funções bem divididas entre o marido e a esposa. A esposa é a Rainha do Lar, é dela a palavra final no que toca a todas as decisões pertinentes a casa e a criação dos filhos. Da porta da casa pra fora, o marido é o chefe da família, responsável e senhor absoluto nas relações públicas e civis. Na morte do marido, a esposa toma seu lugar, e torna-se a Matrona da cabeça do clã, reverenciada e obedecida por todos os filhos, netos e parentes. O contrário não ocorre, entre as famílias mais humildes, e mesmo n'aquelas mais abastadas, com maior mescla indígena, aonde se configura, predominantemente, um regime familiar patriarcal, em todos os aspectos.

A estrutura de clãs, tão forte ao longo dos dois primeiros séculos de formação do Brasil, perde força no Séc. XVIII, no litoral, mas perviverá nos sertões. Os sesmeiros, quase sempre se fixavam com sua parentela e agregados ao tomar posse de suas terras. O isolamento geográfico e social, n'aqueles desertos humanos, como a escasseis de mulheres, favorecia a endogamia, além do desejo de manter as terras no seio familiar.  

A figura do jagunço é quase sempre a de um agregado do clã, afilhado de batismo do patrão, morador de suas terras, e não raro, homiziados acoutados, em troca de seus serviços. Eis a figura armada nas guerras de clãs que ensanguentaram as terras sertanejas até pouco tempo. "Quem não tiver avós que matassem ou fossem mortos, que levante o dedo!" eis a sentença que encerra João Brígido, ao tratar sobre aqueles tempos. 

A alcunha de "cangaceiro", no final do século XIX, confunde-se com a do "jagunço", mas toma conotação diversa. Cangaceiros eram os do sul da bacia do São Francisco, no que hoje é a Bahia, "jagunço", os do norte, de Pernambuco ao Ceará. Euclides da Cunha diz que os cangaceiros tinham como predileção de arma, punhais longos, chamados "parnaiba", os jagunços preferiam clavinotes boca de sino. Os termos se confundem com a guerra de Canudos, quando aflue gente das duas regiões. 

Contudo, a figura do "cangaceiro" divirgirá do seu original. O fenômeno do "Cangaço", ocorrido no Séc. XX, é diferente do que foi no Séc. XIX. Em fins, do Séc. XIX, o sertão deixa de ser sertão, ou seja, se torna povoado. Assim também, começa o flagelo social ocasionado pelas secas. Quando surgem bandos independentes, formados por "flagelados" que se alistam nos bandos, a viver do roubo, como meio de vida. Esses dois elementos: bandos independentes, e objetivo de roubo, eram inexistentes no Séc. XIX. As conflagrações no Séc. XIX ocorriam quase sempre por rixas políticas, delimitações de terras, ou questões de honra. E sempre sobre o mando de um chefe, nunca com fins de roubo. 

A guisa de comparação, a seca de 1777, quando a população sertaneja ainda era rarefeita, dizimou a pecuária no Ceará, oportunidade em que se teve que recorrer ao Piauí para refazer as criações de gado vacum no Ceará, daí o afamado mote: "O meu boi morreu, oque será de mim? Manda buscar outro maninha lá no Piauí", mas não afetou de forma tão trágica a população como virá a ser a de 1877. Essa grande seca de 1777, acabará com a próspera indústria do charque no Ceará, e levará a migração de cearenses para o Rio Grande do Sul, aonde fundam as primeiras charqueadas em Pelotas e Vacarias (parte atual da região metropolitana de Porto Alegre). E que virá a ser o charque (também dito: carne de sol, ou carne do Ceará), o grande motor da economia do Prata. 

A grande e trágica seca de 1877, em que se registra, dentre outras situações calamitosas, casos, desesperadores de antropofagia, matará 500 mil brasileiros de fome e sede. A tragédia da seca de 1877-79, é resultado de um "sertão" povoado, com uma população vunerável e sujeita a secas periódicas. Nesse período, 120 mil sertanejos migram para o imenso e desabitado vale amazônico, oportunidade em que tomarão parte na ocupação das terras do Acre, povoando e dilatando as fronteiras da Pátria. Chegaram a 15 léguas do Pacífico, adentrando pelo rio Maranhão, no oque hoje são terras peruanas. Chegando a se baterem com peruanos, incapazes de os conterem. E teriam chegado as praias, não fosse a Guerra do Paraguai, que faz cessar o fluxo.  

Afora os 500 mil mortos, 120 mil emigrados para a Amazônia, soma-se 68 mil emigrantes para outras partes do Brasil, o sertão, antes com uma população estimada em 800 mil pessoas, reduz-se a 112 mil almas.... pouco mais de 1/8 do que era antes. E assim, o "sertão", voltou a ser Sertão. 




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